sábado, 28 de novembro de 2009

TESÃO NO MEIO DO MATO

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Cheguei em Sampa no início deste ano, o de 2009. Cheguei em janeiro e saí à cata de apartamento e emprego.

Consegui o apê no prédio que queria, na avenida que havia escolhido.

Consegui o emprego que sonhara, lidando apenas com arte. Não com música, mas com literatura. Escrever é um esforço, sim, não é puro transe místico, mas preciso confessar que, quando deixei Brasília, não permiti que minha imaginação fabricasse um futuro ainda mais ousado. Então estou vivendo de escrever.

Enquanto cuido de minhas músicas e enquanto estudo assuntos outros, estou vivendo de escrever.

Tenho escrito romances. Daqueles que vendem em bancas de jornal. Na verdade, eu ando traduzindo esses livros. Traduzindo e editando. Se bem que não é exatamente tradução. Se fosse, sem pobrema. Mas agora mesmo, estou me preparando para mais uma enfiada de texto. E estou com o coração na mão.

Explico: eu recebo pelo que produzo. Na teoria, não tenho prazos ou horários. Escrevo o quanto quero e entrego na hora que escolho. O problema é que a coisa acaba não funcionando assim. Meu limite, como os mais espertos já devem ter flagrado, é o limite da conta bancária. É a quantidade de grana que tenho no banco que está definindo o quanto eu devo produzir.

Certo. Nessa busca pelo ponto perfeito, pelo ritmo e pela batida perfeita, acabei descobrindo que sou bastante rápido. Enquanto meus colegas de editora levam meses para traduzir um livro, eu faço o mesmo sem problemas em dez dias.

Hum, mas então qual o pobrema? O pobrema - ou poblema - é que quanto mais fiel eu consigo ser ao texto original, menos gostam minhas chefes. Cheguei a um ponto em que consigo traduzir como se apenas copiasse. O tempo que levo por página é o mesmo tempo que levaria para apenas passar algo a limpo.

Só que aí o texto fica com a mesma cara do texto dos autores americanos, ingleses, irlandeses, australianos etc.

E qual minha surpresa ao descobrir que o texto original não serve? Qual minha surpresa ao descobrir que os saltos interpretativos são o mais apreciado na história? Qual minha surpresa ao descobrir que, quanto mais eu viajo no texto, melhor a coisa vai ficando?

É, com viagem é mais caro.

Até cerca de duas semanas atrás, eu estava bem na fita. Minhas chefes rasgavam-se em elogios e eu sentia como se tudo estivesse resolvido pelos próximos anos, até que eu pudesse dar meus novos saltos. Agora, no entanto, depois de dois livros traduzidos quase ao pé da letra, escrevo mais um com o coração na mão.

Existe coisa mais difícil do que trabalhar contra o que diz um chefe? Tudo bem quando ele diz: "gostei muito. Faça de novo". Mas e quando ele diz algo como "seu texto está dando um trabalho danado para o copidesque"?

Como você faz? Nasce de novo? Tenta inventar do zero?

E se aquilo for apenas um aviso sobre como ela se sente, algo que pode ser transformado em "olha, querido, andei pensando e acho melhor...".

Argh, nem consigo terminar a frase.

A solução que encontrei até aqui foi escrever mais devagar e reler cada parágrafo depois de escrevê-lo.

Já descobri que minhas chefes não estão mesmo preocupadas com prazo. Então toda vez que eu correr para entregar um livro logo vou ouvir que o texto não ficou bom.

Bem, é um dilema. Se o trabalho feito da maneira original já era função de chinês, agora talvez seja algo cambodjano ou vietnamita.

Os livros que escrevo falam de sexo. De amor. De desejo. Você conhece esses livros.

Estou cansado. Estressado, cansado e pobre. Andei com um certo pobrema nas costas, por passar tempo demais escrevendo, e meu trabalho está todo atrasado. Digo: tomando como referência minha conta bancária.

A vida é engraçada. Algo que ontem parecia sua salvação hoje já te faz pensar em como a vida é dura. Sonhei com um emprego assim e agora sonho em poder descansar.

Talvez dê tudo certo. Dentro de uns dez dias de pura e insana ralação, posso estar mais tranqüilo. Ao mesmo tempo, como escrevo aqui correndo, com o coração na mão, um tanto cego pelo comentário de minha chefe, parece que este livro é o primeiro. Parece que acabei de chegar em Sampa e parece que tudo mais uma vez está incerto.

Não gosto dessa incerteza. Ainda não consegui arranjar uma maneira de simplesmente surfar sobre os compromissos mundanos, a fim de realmente viver pelas brechas. Estou tentando aumentar essas brechas, mas confesso que o impedimento tem sido o dinheiro.

Bem, tesão e dinheiro. Muita gente acha que os dois caminham juntos. Confesso que pensar em grana me broxa. E pensar em sexo me faz perder os prazos.

Acho que o escritor que escreve sobre sexo é parecido com a prostituta, que transforma em obrigação o que antes era prazer. Tenho medo de algum dia interromper uma trepada para consertar a concordância da moça. Tenho medo de receber uma cantada igual às dos livros e ter uma síncope; começar a gritar que hoje é sábado e eu não deveria estar trabalhando.

