terça-feira, 4 de janeiro de 2011

O PARADOXO RACIONAL






Quanto menos se interfere, mais a natureza se revela.







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domingo, 5 de dezembro de 2010

CONEXÃO





Música vem de cima.
Literatura vem de baixo.









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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

FALAR DE AMOR COM A EX-NAMORADA



Oi...

Fiquei instigado pelo nosso começo de papo, na internet, sobre namoros.

Acho mesmo que esse assunto é sem fim e que a gente só vai conseguir brincar de falar disso quando for pessoalmente mesmo.

Ainda assim, fiquei com vontade de fazer uns comentários iniciais.


Tipo assim:

a gente concorda que monogamia é uma opção. Uma opção racional, consciente, podemos até chamar de "madura" se quisermos.

Mas será que namoro tem a ver com razão, consciência ou maturidade?

Pensa só: sendo consciente, racional e tudo mais, seria uma tremenda besteira namorar alguém de nível social ou cultural muito diferente do meu. Sim, ainda que você não curta o exemplo da grana, entende a idéia: é muito mais fácil eu conviver bem com alguém que tenha valores e experiências parecidos com os meus.

E aí? Será que a gente escolhe quem vai namorar? Certamente pode escolher. Mas a gente escolhe de quem gosta? Acho que não.

Outro dia, eu estava conversando com um grande amigo. Ele me levou a pensar sobre uma relação que tenho há muito tempo. Vou falar dela porque tem tudo a ver com nosso assunto.

Tenho uma amiga que me acompanha há quase dez anos. Ela é paulista, mora em Sampa. Ao longo desses anos, tirando uma média, se nos vimos pessoalmente três vezes por ano foi muito.

Quando nos vemos, normalmente a gente fica, transa, até já dormiu juntos algumas vezes. Ainda assim, é uma das pessoas mais próximas que tenho. Falo com ela direto e somos um para o outro grandes companhias quando estamos tristes, em crise ou algo assim.

Ao longo desses dez anos, já namoramos terceiros. Quando estamos comprometidos, não ficamos um com o outro. Quando terminamos nossos namoros, voltamos a ficar.

Eu amo essa minha amiga. Ela sabe disso. E eu sei que ela me ama. Dizemos isso um ao outro o tempo inteiro, e já tive oportunidade de contar com esse amor em certos momentos de necessidade.

Quando estou solteiro, ninguém me condena por amar essa amiga. Ou por amar você. Ou quem quer que seja.

Solteiro, estou livre para amar e espalhar meu amor por toda parte.

Já quando estou namorando alguém, só posso amar minha namorada. Às vezes preciso até dizer às namoradas que já deixei de amar a namorada anterior. Isso as deixa mais tranqüilas. De quê, eu não sei.

Agora vê: eu e você temos uma relação de evidentes e notórios carinho, afeto, eu diria até amor mesmo, sem nenhum exagero.

Eu amo você, mulher.

Agora imagina: se eu estivesse namorando com você, como você se sentiria se eu dissesse que amo essa minha amiga, com quem de vez em quando me encontro de maneira CARNAL?

Sendo racional, você certamente compreenderia que é sem nenhum sentido a idéia de que DEVEMOS amar apenas uma pessoa de cada vez. Mas será que você seguraria essa onda?

Em caso afirmativo, mais uma vez, você é uma belíssima exceção. Em caso negativo, nada demais: apenas mais um exemplo do grande equívoco que eu vejo nisso que a gente normalmente chama de "amor".

Amor, acho eu, não tem absolutamente nada a ver com "relação". Posso namorar alguém por pura carência. Ou por comodidade. Ou por vaidade. Posso namorar alguém apenas para provar a mim mesmo que sou digno de ser amado.

Por outro lado, se eu amo você, não vai ser o fim de um namoro que vai mudar isso. Porque se uma "decepção" qualquer acaba com o amor, convenhamos que aquilo nunca foi amor.

Entende? Eu até acho legítimo que algumas pessoas se sacrifiquem tentando encaixar seus sentimentos em uma fórmula de relação que não é nem universal. Em vários países e culturas, um homem pode ter quantas mulheres puder sustentar e agradar. E nesses países, a mulher pode trocar o harém de um homem pelo de outro.

Então convenhamos que não há nada de "natural" no "namoro" ou na "monogamia". Agora: sem dúvida, parece que algumas pessoas SENTEM de maneira apropriada a essa fórmula. Se fosse meu caso, eu nem precisaria pensar no assunto.

Mas não é.

Além disso, quanto à "vantagem" de abrir mão de tudo e focar no namoro, acho isso tudo bem relativo. Já vivi solidão a dois e já vivi a plenitude sozinho. Já namorei sem nenhuma paixão, apenas porque todo o resto tinha a ver, e isso acabou parecendo uma pequena morte. Como se eu, por medo da vida, optasse por ficar quieto em uma história mais ou menos, mas que pelo menos era real. "Melhor do que nada", eu diria ali.

Conversando com esse meu grande amigo, vi que já tenho em minha vida algumas poucas (poucas mesmo) e ótimas amizades, algumas várias ótimas parceiras sexuais, além de ter, dentro de mim, a certeza de que esse vazio que eu e todo mundo sentimos no peito só pode ser preenchido por mim mesmo.

Sempre que eu tentar preencher esse vazio com outro ser humano, que posso chamar de namorada, estarei apenas adiando o momento do término. Porque não há mulher nenhuma no mundo que seja "metade de mim". Mulheres são seres inteiros, assim como homens. Todos imperfeitos, cheios de carências, mas, ainda assim, pessoas inteiras.

Entende de leve o pobrema todo? Esse não é nem de longe um assunto simples.

Por enquanto, estou solteiro. No momento, não consigo acreditar na fórmula do namoro. Posso mudar de idéia. E não, não desisti de tentar. Mas como já acumulei alguma experiência, em certas ciladas não caio mais.

Digaí.


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terça-feira, 30 de novembro de 2010

WIKILEAKS, CARIOCA WAR AT THE FAVELAS AND THE OFFICIAL TALK






Não à toa, Zé Carioca era um papagaio.
Agora repete.







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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

GÜERRA? MA CHE GÜERRA?


Peraí: não tem ninguém aqui chorando pela África hoje?


Hoje o obrigatório é Vila Cruzeiro?
Qual é a diferença?


Amigo meu, do Leblon, se considera judeu. Qualquer coisa em Israel tira ele do sério.

Para ele, Israel é mais longe do que a Vila Cruzeiro?

Nunca o vi levar comida ao morro. Aliás, ele aponta o dedo pra quem sobe o morro atrás de algum escambo. Morro é pra nem ser lembrado.


Em Copacabana, tudo maneiro.



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sábado, 20 de novembro de 2010

PROFISSÃO






Platão > plantão









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RELAÇÃO






terminar = exterminar









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quarta-feira, 17 de novembro de 2010

TOLERÂNCIA






Intolerável, só mesmo a virtude.









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quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O PARADIGMA DO DESENVOLVIMENTO







Um carro é uma cadeira de rodas.








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segunda-feira, 8 de novembro de 2010

DE ASFALTO E TERRA VERMELHA


Deve ter uns três anos, acho, estava brincando com meu violão e pedi a papai do céu.


Puxa, eu daria qualquer coisa para saber cantar.


Sério. Eu brinco com música desde que nasci. Coloque qualquer instrumento nas minhas mãos, dê umas duas semanas e volte para conferir se eu já não engano por alguns segundos.

Foi assim com o sax tenor, por exemplo.

No ano de noventessete, dei a mim mesmo um saxofone de presente de aniversário. Digo: dei a mim mesmo ao longo de doze meses.

Comprei o instrumento em um dia, brinquei com ele, viajei para o exterior três meses depois, voltei, toquei mais uma semana e fiz meu primeiro show ao vivo como saxofonista.

Um ano e meio depois, tirei a carteirinha da Ordem dos Músicos.

De maneira alguma estou tirando onda. Tantas são minhas incapacidades diante do mundo real que me reservo o direito de dissertar sobre minhas facilidades.

Tocar sempre foi natural. Tocar, compor... Sim, compor. Sempre foi natural. Tirar música enquanto assisto à TV... Tudo natural.

Agora: cantar é outra coisa.


Minhas memórias mais antigas sobre o canto me remetem de volta ao município de Nova Friburgo, na serra do estado do Rio de Janeiro.

Naquele aprazível logradouro, curtia eu vez em quando minhas férias escolares, dado que eu tinha acesso às instalações militares brasileiras, inclusive ao Sanatório Naval convertido em clube exclusivo da Armada.

Era toda uma colina pertencente à Marinha do Brasil. Sim, no alto da serra.