Mas talvez dê tudo certo. Estou exausto, mas talvez dê tudo certo.

E em janeiro, parece confirmado, vou dar um tempo disso tudo.

Passarei o mês na Amazônia.

Vou visitar um tio-avô que é médico dos índios, vou levar uma viola para fazer um som com ele, tio Manoel, devo levar um gravador para o meio do mato, devo passar um tempo entre os índios, conhecer os igarapés, descer e subir o Solimões, conhecer Manaus, aceitar qualquer tipo de chá que me ofereçam e rezar para que, no meio do mato, meu tesão... recrudesça.

Recrudescimento. Palavrinha de profissional. Preciso voltar ao beabá urgente.

Talvez, no meio do mato...




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quinta-feira, 26 de novembro de 2009

EGRÉGORAS: SOBREVIVA

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Hoje resolvi falar de opostos.

O tema não surgiu do nada. Estamos, no mundo, vivendo um momento em que os diversos grupos humanos conseguiram levar adiante suas variadas formas de organização social, política e econômica, e, como imensas comitivas de apresentação, encontram-se no meio do caminho e dão origem ao que se escolheu chamar globalização.

Hoje, não há virtualmente um só ponto na Terra que não esteja ocupado ou pelo menos registrado pelas entidades centrais de controle. Boa parte da Amazônia continua vazia, assim como desertos, ilhas e acidentes geográficos diversos, mas não há coordenada que mantenha-se oculta ou livre do controle de algum país, empresa ou entidade.

Há cerca de alguns dias, líderes mundiais encontraram-se para debater sobre o clima do planeta. O encontro pode ser visto como o coroamento de uma contradição que vai ao fundo do ser humano:

o mesmo ser humano que gosta de crer-se em processo de evolução, que usa o avanço tecnológico para embasar a idéia, e que usa a idéia da superioridade cultural para empreender seus movimentos econômicos tem o cacoete de rejeitar propostas e soluções ousadas para problemas gerais alegando sermos todos animais, incapazes de levar a cabo qualquer intento que pareça idealista.

O discurso do controle se baseia na superioridade. A resposta à razão, por outro lado, se dá pela alegação da irracionalidade. Se isso não parte de uma mentira evidente, pode-se dizer no mínimo que baseia-se sobre a ignorância e a desatenção dos demais.

Vejam: as mesmas figuras que ocupam nosso imaginário há anos, décadas e séculos com o discurso da ciência, da razão e da ordem desistem desse discurso quando suas vantagens materiais mais imediatas parecem ser ameaçadas por alguma tentativa de nivelamento entre os homens. São pessoas que organizaram-se, que lutaram com toda a sua esperteza para assumir o controle das vidas de todos, mas que, diante de um empurrãozinho para a frente, dão o golpe do João-sem-braço e alegam que é tudo uma selva e que cada um deve agir por si mesmo.

Qualquer um que tenha o mínimo de interesse por política e pelos rumos do planeta já deve ter percebido que homem nenhum, sozinho, munido apenas de boas idéias, consegue implementar o que quer que seja. Aqueles que estudam política mais a fundo já devem ter percebido também que esse assunto é gerido por pessoas. Não há influências sobrenaturais, não há um destino que jogue os líderes em caminhos muito diferentes do que imaginaram ou algo assim.

Quem estuda a fundo sabe inclusive que movimentos como o nazismo, o fascismo, o comunismo e mesmo as revoluções burguesas - lideradas por empresários, banqueiros etc - como a americana ou a francesa, que foi realizada pelas mesmas cabeças da americana, partem da idéia de um grupo comportando-se como apenas uma pessoa. De forma coesa, hierarquizada e disciplinada.

De outra forma, desorganizados, banqueiros e empresários - inclusive das comunicações - não teriam dado golpes em reis e não teriam assumido para si o controle das sociedades.

Voltando aos dias de hoje: por ocasião do encontro sobre o clima, o presidente do Brasil fez um apelo humano, desesperado, para que os principais líderes mundiais - os que mais poluem e mais movimentam recursos no planeta - percebessem que os destinos da humanidade estão todos interligados. Foi um apelo para que pensassem nas conseqüências da estreiteza. Um apelo para que percebessem que o lixo emanado dali voltaria ali, mesmo que tivesse sido jogado bem longe. A fim de tornar a imagem clara, nosso presidente declarou que a Terra é redonda. Uma maneira de dizer inclusive que o mundo dá voltas.

Pois bem: não bastasse a indiferença geral diante do problema, as maiores empresas do país, coincidentemente entre elas a maior empresa de comunicação do país (a teórica irradiadora de CONHECIMENTO) preferiu assimilar apenas o tom de piada da constatação do homem. A Terra é redonda, disseram. Ainda bem que o presidente avisou.

Parece-me claro que o planeta Terra sofre de apenas uma mazela: cada ser humano vivo é depositário de uma fração da realidade. Cada pessoa que vive é capaz de reter na consciência uma fração do universo. Ainda assim, está na raiz da vaidade humana, na raiz do ego, o desejo de crer-se dotado de toda a verdade. Mesmo quem não estuda, não pesquisa, não vai atrás do conhecimento, nutre a doce ilusão de sentar-se por 45 minutos diante da tevê e aprender tudo o que existe no mundo.

É inclusive a partir dessa ilusão que certos agentes colocam-se realmente como se fossem iluminados, imparciais e extremamente cultos. Não são. São operários servindo a patrões e reproduzindo o mesmo erro vaidoso. Um mallandro visita um país completamente diferente, depois de anos de aprendizado restrito, e julga-se capaz de "informar" o resto das pessoas. E as pessoas, desesperadas para sairem por um segundo que seja da mais total ignorância, aceitam qualquer afago.

Há manipulação? É evidente. Mas só há porque ambos os lados assim decidiram.

Deixando mais clara a idéia das visões restritas e da mazela única do planeta, vou adiante.

Sentado aqui, olhando naquela direção, eu vejo o prédio em frente. Alguém que esteja na janela em frente vai ver a mim. Não vai ver próprio prédio.

E aí? Qual dos dois viu certo? O que, afinal, existe aqui em frente? O outro prédio ou o meu?

É evidente que existem os dois.

Ontem, assistindo à tevê, ouvi comentários sobre o falecido Aiatolá Komeini. A tevê trazia a aparente imensa contradição do aiatolá. Segundo leu-se em um livro do iraniano, "o vinho e as demais bebidas que embriagam são impuros. Já o ópio e o haxixe, esses não o são".

Reparem que a idéia é no mínimo original. Não há dificuldade em se achincalhar a idéia. Percebam, no entanto, que, aqui, no prédio daqui, no prédio "ocidental", o vinho e as demais bebidas são sinal de status social, enquanto o ópio e o haxixe são caso de polícia.

Qual a diferença?

Qual a metade da bola que é mais importante?

Existe um conceito filosófico e místico chamado egrégora. Uma egrégora é coisa simples de ser explicada.

Imagine que você e mais três amigos estão fechados em uma sala. Depois de algum tempo, o trio começará a emitir calor, cheiros, sons etc. Essas energias, chamemo-nas assim, hão de ficar se acumulando dentro do ambiente.

Agora perceba, sem grande esforço, que há energias em torno de nós que não são necessariamente captadas pelos cinco sentidos. Um exemplo? O raio ultra-violeta. Você já viu algum? E tem dúvidas de que ele existe?

Pois muito bem: agora imagine que você e seus três amigos passam uma semana nessa sala, trocando conceitos e opiniões sobre política, por exemplo. Depois de algum tempo, algum consenso nascerá dali.

Imagine então que esta sala está fechada em relação ao resto do mundo. Há abertura de ar, mas nenhuma informação externa chega ali. Apenas a informação que o porteiro da sala deixa passar. Se há uma guerra lá fora, o porteiro diz que há uma comemoração pela vitória do Flamengo. Se cai granizo, o porteiro diz que é chuva. Enquanto isso, você está dentro da sala, com seus amigos, assimilando o que diz o porteiro e incorporando às suas conversas.

Até que um dia a sala se abre e todo mundo sai dali. Parece-me claro que você sairá da sala com uma certa visão de mundo. E parece claro que precisará negociá-la com o resto do mundo, a fim de conviver em sociedade.

Agora imagine que você tenha passado tanto tempo dentro da sala que os discursos que ouviu sejam tão consistentes que nenhum outro consiga penetrar em você. Vai haver um choque.

Imagine ainda que você saia da sala com idéias tão ousadas que a sociedade não queira ou não aceite mais te incorporar. Haverá um choque.

Aí você pensa: mas eu não vivo em uma sala. Eu vivo no planeta e recebo informações do planeta inteiro.

Será?

Imagine alguém que vive, trabalha e tem amigos em um mesmo bairro determinado. Imagine que essa pessoa não tem tevê a cabo, apenas um canal de tevê, não lê jornais e não viaja pelo planeta. Não é a mesma sala de antes? Invisível, como o raio ultra-violeta, mas, ainda assim, real?

E imagine que esse bairro tenha um administrador, dono de uma empresa que paga os anúncios na tevê local e que assim permite que ela continue transmitindo. É interesse do administrador que você assista àquela tevê, assim como é interesse da tevê que você respeite o administrador. São esses dois agentes que mantêm a sala "em ordem". Ignore ambos e é bem possível que sua mente se abra para a curiosidade sobre a sala ao lado. O que faria você mudar de ótica, de conteúdo e, assim, mudar também o conteúdo de sua própria sala.

Voltemos às egrégoras. Egrégoras são o somatório de todas as energias emanadas por um determinado grupo, dentro de um determinado espaço. Ponha duzentas pessoas dentro de uma sala, aterrorize-as com alguma ameaça externa e repare em como as pessoas passam a se comportar. Repare que a sala vai ganhando ares terríveis. Chega uma hora em que a ansiedade e o desespero é tanto que não será difícil convencer os circunstantes a sair dali quebrando tudo. Basta dizer-lhes que o que os prende na sala não é o medo imposto, mas a ameaça real de quem está fora da sala. Se eles quiserem sair, precisarão aniquilar quem está do lado de fora.