Ali, eu e dezenas, punhados de cada vez, de jovens, crianças, na verdade, filhos de oficiais confraternizávamo-nos, namorávamo-nos, passeávamos pelo cemitério desativado e vez ou outra tocávamos violão.

Lembro que certa vez me arrisquei a cantar. Lembro que meus amiguinhos silenciaram, eu morri de vergonha e nunca mais me atrevi.


Eu tinha uns... Quatorze ou quinze anos. Tocava guitarra havia uns dois.


Depois dessa tremenda vergonha inicial, nunca mais cantei. Não sou capaz de dizer se todos silenciaram porque fui péssimo. Hoje, inclusive, olhando em retrospecto, acredito que eu tenha me saído bem. Mas a posição de centro do palco simplesmente me travou para sempre.

Ou assim eu pensava.

Tendo a crer que, naquele momento, fui apreciado porque, lembrando-me bem, havia uma menina, aqui chamada de Júlia (nome fictício mesmo), que, linda como só ela, morena, tipo cor de canela mesmo, gostosa em toda sua adolescência, chegou em mim e justo na sauna a vapor. Justo onde eu estava sem camisa, igualmente adolescente, cheio de espinhas e sobrepeso, cabelo em crescimento irregular, e mesmo assim eu acabei por faturar a namorada.

Certamente eu devo ter cantado direito.

Essa namorada, que eu chamo ficticiamente de Júlia, serviu também para inaugurar um padrão que se revelou ao longo dos anos: com Júlia, a fictícia, formei uma dupla. Não era sertaneja, mas era ela quem cantava. Eu apenas tocava.

De Júlia ao Glamourama, sempre formei em torno de mim ou aderi a estruturas musicais que me dispensavam de cantar. Cheguei a compor músicas inteiras e entregar ao amigo ao lado.

Por vergonha.


De qualquer forma, só me lembro de ter sentido vergonha parecida nesta vida uma única vez: ano passado, em São Paulo, quando tentei fazer meu primeiro show sozinho, voz e guitarra.


Esses foram meus dois momentos mais vexatórios na vida.

Cantando em Nova Friburgo, cantando em São Paulo.


Mesmo assim, tendo já vivido trintetrês, tendo aprendido a máxima anônima segundo a qual "se você nunca sentiu medo, vergonha ou dor é porque nunca se dedicou ao que considera realmente importante", insisti e fui em frente.

Na verdade, confesso, mais uma vez na vida, não precisei insistir tanto. Eu vou insistir. Aí sim. Aí estou sendo justo. Mas não precisei insistir.

Nos anos de doismilessete e doismileoito, eu estava em Brasília, trancado, estudando, meditando e... compondo, é evidente.

Dadas circunstâncias muito específicas, eu estava de posse de todo o tempo do mundo para me dedicar às coisas que, havia descoberto, me pareciam realmente fundamentais. Foi nessa onda que voltei a compor de com força.

Compor coisas completamente diferentes das anteriores, como aliás descobri estar expresso até mesmo em meu mapa astral. A reinvenção constante.

Curioso.

Mas estava eu compondo, chegando às raias do samadhi toda hora, pirando no êxtase de uma simples corda vibrando sozinha, e resolvi ser ousado de uma vez.

Matriculei-me na Claude Debussy, uma escola de música da capital.


Três aulas com uma professora que me lembrava demais minha querida avó - outra aficionada do canto - e eu estava pronto.

Pronto para encarar qualquer coisa.

Até o show de São Paulo.

Concomitantemente a isso, eu já estava relativamente de posse da emissão mínima suportável de minhas cordas vocais. Eu já era ali capaz de ao menos traduzir em voz as notas que me vinham à cabeça.

Dali para frente, seria apenas praticar. O principal, que era perder o medo de encarar uma parede e emitir um DÓÓÓÓÓÓÓÓÓ com todo o coração, eu já havia superado naquela sala de aula, ao lado do piano desafinado da sósia de minha querida avó.

De formas que, quando resolvi deixar Brasília, rumo a São Paulo, eu já era capaz de entoar ao menos um punhado de mantras de minha autoria.


Um desses foi o que gravei igualmente por brincadeira, no laptop iluminado de Bruno Cardoso, em companhia de Helena, Bruna, Cecília, Luiza e Daniela, minha querida "Quarta-feira em brasa".

Foi essa mesma gravação que, enquanto eu morria de vergonha no show de estréia em Sampa, percorria o espaço virtual e me rendia o convite.


O convite para que a música adentrasse a trilha sonora do filme "De Asfalto e Terra Vermelha", de Camila Freitas e Antoine D'Artemare.

Uma coprodução Brasil-França de trintecinco minutos sobre a capitar federar brasileira.

Fui assistir ontem, no Centro do Rio.

O filme é uma obra digna de atenção. Sem me esforçar para parecer isso ou aquilo, digo que a narrativa é a síntese da cidade. É possível conhecer Brasília pelo filme, é possível conhecer o filme por Brasília, é possível conhecer a narrativa pela cidade, vice-versa, os planos são definitivos, os depoimentos merecem minha assinatura embaixo de cada um deles, até a música, sim, a música, serviu para coroar aquela obra como jamais poderia supor.


Esta é a segunda vez em que me vejo relacionado a uma tela de cinema e esta é a segunda vez em que isso me emociona profundamente.


Desta vez, só para maltratar meu coração, era eu cantando.

Minha voz, meu violão, minha música...

E quando a música entrou, eu achei aquilo tão lindo e demorei uns cinco segundos para perceber que era eu mesmo quem estava tocando.


Essa sensação foi indescritível.


De uma coisa eu sei: posso ter o destino mais cruel que alguém possa imaginar, mas hei de perecer agarrado a um violão, gemendo as coisas baixinho, de um jeito que sempre fez sentido para mim e que, parece agora, faz algum sentido para as outras pessoas.




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quinta-feira, 4 de novembro de 2010

OS DOIS TIPOS DE JUDEUS


Etnicamente falando, e não em termos de crença ou prática,

existem dois tipos de judeus: o depressivo e o esquizofrênico.


O depressivo acha que nem é judeu. Ele é normalmente melancólico pra cacete, embora tenha grandes rajadas de humor. Faz piada de si mesmo e de tudo, transcende o tempo todo, esse é o meu tipo. Meu, do meu pai, do meu avô, do Woody Allen, do Bob Dylan, do Iggy Pop, do Seinfeld, do Einstein.

Esse primeiro tipo, o depressivo, o melancólico, costuma ser apelidado de self-hating jew.

O judeu que odeia a si mesmo.

Esse tipo de judeu costuma responder dizendo-se, na verdade, um self-loving man.

Porque antes de ser judeu ele é homem e ama sua espécie.


O segundo tipo é o esquizofrênico. Os avós dele falam ídiche, mas ele aprende hebraico, porque está na bíblia; ao mesmo tempo, se veste igual a um romeno, de terno e chapéu preto, já que veio da Europa; mas se identifica com o Oriente Médio, mas usa trancinhas também, para combinar com a barba de dois milanos atrás. Esse judeu, desse segundo tipo, tem certeza de que é judeu.


Esse segundo tipo sabe bem identificar o que é um não-judeu.

É por isso que me limito a falar apenas sobre o que conheço.



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segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A METANÓIA E O DETRATOR


Hoje em dia, qualquer um que não seja egoísta com o conhecimento ou com qualquer outro poder que detenha é motivo de chacota.

Abrir mão da vantagem?

Vira coroinha, moralista, idealista, rótulos não faltam para o escárnio.

Lembre-se sempre de que tem gente por aí que curte. Tem gente que curte, aprecia, dá valor e chega até a se emocionar quando se aproxima.

Gente assim, que reconhece o valor, por viver em um ambiente onde poucos são assim, na tentativa de dividir a alegria que você mesmo causou pode até passar do ponto: sem muitas referências às quais possa compará-lo, você pode se perceber alvo de um elogio que nem cabe em seu ego.


Ontem ouvi: "você é muito... harmonioso. Harmonioso assim... Como o...".

Não vem ao caso quem.


Lembre-se sempre: tem gente que curte. Gente assim, que curte, que aprecia, é gente com sensibilidade. É gente com olhar atento, atento a ponto de flagrar a diferença entre o meio e o sujeito que tem diante de si. E é gente com desejo de ser melhor.


O que você pode esperar de alguém que nem cogite a existência de uma melhora, de um aprimoramento?

O que esperar de gente que subestima a vida, o aprendizado?


Gente que gosta de acreditar que já nasceu pronta, embora saiba, na intimidade, que está o tempo todo abrindo concessões a novas conclusões. Gente assim há aos montes. Gente que muda o tempo inteiro, mas que vê humilhação em flagrar-se e admitir-se carente de mudança.