Ora, então você sai da sala imbuído de medo e preconceitos. Se você não conhece o planeta, mas apenas a sala, você lida apenas com a existência das coisas da sala. Se na sala não há um cachorro, quando você se deparar com um não vai poder pensar: é apenas um cachorro. Você vai olhar o bicho e vai encará-lo como um monstro.

O planeta, diferente da mentalidade estreita das pessoas, abriga todos os opostos.

Na verdade, o planeta é o resultado do encontro constante entre os opostos. É a riqueza e a diversidade de elementos da Terra que inclusive possibilita a existência do que chamamos de vida.

E o planeta, assim como qualquer indivíduo isolado, pode ser compreendido através de correlações.

Um exemplo simples: em um certo país muçulmano, um grupo mercenário chamado Taliban foi incentivado, treinado e armado pelos EUA, a fim de fazer frente a seu então rival ou oposto, a URSS.

Diante desse choque de opostos, um dos lados resolveu investir no Taliban. Hoje, encerrada a oposição EUA e URSS, sobrou o Taliban forte e dominante, que agora passou a ser o oposto preferido pelos EUA. Assim como o mais conveniente, já que movimenta a imensa indústria americana de armas - o principal produto de exportação dos EUA. Hoje é fato: sem guerras, os EUA vão à falência. Hoje, o mundo se ampara em um traficante de armas. Esse é o espírito que comanda, esses são os valores que comandam e essa é a egrégora que se forma.

O mundo está tosco? De onde é irradiada a tosqueira? Quais são os valores dominantes, aqueles que lutamos para defender?

Voltando ao cerne: o Taliban tem suas críticas mais fáceis na maneira como encara os costumes. Roupas femininas são o argumento mais usado por alguns para criticar o grupo de mercenários. Sim, porque a questão da ditadura, da repressão, da violação aos direitos humanos não é levada em conta na Arábia Saudita, no Paquistão ou em diversos outros aliados daqueles que alegam defender a liberdade. O problema do Taliban não é esse. Não é a repressão à liberdade. Aos olhos do público, segundo o que é apresentado ao público, não é esse.

Agora percebam: de um lado do planeta, você cria uma sociedade repressora, que tenta controlar um dos mais preciosos bens do planeta, que são os encantos femininos. Faz isso, supostamente, a fim de libertá-las da sanha de controle do homem. Para que as mulheres vivam em paz, eles as escondem.

Do lado de cá, por outro caminho, a oportunidade de virar um objeto sexual virou questão de honra. Na sala de cá, a repressão é ao status de objeto descartado. Que seja a mulher um objeto, mas que seja um objeto amado. Que receba de fora a auto-estima que não é capaz de nutrir por si mesma. Sim, é isso o que fazemos aqui: convencemos a mulher de que é um bibelô. Mesmo isso é tão radical que hoje, diante da chance de fazerem virtualmente o que quiserem, mulheres estão se dividindo em dois grupos radicais: as que aceitam ser objeto de bom-grado e as que resistem a isso, migrando cada vez mais à postura masculina (ou machista) que enxergam como a única alternativa. Cada vez mais dinâmicas, cada vez menos atentas a seu lado imaterial. Viraram ganhadoras de dinheiro. Bichos na selva do mais esperto.

Aqui, tanta foi a manipulação sobre as mulheres ao longo dos séculos, que o jogo virou e não se sabe mais o que se está buscando.

Em termos mundiais, de um lado, a questão torna-se explícita no Taliban. Do outro lado, é a Uniban.

Um esconde demais, outro mostra tudo.

Parece jogo de palavras? Assim como Obama e Osama? Pois é, certas lógicas podem não ser tão evidentes mesmo.

Taliban e Uniban. Um reprime, outro cria um ambiente tão depravado e destrutivo que uma concentração de jovens dentro de uma sala acaba explodindo como vimos nos jornais. Centenas de jovens pensando apenas em sexo. Uma menina movida a sexo e ao desejo de sentir-se importante. O resultado? Todo mundo viu.

O fenômeno da Uniban, inclusive, não foi peça única. Na mesma faculdade, semanas antes, outra jovem foi espancada, arrancada de dentro do carro, já que recusou-se a participar de uma manifestação.

Outro caso idêntico foi o da menina Eloá: centenas de pessoas sem mais o que fazer, paradas no meio da rua, esperando fortemente que alguma tragédia acontecesse. A mídia toda transmitindo em tempo real, a fim de obviamente não perder o "momento crucial". Ou seja: o tiro. Uma polícia exaustivamente treinada para um mundo cão. No Rio, inclusive, o símbolo das operações especiais da polícia é uma caveira atravessada por um punhal. Esse é o clima que se cria. Essa é a egrégora. Hoje, no Rio de Janeiro, a força "do bem" veste-se de negro e grita "caveira!".

E ali, a Eloá. Além de tudo o que cito, inclua aí uma menina sem perspectivas que, quase voluntariamente, adentrou a casa do assassino, pais sem qualquer coisa na cabeça, um pai que já era procurado pela polícia e um menino perturbado que foi aceito no seio da família. Junte isso tudo, ponha em uma panela de pressão e você cria um pequeno universo, com situações próprias e valores próprios. Não é de se espantar que, no meio desse circo dos horrores, a amiga da vítima tenha voltado ao lugar do crime, apenas para receber seu próprio tiro.

Voltou por quê? Porque a situação levava a isso. Conduzia a isso. Egrégora. Dentro daquele microcosmo, a lógica geral dizia que a menina voltasse ao apartamento e sim, fosse baleada.

Alguém que estava vendo tevê naquele momento percebeu que TODOS (inclusive eu) viram um tiro que não ocorreu? Um tiro que teoricamente levou a polícia a arrombar a casa e sair atirando? Pois é: aquele primeiro tiro não houve. Mas todo mundo viu. Agora pensem na força de centenas de pessoas (milhões, pela tevê) torcendo para que a ação se desenrolasse de uma vez. Será que isso, esse desejo sombrio todo, não é capaz de gerar a impressão de um tiro?

Será que o desejo não leva à impressão?

Pesquisem sobre egrégoras. Assistam ao filme "Fim dos dias". E fiquem já com a dica do spoiler: a receita é manter o estado de espírito constante.

Não é complicado encontrar o meio-termo no estilo de vida do ser humano. Não é difícil encontrar o ponto em que todas as salas, todas as sociedades, sejam capazes de conviver e trocar informações. Mas para que isso ocorra, é preciso que cada um seja capaz de olhar além da sala. Se fizer isso, vai passar a se detestar por ter perdido tanto tempo. Ao mesmo tempo, a brutal expansão de consciência que essa abertura geraria seria tão violenta que o novo viajante não seria capaz de convencer-se a perder tempo combatendo quem quer que fosse. Sairia para brincar e azar do porteiro antigo.

A questão é que o porteiro sabe de sua função. E por mais que ele diga que, lá fora, é cada um por si, ele é parte de um grupo de porteiros que circula livremente e troca a guarda com seus companheiros. Todos os porteiros a fim de uma mesma coisa: controle sobre si e sobre os outros. Esse porteiro pensa que controlar os outros vai lhe garantir, por comparação, uma posição superior. Não sabe, no entanto, que perde a vida trabalhando para que seus superiores mantenham todos presos em salas.

Não há diferença entre o preso e o carcereiro. Estão ambos encerrados por grades.

E enquanto isso, o planeta vai na espiral descendente. E ao longo do movimento, o desespero aumenta, assim como a tentação de dizer que a culpa é de Fulano ou Ciclano.

Em um ponto assim, o que é mais conveniente do que um inimigo comum?

Não se enganem: além de sua própria consciência, só o que há é o ego dos outros. Duvide de quem lhe afaga a cabeça e diz protegê-lo dos monstros. Não há monstros aqui. Só há ignorância e seu filho mais velho, o conhecido sofrimento.

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terça-feira, 24 de novembro de 2009

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

NÃO DÁ PARA ESCONDER O QUE EU SINTO POR VO-CEARÁ

Muita gente boa concorda que encontrar o equilíbrio da corda da vida, aquele estado em que pouca coisa te desafina ou te faz vibrar no susto, seja de estresse, de raiva ou de frustração, é um bom objetivo a ser alcançado.

Sim, porque você viaja por alguns dias e lembra-se facilmente de que o planeta é um só e estava aí muito antes do papo-furado todo; são apenas as pessoas, imbuídas de seu esclarecimento limitado, que tentam organizá-lo de maneiras diversas e acabam afogando-se em pobremas. E surgem daí as neuróticas rotinas urbanas das quais acreditamos só poder fugir viajando para outros lugares. Lugares que têm suas próprias neuroses, mas que visitamos na posição de café-com-leite, quase imateriais, acima do bem e do mal.

Reparem que todo turista tem uma certa aura divina. É porque ele não está ali a trabalho. Durante aquele curto período de tempo, o turista é o alforriado. Ele não corre sob a batuta do relógio e da média dos preços no mercado. O turista paga a mais para esquecer-se de como vive realmente. O turista é o escapista contemporâneo, temeroso de perder a disciplina justo onde não deveria haver alguma.

O turismo é a negação da viagem. É a negação da jornada. É o retalho sobre a colcha perfeita, mas de cuja cor não se gosta muito.

Ontem mesmo, a caminho do aeroporto para cá, o taxista dizia: já estão vendendo carro a duzentos reais por mês... E nem tem mais rua pra isso tudo...

Mas pois é, vai usar a razão, a bendita e frenética busca da saciedade intelectual, o gatilho da malandragem estreita, o fruto da incapacidade de perceber e se harmonizar com o todo, e você concorda: tem mais é que vender carro mesmo. Se eu fosse o dono da empresa, venderia carro mesmo. E se tivesse aquele emprego sensacional, trocaria de carro todo ano. E se fosse empresário influente, chamaria empresa de automóvel para construir a nova capital. Se fosse sócio desses caras, trocaria de casa, de carro e de destino no ano-novo.

Só não trocaria de horário, nem de engarrafamento, nem de assalto e nem de neurose. Viajaria uma vez por ano em escala mais luxuosa, mais divina aos olhos de terceiros. E mergulharia de volta nas neuroses do dia-a-dia, teoricamente compensadas pela próxima viagem, pelo próximo carro, pela nova promoção na empresa.