Eu tenho bem clara a resposta a uma pergunta que anda circulando pela mídia, reflexo do crescimento industrial de certas religiões - ou denominações - ou seitas - ou empresas mesmo.

Hoje em dia, questiona-se:

por que é que os evangélicos de hoje são sempre os drogados, os bandidos, os canalhas, os assassinos de ontem?

Será que é preciso descer ao fundo do poço para ver realmente a luz de verdade? Será que eu, que sofro como todos neste planeta, não pude já ver toda a luz que há para ser vista? Por que acreditar que preciso ir até o que há de mais negro antes que comece uma subida?


É simples. Porque a mudança de rumo vem do sofrimento, sim, sem dúvida, mas não é apenas o sofrimento que vai garantir a mudança de rumo.

A mudança, que os gregos chamavam de metanóia, vem de o sujeito perceber-se sofrendo. Ao perceberem-se sofrendo, algumas pessoas são capazes de perceber que sofrem por conseqüência de seus próprios atos. Ao perceberem isso, algumas tantas notam inclusive que não adianta endurecer a coluna e defender seus próprios erros até o túmulo.

Tendo percebido isso, a inutilidade de negar a própria realidade, começa a nascer no indivíduo algo sobre o que não adianta falarmos: ou se vive ou não se vive.


Refiro-me ao arrependimento.


É quando o homem percebe que seu sofrimento é fruto de suas ações, e quando nota que vem tomando as decisões erradas, fazendo multiplicar-se aquele sofrimento inicial, que nasce em seu peito o arrependimento.

Do arrependimento, como citavam os gregos, surge a mudança de rumo.


Sempre que ouvir alguém dizer que só se arrepende do que não fez, tenha certeza de estar diante de um cego.

Sempre que alguém classificar uma idéia ou um ato seu como moralista ou idealista, tenha certeza de estar diante de alguém que ainda não entendeu o processo.


Alguém cuja visão não vai muito além desse véu.


É como costumo dizer:

se eu estiver certo, não adianta discutir comigo;
se eu estiver errado, não adianta discutir comigo.


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domingo, 31 de outubro de 2010

OPOZORILO!



Esqueçam o desenvolvimento.
Tentem um reenvolvimento.


Esqueçam a industrialização.
Tentem uma desindustrialização.


Esqueçam o agronegócio.
Tentem a terra.


Esqueçam a inclusão.
Tentem a possibilidade de opção.


Esqueçam o consumo.
Tentem o deleite.


Esqueçam a escassez.
Tentem a desconcentração.


Não vejo o acesso a eletrodomésticos, ao cartão de crédito e ao automóvel como melhoria na vida de ninguém. A fim de fazer girar a roda do consumo e da riqueza indireta, pisoteia-se a horta que alimentaria com sobras tanto o vassalo quanto o suserano.


Esqueçam o poder.
Tentem o amor.


Até lá, não me perturbem com esperanças.



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sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O RACIONAL HOMEM VERMELHO


Em 1855, o cacique Seattle, da tribo Suquamish, do atual estado de Washington, enviou uma carta ao presidente dos Estados Unidos da América (Francis Pierce).


"O grande chefe de Washington mandou dizer que quer comprar a nossa terra. O grande chefe assegurou-nos também da sua amizade e benevolência.

Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não necessita da nossa amizade. Nós vamos pensar na sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará a nossa terra. O grande chefe de Washington pode acreditar no que o chefe Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na mudança das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas, elas não empalidecem.

Como pode-se comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal idéia é estranha. Nós não somos donos da pureza do ar ou do brilho da água. Como pode então comprá-los de nós? Decidimos apenas sobre as coisas do nosso tempo. Toda esta terra é sagrada para o meu povo. Cada folha reluzente, todas as praias de areia, cada véu de neblina nas florestas escuras, cada clareira e todos os insetos a zumbir são sagrados nas tradições e na crença do meu povo.

Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um torrão de terra é igual ao outro. Porque ele é um estranho, que vem de noite e rouba da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, nem sua amiga, e depois de exaurí-la ele vai embora. Deixa para trás o túmulo de seu pai sem remorsos. Rouba a terra de seus filhos, nada respeita. Esquece os antepassados e os direitos dos filhos. Sua ganância empobrece a terra e deixa atrás de si os desertos. Suas cidades são um tormento para os olhos do homem vermelho, mas talvez seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que nada compreende.

Não se pode encontrar paz nas cidades do homem branco. Nem lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o zunir das asas dos insetos. Talvez por ser um selvagem que nada entende, o barulho das cidades é terrível para os meus ouvidos.

E que espécie de vida é aquela em que o homem não pode ouvir a voz do corvo noturno ou a conversa dos sapos no brejo à noite? Um índio prefere o suave sussurro do vento sobre o espelho d'água e o próprio cheiro do vento, purificado pela chuva do meio-dia e com aroma de pinho. O ar é precioso para o homem vermelho, porque todos os seres vivos respiram o mesmo ar, animais, árvores, homens. Não parece que o homem branco se importe com o ar que respira. Como um moribundo, ele é insensível ao mau cheiro.

Se eu me decidir a aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais como se fossem seus irmãos.

Sou um selvagem e não compreendo que possa ser de outra forma. Vi milhares de bisões apodrecendo nas pradarias abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais valioso que um bisão, que nós, peles vermelhas matamos apenas para sustentar a nossa própria vida. O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem os homens morreriam de solidão espiritual, porque tudo quanto acontece aos animais pode também afetar os homens. Tudo quanto fere a terra, fere também os filhos da terra.

Os nossos filhos viram os pais humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio e envenenam seu corpo com alimentos adocicados e bebidas ardentes.

Não tem grande importância onde passaremos os nossos últimos dias. Eles não são muitos. Mais algumas horas ou até mesmo alguns invernos e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nestas terras ou que tem vagueado em pequenos bandos pelos bosques, sobrará para chorar, sobre os túmulos, um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança como o nosso.

De uma coisa sabemos, que o homem branco talvez venha a um dia descobrir: o nosso Deus é o mesmo Deus. Julga, talvez, que pode ser dono Dele da mesma maneira como deseja possuir a nossa terra. Mas não pode. Ele é Deus de todos. E quer bem da mesma maneira ao homem vermelho como ao branco.

A terra é amada por Ele. Causar dano à terra é demonstrar desprezo pelo Criador. O homem branco também vai desaparecer, talvez mais depressa do que as outras raças. Continua sujando a sua própria cama e há de morrer, uma noite, sufocado nos seus próprios dejetos. Depois de abatido o último bisão e domados todos os cavalos selvagens, quando as matas misteriosas federem à gente, quando as colinas escarpadas se encherem de fios que falam, onde ficarão então os sertões? Terão acabado. E as águias? Terão ido embora. Restará dar adeus à andorinha da torre e à caça; o fim da vida e o começo pela luta pela sobrevivência.

Talvez compreendêssemos com que sonha o homem branco se soubéssemos quais as esperanças transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, quais visões do futuro oferecem para que possam ser formados os desejos do dia de amanhã.

Mas nós somos selvagens. Os sonhos do homem branco são ocultos para nós. E por serem ocultos, temos que escolher o nosso próprio caminho. Se consentirmos na venda, é para garantir as reservas que nos prometeste. Lá talvez possamos viver os nossos últimos dias como desejamos. Depois que o último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará a viver nestas florestas e praias, porque nós as amamos como um recém-nascido ama o bater do coração de sua mãe. Se te vendermos a nossa terra, ama-a como nós a amávamos.

Protege-a como nós a protegíamos. Nunca esqueça como era a terra quando dela tomou posse. E com toda a sua força, o seu poder, e todo o seu coração, conserva-a para os seus filhos, e ama-a como Deus nos ama a todos.

Uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus. Esta terra é querida por Ele. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum."


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quinta-feira, 28 de outubro de 2010

AUTOTRÓFICO


Eu tenho um pedido para o ano novo.

Se eu pudesse pedir qualquer coisa, pediria para que aquele papo todo sobre alimentação prânica fosse verdade.

Tem um grande amigo meu que ficou de ir conferir. Encontrar-se com um homem que se diz praticante e depois contar como foi.

Ser possível alimentar-se do prana não é a única coisa que eu quero ou espero do ano novo, mas é algo que não depende de mim, concorda?

Mas é isso mesmo, eu abriria mão de pedir qualquer coisa para o ano de 2011, se descobrisse que posso, de fato, deixar de me alimentar com comida.

Esse papo de, todo dia, pelo menos uma vez ao dia, ter de parar o que estou fazendo para enfiar vegetais - ou pior, cadáveres de animais - para dentro é caretice demais para minha cabeça.