Ficaria engarrafado dentro de um helicóptero. Daria voltas sobre o céu de Congonhas, sem conseguir aterrissar. Seria transferido até Guarulhos e pegaria um ônibus que traria escrito Gol linhas aéreas do lado de fora. Ficaria preso na Marginal Tietê. Se estivesse de táxi, não poderia fumar. Apenas os vapores saudáveis do rio que corta a cidade de Serra. O clima milagroso de Serra.

Ah, sim, sem contar que estaria cada vez mais distante daquele que vai direto aos fins. E diante de tanto sacrifício, de tanto sentimento de dever, passaria a condenar o viajante com cada vez maior veemência. Como ele pode e eu não posso?

Quem lhe deu o direito de ser livre? Isso não consta no código de defesa do consumidor.

Sacrifício e recompensa. Cada vez maiores. O contrário do equilíbrio. Como uma corda que vibra cada vez mais pesadamente, tocando cada vez mais o alto e cada vez mais o baixo, até que a droga de escolha seja a cocaína, o horário natural seja a madrugada e a torcida sincera seja para que o circo pegue fogo.

Já que, dentro do peito, a lona realmente já lambeu. Luft.

Aí você pensa com a cabeça de pensar, lucra com o espírito de lucrar e, em um belo dia, sai às ruas só com o coração ligado, com preguiça de tudo. Sai e se surpreende com como sua cidade é poluída, cinzenta, e com como até mesmo os políticos que emergem dali já vêm viciados em remédios, cheios de olheiras, te convencendo a abrir mão de suas liberdades individuais em nome de um bem coletivo pelo qual ele é o primeiro a não prezar.

Pisca o olho, pensa se aquele é mesmo o lugar certo para você, e lembra-se da véspera, em outra cidade, que poderia facilmente ser apenas um bairro mais tranqüilo de sua própria cidade - já que estão se tornando todas iguais.

É, malandro. This ain't no country for no old man.

É nessas horas que eu repenso a possibilidade de manter um blogue, justo quando o silêncio me parece cada vez mais conveniente. Calar e sentir. Assistir às peças se encaixando, cada uma em seu lugar, gerando a dor e o atrito que cada uma delas inevitavelmente gera ao tombar em seu espaço. O karma coletivo, o homem se debatendo contra si mesmo, mas chamando de homem o outro, como se fosse um esquizofrênico socando o próprio reflexo no espelho.

Este é o homo rationalis. O Narciso louco que soca a própria imagem. A dúvida nada mais é do que o defeito no ideal platônico da perfeição. Para o homo rationalis, a razão é algo que se presume ter e que causa dor toda vez que se percebe incompleta. E incompleta sempre será, pois é a própria expressão da incompletude. Da aresta. Da desafinação.

E é por isso que trago para cá a imagem mais interessante que esta cidade me proporcionou desde que retornei das Minas Gerais. A foto é uma réplica da criatura que brincou comigo agora, do outro lado da grade da loja.

Não chegamos a conversar. Apelidei-o Ceará. Por mais que estivesse em São Paulo, o olhar e as feições não me enganaram nem por um segundo: remeteram-me direto de volta a Aracati, Melancias, Canoa Quebrada e todas aquelas acolhedoras freguesias.



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sexta-feira, 20 de novembro de 2009

MINAS LEGAIS





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RAPAZ DE BEM

Rapaz De Bem
(Johnny Alf)

Você bem sabe, eu sou rapaz de bem
A minha onda é a do vai e vem
Pois com as pessoas que eu bem tratar
Eu qualquer dia posso me arrumar
Vê se mora!

No meu preparo intelectual
É o trabalho a pior moral
Não sendo a minha apresentação
O meu dinheiro só de arrumação

Eu tenho casa
Tenho comida
Não passo fome, graças a Deus
E no esporte eu sou de morte
Tendo isto tudo eu não preciso de mais nada, é claro!

Se a luz do sol vem me trazer calor
E a luz da lua vem trazer amor
Tudo de graça a natureza dá

Pra que que eu quero trabalhar??

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quinta-feira, 19 de novembro de 2009

CONSELHOS PARA UM FILHO NÃO-NASCIDO

Hoje acordei e tinha aqui um mail esperto do meu brother Brunoc.

Brunoc é gênio das tecnologias, já foi capa da Galileu, além de ser um verdadeiro cavaleiro da honra e de ter sido meu anfitrião em Sampa, quando vim com apenas um cachorro e uma guitarra debaixo do braço.

Pelo que entendi, Brunoc estava tomando seu (nosso) uisquinho, visitando sites na internet, imbuído daquele espírito do retorno de Saturno, que aborda todos os trintões da espécie humana, e deu de cara com este site aqui.


Dizia Brunoc:

"Levando em consideração todas as mazelas da humanidade, todas as problemáticas da vida e toda a coisa de quem está na casa dos 30 e tem que ter a conversa sobre procriação, pergunto-lhos: Se vocês tivessem que dar UM conselho para seu filho(a) não nascido, qual seria tal conselho? Do fundo do coração, com a voz da experiência, sem recorrer a clichês".