É óbvio e evidente que não sou tão louco assim, a ponto de tentar por conta própria. Tenho o hábito - mesmo - de jejuar, às vezes por dias seguidos, mas estou realmente falando sobre um passo além.

Bem, se não for possível simplesmente parar de comer e passar a me alimentar do prana, então eu gostaria que meu jejum não me desse acidez estomacal e nem mau-hálito.

Posso jejuar em paz? Na moral?

Outro dia, tive um impulso e uma emoção de doçura que me surpreenderam:

no momento, estou morando em Copacabana, possivelmente um dos logradouros mais cosmopolitas do mundo (se não for o mais cosmopolita de todos).

Vizinho à minha caverna, há um supermercado 24 horas. Ali, o atendimento é pior do que péssimo, visto que é o único supermercado das redondezas.

Sem a tal da concorrência, os donos daquela unidade do Grupo Pão de Açúcar vêem-se no direito de disponibilizar apenas um sexto dos caixas instalados na loja, fora o fato de que meus companheiros de bairro também já foram acometidos da idéia de que pagar as compras no cartão, em vez de usar dinheiro vivo, é chique, é elegante e prático.

Ainda que leve o triplo do tempo.

Mas o fato é que eu estava ali, na fila do caixa, há cerca de nem sei mais quantos minutos. Todo mundo bufando atrás de mim.

No limite da paciência, tendo percebido que nenhum dos itens que eu pretendia adquirir compensava aquele tratamento tão horroroso, subitamente larguei as compras diante da funcionária - havia apenas uma cliente antes de mim agora - e saí em disparada de volta para casa.

Esse foi o impulso. Não pretendo voltar ao supermercado Pão de Açúcar até que seja realmente indispensável.

A emoção, doce, doce, estranha, manifesta automaticamente em leve sudorese, princípio de lágrimas e verbalização mental, silenciosa, foi a seguinte:

"olha, vocês fiquem aí tranqüilos, mas só se quiserem. Vocês podem ir embora. Eu não consigo nem olhar diretamente para vocês... Saiam da fila. Vou para casa e vou jejuar por vocês".


É, "vou jejuar por vocês".

Ainda bem que foi tudo mental.


Mas eu tenho esse hábito.

De vez em quando, eu entro em umas ondas que, para mim, são fantásticas: fechar todas as janelas dos sentidos e meditar que nem uma planta, ficar sem comer e assim sentir o corpo com mais intensidade, depois nem senti-lo realmente, beirar o delírio, sentir a fome, a dor, a grande dor, o fim da dor, a paz, a continuação da paz, retomar contato até com a coisa física que fica esquecida no dia-a-dia tosco do homem moderno...

Você se lembra da sensação de estar completamente isento de alimentos na barriga e aí sair ao sol, espreguiçar-se como qualquer bicho, fechar os olhos e apenas ficar ali?

Puxa vida, um banho de sol é realmente um banho de sol. É um banho mesmo. A imagem do banho de Lua não chega nem perto de expressar o que é realmente um banho de sol.


Hoje tomei um. Banho de sol. No meio do dia, Centro do Rio, tirei a camisa, sentei-me em uma praça e apenas fiquei ali. Meio-dia e vintecinco.

Você se lembra realmente da diferença que faz ao corpo uma refeição de carne de boi e uma refeição de frutas, ou, ainda melhor, de brotos de alguma coisa? Alfafa, por exemplo. Rabanete.

Lembra da diferença entre a carne e o vegetal puro?

Como seria possível, sem estar vazio de tudo?


Você se lembra da sensação de estar completamente isento de alimentos na barriga e aí saborear um brócolis, um tomate maneiro?

É, eu sei bem.

Hoje mesmo foi o primeiro dia da semana em que almocei direito.

Comi dezesseis rolinhos de salmão com arroz em um restaurante japonês.

Caprichado no wasabi.


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sábado, 23 de outubro de 2010

MR. AND MRS. SMITH


Para Adam Smith,

a felicidade é uma cesta de produtos.


Personalidade fascinante, suponho.



- Chá, senhora Smith?



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NÃO VIM AO MUNDO POR SUAS MÃOS


No dia em que me apresentarem um bebê que tenha nascido com a placenta abarrotada de grana, uma criança cujos pêlos pubianos tenham a marca de alguma empresa, um adulto que beba fluido de motor e coma manufaturas, um senhor que viva uma história de amor com as prestações de sua geladeira ou um velhinho que tenha subido em um automóvel para ir mais rápido ou seguro ao além, eu admito que este estilo de vida é o natural.


Até lá, vocês estão todos apenas tentando encaixar a esperteza de poucos em discursos falhos que consigam obter a fé da maioria.

Mesmo que, para isso, tenham que aliciar as mentes das pessoas e chamar a fé de razão.


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sexta-feira, 22 de outubro de 2010

QUANTO CUSTA UM VASO


O único avanço realmente concreto da civilização ocidental, o único que pode ser atribuído aos modelos econômicos e filosóficos que surgiram com a teórica intenção de aprimorar as relações dos homens com o meio, com a vida, com os outros homens, é o saneamento básico.

As terras ficaram para poucos, sob o pretexto de que os novos negócios, as empresas, dariam conta da necessidade de renda que daria conta das necessidades vitais que antes eram supridas pela terra.

Estão aí as favelas e a infeliz da desigualdade social toda, que, segundo alguns, é expressão da desigualdade natural entre os homens.

Sem dúvida, os homens nascem desiguais: uns são mais violentos e gananciosos do que outros.


A liberdade, o direito a não levar chibatadas no lombo, mesmo essa é relativa e depende da boa-vontade do monarca da vez. Depende da ameaça que represente o tal do cidadão.

Liberdade de expressão, essa então tem muito mais a ver com ter o que dizer. E isso, submetidas nossas consciências ao antropofagismo cíclico da mídia, temos cada vez menos.


Saneamento básico. Nisso sim, eu concedo.


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CADA UM COM SEU CADA UM



O poder estará sempre nas mãos de quem quer o poder.

O conhecimento estará sempre nas mãos de quem quer o conhecimento.


E assim sucessivamente.


Você quer meu voto? Você quer poder?

Assim que consegui-lo, vai se tornar mais um.

Se tentar caminho diferente, se abrir mão do poder,
vai perdê-lo para quem quer o poder.


Clareza na hora de decidir onde vamos depositar nossa fé.



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quarta-feira, 20 de outubro de 2010

JOGANDO O ANZOL E ENTREGANDO A VARA


Outro dia, a noite era perfeita.

Festa de arromba em uma casa térrea muito antiga, nos confins de Botafogo, jam sessions sucessivas em um estúdio profissional de ensaio e gravação em um dos cômodos da casa, cerveja, uisque, champanhe, tequila, frios, mulheres, rapazes, amigos velhos e novos, corrida à Lapa para aditivos, volta, mais papo, grandes revelações, euforia, cada vez mais, euforia, euforia, todo mundo aos berros, mas eu, especialmente, discursando como se, a qualquer momento, uma luz fosse acender sobre meu teto e os anjos se pusessem a entoar aquele acorde memorável, e um dos novos amigos se revela sapiente de mais do que eu esperaria em uma noite daquele tipo, eu começo a soltar o verbo apenas sobre o que acho mesmo que posso, embora em ritmo incontinenti, e de repente o novo e o velho amigo arregalam os olhos, entreobservam-se, riem e concordam em silêncio, deixando que apenas o velho amigo resumisse a impressão causada:

- é, ele aponta o peixe, mas não entrega o anzol.


Bem, como chegar ao ponto que descrevo?

A filosofia já tentou de tudo. A religião então, essa até perdeu terreno para as religiões. E o plural, nessa frase, é a alma do negócio.

O fato é que os cínicos, os verdadeiros cínicos, os originais, lá detrás, realmente se aproximaram da grande sacada:

segundo esses, a vida deveria ser simples como é a vida de um cão.

Cortando caminho, crendo aqui ser o desejo das massas que eu entregue realmente o anzol, em vez de dividir minhas tentativas de aprender a pescar,

digo que o anzol é imitar o seu cachorro. Ou o gato, tanto faz.


Quando você fala com seu cachorro ou com seu gato, eles não entendem a imensa maioria das suas palavras - a não ser as que você repete sistematicamente.

Eles lêem sua expressão corporal, eles compreendem o tom da sua voz, eles analisam muito mais objetivamente do que você mesmo o estado em que você se encontra.

Nunca ouviu dizer que os gatos, por exemplo, fazem a ligação entre várias dimensões? Pois é. Eles não se fiam apenas no que você põe na mesa concretamente.


Cortando caminho novamente,

quando estiver diante de alguém, procure, por alguns segundos, desligar-se do conteúdo do que diz a pessoa.


Se ela estiver gritando, ela está sofrendo.
Se ela estiver sorrindo, ela está satisfeita.


Se algo do que você fizer ou disser acabar provocando um estado negativo na pessoa que está diante de você, tente, por alguns segundos, antes de contrargumentar, sentir o que você mesmo provocou.

Tendo sentido isso, perceba que é você, a cada pequena ação, que vai construir o universo que o cercará a partir daquele momento.

Sem mais por ora,
obrigado.



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sábado, 16 de outubro de 2010

ADORARIA TRANSFORMAR A ÁGUA EM VINHO, MAS É IMPOSSÍVEL: PRECISO LAVAR A LOUÇA


I am not Jesus though I have the same initials
I am the man who stays home and does the dishes.
And how was your day?
Is that woman still trying to do your head in?

A man told me to beware of 33.

He said,
"It was not an easy time for me"
but I'll get through
even though I've got no miracles to show you.

I'd like to make this water wine
but it's impossible.
I've got to get these dishes dry.

I'll read a story if it helps you sleep at night.
I've got some matches if you ever need a light.
Oh, I am just a man
but i'm doing what I can to help you.

I'd like to make this water wine
but it's impossible.
I've got to get these dishes dry.

And I'm not worried that I will never touch the stars
cos stars belong up in heaven
and the earth is where we are.
Oh, yeah.

And aren't you happy just to be alive?
Anything's possible.

You've got no cross to bear tonight.
No, not tonight.
No, not tonight.

I am not Jesus though I have the same initials.

Pulp, "Dishes".


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O CHOQUE TOSCO


De um lado, você tem o desenvolvimento.

Desenvolver-se é deixar de envolver-se.

Desenvolver-se é deixar de estar envolvido.

Pelo quê?

Se formos analisar o histórico do ser humano, podemos afirmar sem medo que desenvolver-se, na visão do homem dito racional, é deixar de estar envolvido pelo ambiente natural que o cerca.

É ir além do ambiente. É domá-lo, submetê-lo a seus interesses.


De outro lado, pelo que vemos, temos a religião.

Religião é reconexão. Vem do termo religare.

Mas é reconectar-se com o quê?

Se analisarmos o histórico das religiões humanas, podemos afirmar sem medo que reconectar-se, na visão do homem, é reconectar-se com o todo, com tudo o que o cerca.

Religiões organizadas são outro assunto. A religião, a reconexão, é um fenômeno individual e isso é admitido mesmo por essas instituições religiosas estabelecidas. Tanto o Vaticano quanto Israel compreendem que a união com seu Deus ocorre dentro de cada um.

Da mesma forma, a ciência é individual e subjetiva, embora não seja vista assim. Perceba: um cientista que encontre uma fórmula de algo e chegue a um produto realmente viveu aquela experiência. Já você, quando compra esse produto observando o rótulo que cita a fórmula, está agindo apenas munido de fé.

Pois bem: de um lado, a visão racional, iluminista, defende o descolamento do universo que envolve o homem. De outro lado, a religião vem dizer que há uma realidade mais ampla que deve ser respeitada.

Segundo a religião, assim como ensaiam fazer as Constituições dos países, se algo vai contra a lei mais ampla, fatalmente terá seus efeitos suspensos. Vale tanto para leis ordinárias quanto para a tentativa de ignorar a necessidade de terras ou água potável.

Se não é clara a idéia religiosa - também fruto de algo puramente racional -, criam-se monstros e pecados e issos e aquilos.

Fruto também da tosqueira, evidente. Transforme a compaixão em um personagem, com rosto, nome e ações próprias, e o ser humano entende do que você está falando.

Pois bem: ou o homem compreende que é agente de universos abaixo de si e também objeto de universos acima de si ou vamos ficar eternamente no mesmo lugar.

E o que é pior: vamos ficar a combater moinhos, enquanto o jogo se desenrola à revelia daquela mesma vontade original.

Você rejeita qualquer cristianismo? Pois bem: faça o que quiser, mas não destrua a vida do seu vizinho.

Faz sentido? Ótimo. Agora aplique essa idéia à política, por exemplo: faz sentido alguma ação que destrua a vida das pessoas apenas para talvez dar à luz algum projeto que talvez possa, indiretamente, beneficiar apenas parte daquelas pessoas?

Não, em nosso dia a dia, não estamos discutindo realmente sobre o que pensamos discutir. Chamamos as coisas pelos nomes errados.

Outro dia assisti a um filme chamado "O Guia do Mochileiro das Galáxias". Uma piada do filme era a de que a resposta final para tudo, para a vida, para a existência e tudo o mais era "42".

Como assim? Ora, segundo o filme, falta agora chegarmos à pergunta certa.

Não se trata aqui de pessimismo. Trata-se de observar que o homem nega por todas as vias possíveis qualquer ambiente mais amplo do que seja capaz de inserir em suas pequenas fôrmas mentais - e assim dominar, concentrar poder em suas mãos.

Para o homem de hoje, "científico", "especializado", todos os caminhos levam para baixo.

Um especialista é um homem debruçado sobre uma pequena parcela de tudo aquilo o que resolveu ignorar.


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A ERA DO DESILUMINISMO


O problema não é o bolo. O problema é a fôrma do bolo.

A humanidade pega um bolo que está pronto e tenta encaixá-lo em uma fôrma definida arbitrariamente.

Valeu a tentativa, podemos chamá-la de tentativa da razão, mas...

sobra bolo.

Aí o que sobra de bolo é tratado como se fosse um problema, quando, na verdade, o problema é a ineficiência da fôrma.


Vêm daí nossos problemas com o que chamamos de relacionamentos. Qual a contradição entre amar alguém e amar uma terceira pessoa? Como é possível que, para manifestar e comprovar meu amor por você, eu precise deixar de amar e passar a mesmo declarar meu desamor por aquelas ou aqueles que amei anteriormente?

O problema é a fôrma.


Vêm daí também, dessa ineficiência da fôrma, nossos problemas sociais todinhos. Viaje de avião pelo planeta e veja com seus próprios olhos que não faltam espaço, recursos e condições naturais para toda a espécie humana. Imensos oceanos verdes vazios, pontilhados por centros urbanos que, vistos de cima, mais parecem veias vermelhas e brancas oscilando entre pequenas estrelas amarelas, azuis e brancas.

Bonito, mas nitidamente desequilibrado. Pequenas fôrminhas enfiadas dentro de um mesmo imenso bolo gigante, eis as grandes cidades cravadas na superfície da crosta terrestre.

Sobra bolo.

O problema é que nosso atual modo de produção concentra o ser humano em núcleos abarrotados e insalubres.

Além, é claro, de crer-se no direito de expandir-se para todos os centímetros do planeta. Só há alternativa enquanto o modelo avança sobre outros territórios. Tudo é questão de tempo até que tudo faça parte do mercado, da indústria.

Tudo.

Tiram-se as terras de milhões, fruto de algum Testamento de Adão, que deu a posse do planeta a esses ou aqueles, e usa-se o discurso de que grandes mega empresas serão capazes de gerar "empregos" para boa parte daqueles que, antes, poderiam tranqüilamente viver por si próprios.

Pior ainda, aqueles que vêm e tomam conta de tudo usam ainda o discurso de que não há necessidade de uma entidade acima deles, como o Estado, para regular atividades que o ser humano é capaz de empreender por si só.

Onde afinal, sendo honestos, se encaixam essas pessoas? Sendo racionais e nem por um momento canalhas, qual a função sincera desses que vêm e tomam para si tudo o que há?

O problema é a fôrma.

E enquanto sobrar bolo, a sobra será vista como um empecilho. Um empecilho humano, por exemplo. Gente demais no planeta.

E chamam isso de iluminismo. A fôrma acima do homem.

Leonardo da Vinci não sobreviveria ao mundo que criamos.

O problema é a fôrma.

Quando se operou a Revolução Francesa, que, junto com a Industrial, inaugurou nosso atual estilo de vida, os teóricos iluministas já estavam todos mortos.

Foram citados, aplicados e pervertidos ao belprazer daqueles homens que chegaram aos postos mais relevantes naquele momento. Ainda que estivessem vivos Rousseau - o mais radical -, Voltaire e Montesquieu, no entanto, estaríamos ainda presos a uma das várias possíveis maneiras de se encarar a razão, a racionalidade, isso que se alega indispensável ao avanço do homem.

Um renascentista, por exemplo, que fosse ao mesmo tempo matemático e poeta, físico e compositor, inventor da bicicleta e da Mona Lisa, seria capaz de suicidar-se em um emprego formal ou em um transporte coletivo de massa que atendesse ao lucro desse ou daquele monarca. Qual a função de um renascentista, afinal? A de um pedreiro é bem clara.