Mas Brunoc avisou também: "Ninguém está gravida, é só uma pergunta filosófica depois de alguns drinks :)"


Então pensei um pouco e cheguei a dez conselhos. Listo a seguir:

1. todo mundo que está vivo é um pedacinho do universo. ninguém é melhor ou pior do que você. é apenas diferente. então tente descobrir quem você realmente é e não tente imitar ou diminuir ninguém. se você perder seu tempo tentando ser outra pessoa, um dia vai se cansar disso e pode não saber quem é de verdade.

2. tente descobrir do que você gosta e siga em frente no seu caminho. por mais difícil que ele seja, é seu caminho e nenhum outro vai te deixar tão feliz.

3. descubra seu caminho e siga nele. cuide dele. logo você vai perceber que seu caminho bem-cuidado é bem mais bonito do que os outros que você fatalmente vai olhar em volta.

4. você é um ser humano, mas seu lugar é o planeta e seus irmãozinhos são todas as coisas. se você perceber que os outros seres humanos estão mandando mal, não sinta que deve alguma fidelidade a eles. isole-se, cuide de si, preste atenção às outras coisas que existem no mundo e deixe as pessoas se foderem o quanto queiram.

5. na sua vida, você vai ver que por aí tem gente muito poderosa e tem gente que é escrava. jamais se esqueça de que precisar exercer poder sobre os outros é uma escravidão, e que mesmo o escravo, o sacaneado, optou por ficar tranqüilo, sem ter que pensar na própria tragédia. então não tente conscientizar ninguém. apenas ofereça apoio quando algum sofredor te pedir ajuda.

6. o mundo moderno traz muitas diversões, muitas chances de espantar o tédio, mas a única coisa que você realmente vai encontrar de preciosa nessa vida é a capacidade de lidar com o tédio sozinho. porque se você conseguir isso, não vai depender de nada externo. não vai precisar sofrer a maior parte do tempo para ter direito a um pouquinho de diversão. vá direto aos fins. não acredite que você precisa investir nos meios. está tudo aí na sua frente. o mundo já era mundo antes de esses idiotas nascerem e inventarem seus sistemas de mérito e recompensa. hahaha.

7. não se preocupe jamais com dinheiro. faça o que te diz seu coração. enquanto papai tiver metade de um pão, um quarto será seu e outro quarto será do papai. e depois que papai morrer, vai continuar a ter pão por aí. se seu objetivo for apenas o luxo, aí sim, preze por ele. mas se for qualquer outro, seja objetivo e não se iluda: o luxo pode ser tedioso e solitário também.

8. sua família, você pode descobrir que não sou eu, mas algum amiguinho do outro lado do mundo. se isso acontecer, vá em frente e conte com o apoio do papai. e se seu amiguinho for mesmo tão precioso, diga a ele que eu sou a família dele também.

9. seu único inimigo vai ser sua dificuldade para montar uma vida que te satisfaça. as pessoas em volta não são inimigos, por pior que ajam. se agirem muito mal, apenas mude de lugar. nem discuta. vá embora. encontre o lugar e o ambiente que se pareça mais com você e invista nisso.

10. as pessoas agem mal porque a lógica delas só alcança um determinado ponto. então, dentro daquele espaço, elas acham que suas ações são justificadas. se você quiser agir sempre bem, procure saber cada vez mais das coisas e expandir o máximo seu universo. o único objetivo que você pode ter na vida é saber mais. é isso que vai inclusive te fazer sofrer cada vez menos e causar cada vez menos sofrimento aos outros (e ter cada vez menos respostas sofridas por parte dos outros).

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quarta-feira, 18 de novembro de 2009

BADEN POWELL E A TEVÊ EM CORES




Todo mundo já deve ter visto "2001, uma odisséia no espaço", do Stanley Kubrick.

Se não viu, veja. É dos dois melhores filmes da história. Junto com Laranja Mecânica. É, do Kubrick também.

Se você viu 2001, está familiarizado com a idéia de que, em determinados pontos de nossa evolução, damos de cara com algo, um monolito, que nos leva a dar um salto.

Pois o último monolito musical que encontrei pelo caminho foi o disco Baden Powell Quartet vol. 2.

Ouvi esse disco pela primeira vez (e comprei em vinil) em 2005. A partir dali, foi como se minha televisão preto e branco ganhasse cores.

Depois desse disco, percebi que precisaria reaprender a tocar tanto o violão quanto a guitarra. Porque foi como se novas notas musicais me fossem apresentadas e como se eu finalmente entendesse que cada corda do instrumento é um instrumento em si.

Para baixar o disco:

Baden Powell Quartet vol. 2 (1971).


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PRIMEIRAS LETRAS: PRIMEIRO DISCO?

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Namaskar,

eis aí minhas primeiras dez letras da fase nova, todas já musicadas e prontinhas:


Quarta-feira em brasa

- Tava na cara. Tudo desabou, nem vi você sair.
- Tava na hora. Quanto dissabor eu tive de impedir.

Você sabe o que eu faço: faço a fumaça subir.
Você sabe onde eu me acho: baixo do meu buriti.
Você estava ao meu lado.

Você sabe onde eu passo. Traço um clarão trás de mim.
Você sabe o que eu acho? Abre as janelas que eu vim.
Vou pousar em seus braços.