Da Vinci não sobreviveria a um mundo regido pela fôrma da razão aliada ao progresso científico, identificados necessariamente como um avanço, como o único caminho a ser seguido. Máquina acima do homem. Homem acima do homem. Espaço acima do homem. Recursos acima do homem.

Vivemos uma caricatura do iluminismo.

Vivemos o desiluminismo. Que mesmo que tome o sentido inverso, será ainda uma fôrma insuficiente.

Podemos seguir por séculos citando exemplos do mesmo fenômeno.

O problema é a fôrma.


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quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A REDE SOCIAL UNIVERSAL


Redes sociais.

Preguiça de teorizar. Esses conceitos novos são todos apenas reproduções digitais de conceitos que já tínhamos. Tudo bem, você precisa de alguém que saiba html para fazer algumas coisas. Mas esse malandrinho de nada servirá se não souber o básico das regras gramaticais.

Redes são redes. Percebo que o ser humano tem uma certa travação para ir além das ideias mais estupidamente difundidas, mas convenhamos que redes são redes. Pessoas com interesses em comum acabam se unindo, assim como elétrons se unem a outros com características semelhantes.

Na verdade, o termo universo é muito bom.

Por mais que possamos falar em um multiverso, a ideia de universo serve para mostrar que podemos falar sobre as mesmas coisas sempre, mas partindo de uma escala macro ou microscópica. Já que tudo que existe está contido nesse universo, que tem suas próprias regras e princípios.

A ideia de um universo é fascinante, embora seja pessimamente explorada e compreendida.

Um exemplo simples: se existe um universo, se o universo é uma entidade isolável, uma entidade em si, então ele pode ser visto de fora.

Se o universo pode ser visto de fora, assim ocorre com todos os eventos nele contidos.

O tempo, por exemplo. O que é o tempo?

Simples: o tempo é apenas uma distância grande demais para ser percebida a olho nu.

Como assim?

Ora, se o universo é uma entidade isolável, e se é fruto de explosão ou da eclosão de algo no espaço, ele tem ponto de partida e ponto de chegada. Logo, qualquer corpo, qualquer pedaço de matéria que esteja viajando pelo universo, tem uma direção e um sentido definidos.

Logo, o futuro é apenas um ponto à frente; o passado é apenas um ponto atrás.

É claro, de onde você está, você não vê o futuro. Mas se você pudesse lançar-se para fora do universo, veria seus companheiros partindo do ponto A e seguindo em direção ao ponto B.

Eureka.

Prever o futuro então é impossível? Pior que não. Em tese, não é impossível não.

Veja: se o tempo é, na verdade, espaço, o futuro é um ponto à frente. E o passado é um ponto atrás. Ora, mas se você conhece a trajetória de um corpo, de um pedaço de matéria, e se conhece todas as variáveis que podem influenciar naquele deslocamento, fatalmente você é capaz de "prever" qual será o próximo ponto a que chegará aquele objeto.

O difícil, é claro, é conhecer todas as variáveis. Ainda assim, quanto mais variáveis você domina, mais precisas serão suas previsões.

Sobre prever o comportamento humano, aí a questão se complica: existe o famoso livre-arbítrio.

O livre-arbítrio nada mais é do que a faculdade humana de optar entre diversos desenlaces possíveis para cada situação que se lhe apresenta.

Mas só os possíveis.

Prever o resultado do livre-arbítrio é virtualmente impossível, embora seja possível, através das armas da cultura e do discurso hegemônico, imaginar que tipo de desenlace pode ser preferido a cada situação.

Somos capazes de imaginar, por exemplo, que um militante Taliban, afegão, treinado originalmente pelos Estados Unidos da América para resistir ao avanço soviético, reaja a uma ameaça bélica de maneira diferente do que faria um adepto das ideias de Mohandas K. Gandhi, o 'mahatma'.

Logo, torna-se mais do que evidente: se o futuro não pode ser previsto, sem dúvida ele pode ser construído, provocado, atiçado. Assistimos a isso o tempo inteiro, embora vivamos, a maioria de nós, reféns de um presente que foi construído por terceiros.

Já sobre o passado, há dois deles: um real e outro ficcional.

Um deles é o passado físico, real. Esse é o já citado ponto A, de onde o corpo partiu em um momento anterior. Esse passado realmente existiu.

O segundo passado, ficcional, é o passado mental.

Esse passado é a versão que você leva na mente e no corpo de tudo o que de fato ocorreu. Esse passado é ficcional porque refere-se na verdade a uma impressão que lhe ficou. Algo ocorreu e ficou impresso em você. Essa impressão gera uma ficção, na medida em que ninguém é realmente capaz de apreender tudo o que ocorre à sua volta em um determinado momento. Quando você remonta um passado, você está acessando uma ficção. Pode ser baseada em fatos reais, mas, ainda assim, será uma ficção.

Para que a ideia fique ainda mais clara, perceba que você submete os eventos que ocorrem à sua volta ao filtro da emoção, dos sentimentos. Logo, quando você retorna àquela imagem, àquele evento, sua nova leitura será necessariamente influenciada por esses elementos. Por essa "subjetividade", como preferem os acadêmicos.

Sendo assim, quando você se remete a seu passado, você não o revive. Você literalmente acessa certos fragmentos de memória, emoções e sentimentos que lhe auxiliam a remontar parcialmente aquele momento vivido. Essa memória, esses sentimentos, esse "estar se sentindo daquele jeito de novo" são justamente a impressão.

Uso a palavra impressão com toda a carga de significado que já lhe conferimos. Refiro-me a um processo em que um corpo viaja pelo espaço e vai recebendo carimbos de tudo o que encontra pela frente. De momentos em momentos, esse corpo, aparentemente dotado de alguma auto-consciência - ele sabe que está viajando pelo espaço - decide acessar seus carimbos e conferir o que eles lhe dizem.

Dá para ficar mais claro?
Posso tentar de outras maneiras.


Redes sociais. Ando tentando encontrar alguma utilidade real para esses ambientes. O twitter, confesso, é um exercício de frustração. Textos com tamanho limitado a 140 caracteres são uma prisão. Tanto pior quando a ordem de apresentação dos fragmentos é invertida. Acesse os 'tweets' de alguém e comece a ler a mensagem pelo final.

Já o Orkut, esse ainda mantém alguns ambientes interessantes de troca.

Foi a um desses locais, uma comunidade sobre quasares, que me dirigi outro dia.


Carlos Gustavo
um pequeno modelo do universo

amigos,

quero expor aqui uma 'teoria' e deixo que comentem. sei que não adianta que eu peça compreensão, paciência, isso ou aquilo, pois sei que lido com amigos que ainda não conheço.

prefiro confiar na troca de idéias.

vamos à idéia:

simplifcando o universo em 3-D,

imaginem um disco de vinil. de música mesmo.

imaginem que, no centro do disco, onde há aquele furinho, há o tal do big bang.

imaginem que a cada faixa do vinil, do centro para a periferia, a densidade do meio vai ficando cada vez mais escassa.

no que seria a faixa 1 do vinil, a mais externa, a massa dos corpos seria mínima e a propagação da luz seria máxima.

no que seria a última faixa daquele lado do vinil, a mais central, a concentração de matéria seria quase total e a luz seria difundida muito lentamente.

sim, estou me referindo à fórmula "e= m.c2".

imaginem que, pela mesma fórmula, "m = e/c2".

a massa dos corpos é a energia (do big bang) sendo filtrada pela resistência do meio (vácuo etc.).

imaginem que "c" varia de acordo com a densidade do meio onde a luz é propagada (sabemos que a luz é onda, mas é também partícula. um meio que ofereça mais 'obstáculos' vai influir na velocidade da luz).

por esse modelo, portanto, UM QUASAR seria a energia do big bang sendo sugada de um meio mais denso (através de um buraco negro) e jorrando "do outro lado", em um meio mais rarefeito.

indo além, o big bang estaria exatamente no ponto de onde despontam os quasares. a posição física do big bang se encontra traçando uma reta na direção inversa ao jorro de energia do quasar.

humildemente, aguardo comentários.

obrigado, abraço a todos.


Renato

é um bom modelo simplificado do universo, mas como você deve saber o conceito mais aceito hoje em dia é de que o universo sofre o efeito oposto...ou seja começará a se contrair até voltar ao estado inicial, então o estado menos denso seria provavelmente o nosso...que permite a criação da vida...em alguns poucos bilhões de anos o universo vai provavelmente se tornar novamente denso e quente...mas isso você ja deve saber tbm. =P
...só achei que poderia acrescentar ao seu modelo.


Carlos Gustavo
mais comentários, agradeço.


amigo,
obrigado pelo comentário!

bem, já mostrei esse 'modelo' aqui, além de tê-lo mostrado a uma física nuclear e a um quase-monge hinduísta (um iniciado).

pude mostrá-lo a essas duas pessoas ao mesmo tempo. assim como você, elas também acharam tudo bastante plausível. assim como você, me disseram que boa parte do modelo já é até aceito comumente.

muito bem: agora que o modelo não foi 'ridicularizado', posso comentar que cheguei a ele MEDITANDO.

sim, isso mesmo. eu concluí esse modelo. ele me veio aos poucos, conjugando conhecimentos de vááááários tipos.

agora um outro comentário: parece-me quase impossível supor que o meio de menor densidade de matéria (e maior concentração de energia) seja o nosso. falar sobre isso abriria todo um novo tópico, mas deixo registrado que, para mim, isso não faz sentido. mesmo falando de nosso ambiente, a consciência já é mais leve do que a matéria 'física'. as energias somadas por um grupo de pessoas ("egrégoras") também são mais 'leves' do que a matéria.

acho que presumir ser o nosso ambiente o menos denso é crer inclusive - filosoficamente - que não temos níveis mais sutis para onde migrar.

crer que toda a criação ruma em direção a uma condensação total me parece crer que a vida tende a virar cristal, morte, não vida. parece-me que é crer que a consciência se apaga, que as várias consciências múltiplas tendem a se concentrar em uma só, anulando a diversidade....

no mínimo para efeitos filosóficos, essa crença me parece uma catástrofe. é uma espécie de anti Darwinismo.

em termos mais místicos, essa crença me lembra bastante um discurso atual: esferas angelicais (vistas como MORAIS) são pura ilusão, mas o mundo do além, uma reprodução fiel das mazelas dessa dimensão aqui, é algo a que todos podemos almejar.

não vejo como supor qualquer modelo macroscópico que ignore as realidades microscópicas. há mundos abaixo de nós e acima de nós. sempre, o tempo inteiro. tudo é uma escadinha, mesmo quando comparamos Fulano e Ciclano.

obrigado novamente.


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sábado, 2 de outubro de 2010

O POVOADO DA MISSÃO DE TRÊS DE OUTUBRO





No meio da mata amazônica, você sabe que tem cidade por perto quando enxerga os urubus.

Eu vi.
Vi de cima da canoa.




À beira da Guanabara, você chega ao centro do povoado por baixo da terra, sem circulação artificial de ar, espremido entre o máximo de pessoas que os donos do campo de trabalhos forçados conseguirem enfiar para dentro do vagão.


Eu vivi.
Vivi debaixo do braço de um companheiro, com a coluna forçada, sem apoio, tentando compensar o jogo brusco do vagão.


Não há mais o que ser denunciado. Se a natureza humana se abre tanto para cima quanto para baixo, parece já ter sido cooptada por algo forte o suficiente para fazê-la rir-se de si mesma.


Assossegue-se: não há mais alarme a soar.

Nada vai mudar. E você não vai perceber que nada mudou, já que não sabe do que estou falando.

Eu vi.
De cima, de fora, de dentro, de perto...

Vi de longe.
Pude ver de longe.

Vi, senti e chorei.
Soei como mais um maluco.

Foi aí que refiz minhas malas.


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quarta-feira, 22 de setembro de 2010

domingo, 19 de setembro de 2010

POLÍTICA?


Você vota para presidente de banco?

Você vota para diretor de telejornal?


Não adentremos qualquer metafísica. Somos corpo e mente.

Somos corpo e mente.


No mundo em que vivemos, o corpo é alimentado com dinheiro.

Somos ainda seres dependentes do sol, da água, de tudo o que sempre dependemos, mas hoje tudo se compra com essas fichinhas, o chamado dinheiro.

Seja ele um pedaço de papel ou um número de créditos em uma conta.

Hoje é tudo indireto, cheio de intermediários. Quer ir à praia? Contrate uma agência de viagens, isso, aquilo, aquilo outro, pague a passagem, o hotel, alugue a cadeira e sente-se de frente para o mar.

Não vá à praia da sua cidade. Não more na praia. Isso: não more na praia.


No mundo em que vivemos, essas fichinhas estão nas mãos do presidente do banco, cuja escolha ou direcionamento não depende de você.

Sem essas fichinhas, você não joga no mundo da matéria.


No mundo em que vivemos, a mente é alimentada pelos meios de comunicação.


Além da escola, que, sabemos, é cada vez mais precária e destinada a formar técnicos, é através da famosa mídia (do latim 'media' = meios, acrescido do sotaque anglo-americano, que transforma o 'e' em 'i') que se forma nosso discurso.

Se hoje você conversa comigo sobre o presidente da República, sobre o furo na meia dele, e não sobre a girafa que faleceu em Botswana, é porque você assistiu ao assunto no telejornal.


Essa escolha, essa eleição de quais assuntos ocuparão a sua mente e quais assuntos passarão despercebidos, não passa pelo seu voto.


Até ontem, havia ainda o paliativo de que eram profissionais em jornalismo que cuidavam disso. Era como os ainda citados "especialistas", que servem para embasar qualquer discurso conveniente. Até ontem, eram "especialistas" que cuidavam das notícias. Agora isso caiu também. De qualquer forma, era apenas uma ilusão.

Hoje, no mundo em que vivemos, o presidente da empresa escolhe o presidente do telejornal. Esse seleciona segundo os critérios que quiser, afinal, tratamos aqui de uma empresa "livre", que pode usar termos como "qualidade", "imparcialidade" e outros com o mesmo vazio de sentido que qualquer outra usaria.

Essa eleição, essa seleção de assuntos, de enfoques, de opiniões de "especialistas" escolhidos a dedo por suas próprias opiniões convenientes, não depende de você.


Nesse sentido, sim, sua única margem de manobra é, na prática, o controle remoto, é claro. Pense, no entanto, que vivemos uma realidade onde cada vez menos gente controla esses meios de comunicação. Sendo bem pragmático, no Brasil, existe uma empresa de comunicação que concentra, sozinha, cerca de 80% da publicidade nacional.

Oitenta porcento.

O resto é concorrência.


No âmbito internacional, a situação não difere tanto, guardadas as devidas proporções: duas ou três agências de notícias difundem pelo planeta sua visão bastante particular da realidade. Quando a notícia é veiculada, já em um nível mais local, como o brasileiro, há empresas dessas que têm contratos de exclusividade de conteúdo. Sim, se você reproduz uma matéria vinda de uma dessas agências, nesse caso, você não pode alterar uma vírgula. Você, "especialista", pode apenas traduzir o que veio pronto.

O resto é concorrência.


Muito bem: no mundo em que vivemos, o que é arte ou ficção fica compartimentado no setor do entretenimento.

No mundo em que vivemos, o que é fato, notícia, fica compartimentado no setor do jornalismo.


Ligue a sua TV no horário do seu telejornal favorito.

Quem é o patrocinador?

É um banco.


Partidos políticos são órgãos transplantados ao seio da sociedade. Certos órgãos são aceitos, outros são rejeitados sistematicamente. Quem dita a fisiologia desse organismo são justamente a cabeça e o coração.

Ou a cabeça e o bolso, como os próprios teóricos da modernidade dizem sem o menor pudor.

Política? Passo (mal).



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sábado, 18 de setembro de 2010

UMA QUESTÃO PARA SARKAR


Namaskar, baba.

Inclino-me diante de mim mesmo, projetando a consciência para onde não é dentro ou fora, esvaziando a mente de qualquer resíduo e submetendo o espírito e o olhar a tudo o que maya não seja capaz de nublar, entregando o ego e qualquer anseio por recompensa pessoal, vontade de potência ou coisa que o valha.

Mahaguru,

íntima, sossegada e pacientemente, eu pergunto:

um sadvipra é um bodhisattva com espírito de luta no campo social.

Mas é luta?

É isso mesmo?


Existe algum caminho para a elevação coletiva que não pretenda sacar de seu assento qualquer figura que já tenha ali chegado, tendo-o feito por seus próprios méritos?

Existe um caminho para se ajudar a desenvolver o que há de vipra em cada comerciante, guerreiro, intelectual, trabalhador?

Sim, próprios méritos. Méritos legítimos quando levadas em conta as regras do jogo atual.

Eximo-me de adentrar os meandros das responsabilidades e das paixões humanas. Eximo-me de diferenciar mérito e demérito. Faço isso por conhecer na pele o resultado da aproximação em espírito: é o sofrimento dos mundos inferiores, seja o físico, o material, ou mesmo o psicológico.

Sendo assim, distanciado em espírito e em posição social de qualquer mecanismo formal de poder, pretendendo no máximo uma formal e segura posição lateral de aceitação e consulta,

inclino-me em meditação e pergunto:

espírito de luta?


Aguardo a claridade.

Namastê.

Oceanos de flores.

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quinta-feira, 16 de setembro de 2010

O PRÓXIMO FUTURO DISTÓPICO


Brasil, ano de 2012,

a presidente da República Dilma Rousseff, influenciada por um impulso do ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu,

que, bastante interessado na seara internacional dos companheiros Samuel Pinheiro Guimarães, Marco Aurélio Garcia e Celso Amorim,

morde a isca colocada pela ONU, que, em 2010, declarara, por meio de seu recém-empossado secretariado, que "o desafio do novo governo" seria encontrar e julgar os militares do golpe de 1964,

algo pelo que a presidente e o ministro-chefe ansiavam há décadas, como se anseia por algum tabu muito arraigado em nós pela censura externa, que insiste em negar o que nossa parcela animal sofreu na pele,

se coloca acidentalmente acima da decisão do STF, que aprovara a famosa auto-anistia apresentada outrora pelo recém auto-demitido ministro da Defesa Nelson Jobim, que,

com sua saída, evidentemente, provocou um motim no meio do generalato indicado por ele mesmo, atendendo às novas regras da Defesa nacional, que subordina ao ministro, e não ao presidente, a escolha desses generais,

originando, assim, uma legítima, embora nada inédita,

crise na Defesa,

dando origem à manchete-bomba, publicada em coro pelas redações e sucursais de todo o planeta:

"Dilma vai contra STF e persegue autoridades militares".


Nesse dia, o acordo de cooperação militar Brasil-Inglaterra é automaticamente acionado pelo novo presidente Michel Temer, que, contando com o apoio maciço dos cara-tingida, investe bilhões de reais nos laboratórios farmacêuticos ligados ao ministro José Serra, a fim de ao menos sanar um tanto da ansiedade e do terror que haverão difundido por dentre as almofadas das poltronas compradas a prestação pela população cheia de crédito nos bolsos - digo: nas contas bancárias.


E aí,

tudo permanecerá igual.



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quarta-feira, 15 de setembro de 2010

A PALAVRA






Em terra de cegos, quem tem um olho é mudo.











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domingo, 12 de setembro de 2010

A CONDIÇÃO HUMANA





Tenho um par de asas.
Tenho um par de muletas.




"That's what's got ya down"






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sábado, 11 de setembro de 2010

A REDENÇÃO






Tudo já foi dito.
Agora só falta sentir.










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sexta-feira, 10 de setembro de 2010

A KABALA DO BEBOP


Kabala prática para o praticante pop.

Lição 1: como subir pelo caminho que você já está trilhando, embora esteja apenas andando em círculos.


Parte 1.

Parte 2.


Shalom Aleichem. God save planet Earth; may God save us too.

Baruch atah, Adonai, eloheinu melech haolam, asher kidshanu bemitzvotav vetzivahnu lehadlink ner shel shabat.

May the Rosh Hashanah (and the Yom Kipur) bring warmth to our hearts and light to our minds.

We are all brothers (of Bird, Bean, Diz, Prez...).

Tikun Olam.


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A VERDADE


A verdade de hoje é a camiseta de daqui a uns séculos.


O anunciador da verdade de hoje é o mendigo maluco de amanhã.

Depois de amanhã, é o hype do fabricante da camiseta.


..."apagaram tudo... pintaram tudo de cinza..." - Marisa Monte


( ) Che
( ) Gentileza
( ) Jesus de Nazaré
( ) Raul
( ) Gandhi
( ) Tiradentes
( ) TRA e mais.


Se o mito pudesse voltar, provavelmente daria um susto grande naqueles que mais difundem sua mensagem. Dependendo da mensagem que tenha deixado, é possível até que quisesse uma certa prestação de contas.

Quem já viu o diabo, quem já pôde apertar a mão e optou pelo abraço, sabe qual é a versão que vinga around planet Earth.

Aliás, se chamassem o planeta de Terra, nome que inspira bem menos mongolice, bem menos sorvete na testa, talvez conseguissem se situar um pouco melhor, não é?

Earth. Duh.


"E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará" - autoria desnecessária.

A liberdade não é "um jeans e uma camiseta".



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quarta-feira, 8 de setembro de 2010

HAPPINESS IS A BUBBLE GUM


Folha de São Paulo: "Felicidade custa R$ 11 mil por mês, aponta estudo".

Com o limite de crédito do seu banco, você pode ser feliz agora.


Existe uma pauta econômica que você provavelmente jamais vai ver em um grande jornal:

quando você vai ao supermercado ou à padaria,

quanto tempo leva para pagar as compras com dinheiro vivo?

E quanto tempo leva para pagar as compras com cartão de banco?


Se você nunca calculou (acho difícil), fique atento às pessoas na frente, na fila.


Será que, para efeitos de respeito ao cidadão - ou ao consumidor, perdão -, não faria sentido criarem filas preferenciais ou exclusivas para quem paga com cartão?

Até porque, teoricamente, dentro da noção de Estado Nacional, a moeda corrente, oficial, central, poderia ter alguma preferência sobre as moedas das empresas, não?

Ah, não fariam isso. Porque essas filas fatalmente, já no primeiro dia de funcionamento, revelar-se-iam muito mais demoradas do que as filas do dinheiro vivo.

A cada vez que uma madame ou um pobre desejoso de se 'inserir' em sei lá o quê começasse a gerar papeizinhos e mais papeizinhos, digitaçõezinhas e mais digitaçõezinhas, senhas certas e erradas, os demais associados bufariam, estalariam as línguas e catariam nos bolsos uma nota ou duas, um punhado de moedas, ansiosos por trocarem de fila de uma vez e irem embora daquele lugar.

Digo: daquela loja, daquele estabelecimento filosófico-iniciático-comercial onde os funcionários 'vestem a camisa' e sentem-se como se estivessem em casa, embora recebam apenas o suficiente para estarem ali no dia seguinte e manterem-se assim até o fim da vida, exatamente como no período imediatamente posterior à escravidão oficial, quando os servos moravam, consumiam e se endividavam nas mesmas fazendas onde antes eram oficialmente cativos.

Talvez, se, um dia, o Banco Central de algum país moderno começar a patrocinar esses telejornais, em vez de serem os Mecenas esses mesmos bancos, algo de realmente sincero seja cogitado a esse respeito.

A tendência, no entanto, é o contrário.

Por que, afinal, se usam os cartões? O argumento da segurança é o mais eficiente e pode ser aplicado a tudo. Já sabemos que, hoje, a segurança (e a insegurança) é a fé mais eficiente que se pode implantar num bicho perdido diante da vida como somos, homens mais ou menos comuns.

Medo, podemos sentir de tudo. Assalto é apenas um deles. Há ainda o medo do terror.

Sim, caro amigo do ano 2155: no início do século XXI, tínhamos "medo do terror". Toda noite, ligávamos a televisão e sabíamos do terror que nos havia espreitado ao longo de todo o dia, mesmo que não tivéssemos notado qualquer coisa de anormal ou ameaçadora a nosso redor.

Mas usam-se cartões como se usam marcas de roupas ou se pagam por esse ou aquele restaurante, onde a comida não é necessariamente melhor, mas onde se aplicam filtros sociais, estéticos e afins.

Você paga um mísero refrigerante no cartão porque acredita que é mais cômodo. Digo: você participa de algo, assim como gosta de estar a par do último lançamento do cinema, ainda que saiba, pelo tema, que o filme não lhe diz qualquer respeito. Você quer estar inserido.

Hoje, até a dita velha esquerda chega a cadeiras presidenciais e vai à televisão estimular o pobre a consumir. A idéia é que todos façam parte. De quê?

Você usa seu cartão para acompanhar o passo das coisas. Usa porque acredita que a sociedade, como um todo, dotada da mesma inteligência e desse mesmo 'bom-senso' que dizem que você tem, já que é cliente dessa empresa e não daquela, avança rumo à... felicidade.


Jornal Folha de São Paulo: "Felicidade custa R$ 11 mil por mês, aponta estudo".

Bem, com o limite de crédito do seu banco, você pode ser feliz AGORA.


Jornal Folha de São Paulo: "Crédito ao consumidor dos EUA recua US$ 3,6 bilhões em julho; Obama anuncia novos estímulos à economia".

E assim, de esperança em esperança, de nova moda em nova moda, de novo nome em novo nome, de nova marca em nova marca,

o ser humano avança na busca pela felicidade.


Apocalypse: vrs.port.séc.xxi: o dia em que o sistema sair do ar.

"Happiness is a warm gun" - The Beatles.


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