Ai, longo inverno das saudades, rebenqueado tamborim,
fevereiro eu beiro a insanidade. Não sou senhor de mim.
Amanhece a quarta-feira em brasa.
Não pergunte de onde eu vim. Procurei você de casa em casa.
Vê se não me arrasa que eu não demorei assim.


Tudo ipanema com você

Vou caminhar do Posto Nove ao Country Club
Pra ver se o mar vai te buscar.
Lógico que eu vou corar, mas vou dizer

Oba, tudo bom? Quanto tempo faz?
Te vi no Leblon para nunca mais.
Até quem sabe o verão, se eu der azar,
ou um domingo no baixo ou no Estação...

Deixa rolar.

Não vou chorar. Triste animal dos trópicos,
à beira-mar, em seu penar turístico.
Eu vou dizer

Oba, tudo bom? Quanto tempo faz?
Te vi no Leblon para nunca mais
Até quem sabe o verão, se eu der azar,
ou um domingo no baixo ou no Estação...

Deixa rolar.

Até pensei de a luz da orla se acender,
ser reveillon, mas ninguém ver,
ter futebol pela tevê...

Deixa Ipanema acontecer.


Indisciplina

Pare de se preocupar. Ainda que a noite acabe na indisciplina,
ninguém vai se incomodar. Quem foi que nunca amou?
Isso já é rotina.

No mais, alguém vai dizer "aqueles dois vão conseguir se machucar"?

Pare de se complicar ou eu vou lhe passar uma descompostura.
Dar as costas para o mar? Então você não sabe, isso é uma gostosura.
No mais, se a onda bater, eu quero ver você pensar em se afogar.

Depois, se a onda bater, não olhe pra mim:
não inventei se apaixonar.

Depois, se a onda bater, não olhe pra mim:
eu, sol exposto em pleno mar.


Milagre

E eis a hora da ave-maria.
Trago a saudade pra me acompanhar.
Nunca mais, bendito dia, eu vi cantar
Guriatã do Coqueiro ou sertão ou luar.

Eira nem beira, bar em bar...

Onde eu for, trago em milagre o dom do nosso amor.
Mundo feito de maldade e horror.

Wonderful, trago em milagre o dom do nosso amor.
Tudo em volta é só paisagem e dor.

Nada mudou. Nada acabou.
E eu disse "vai, meu coração.
Vai com Deus, que eu voltarei.
Adeus".

Lá vai ela ao mar

Que vida bacana... acostumei.
Menina sacana a peso-rei...

Din-din-din-din-din...
Arram...

Até você, fingindo que não gosta,
vai perceber que a vida é uma aposta no amor.

Muito natural e especial. Bobeira é não se permitir.
Muito natural, especial, bobeira é não querer dividir.

Lá vai ela ao mar. Ô, esquindô, esquindô.
Acho que eu vou também.
Me espera.


Se isso não te dói

Se isso não te dói, se faz sentir bem,
se as dores que guardei por ti
são flores que eu roubei,

se isso é natural, se é ser feliz,
sem mentir, se é perdoar, amar,
antes que eu vá,

Me ensina a te esquecer. Não lembro mais.
Se eu ganho em te perder, eu nunca quis jogar.
É a noite amanhecer, não durmo mais.
É o dia anoitecer pra eu ouvir você chegar.


Feliz aqui

Hoje é o dia: já não dói viver sem você.
Eu não sabia como aquela velha canção me fez sofrer.

Há quanto tempo eu quis dizer
que todo o horror se acabou.
Agora, longe de você, o que restou
fui eu feliz aqui.

Hoje é o dia: já não vale a pena esperar hora ou lugar.
Minha alforria foi tardia, mas é manhã.
Minha manhã.

Nem mais um dia seu. Agora estou em paz.
Você não me entendeu:
não volto mais.


A Entidade Universal do Amor

E o tempo até parou quando eu te vi dançar.
Isso nem é cantada. Dá pra acreditar?

É a entidade universal do amor que nunca vai me abandonar.
E se eu sentir ciúme, eu sei, você vai me tranqüilizar.
Me matar.

E aí já era um vício, meu amor. Não dava mais pra controlar.
E aí já basta o mundo contra nós, tentando nos separar.
Eu só quis sair de cena pra compor outra mentira pra me justificar.
Outra farsa pra eu poder chamar de amor, uma outra vida pra me reinventar.


O jogo do sofredor

Vai, levanta. Perder um amor haveria de machucar.
Olha só quanto sofredor procurando com quem brigar.

Ah, quem nunca se deu ao horror de ferir só pra se aliviar?
Ah, quem nunca viveu em dor, não sangrou até pra respirar?

Ah, Mangueira, meu beija-flor, pára um pouco pra contemplar.
Esse jogo já se acabou. Jogo ruim de se abandonar.

Ah, quem nunca se viciou em descer só pra ver onde dá?
É o jogo do sofredor: eu preciso de alguém pra culpar.

Ah, quem nunca viveu em dor, não sangrou até pra respirar?
É o jogo do sofredor: se eu te agrido é pra poder chorar.


Fazenda Éden

Olha o boi. Olha só a boiada.

E o cachorrinho vai conferir na coragem.
Vai desbravando a paisagem.
Vai se assanhar pro lado do boi.

Olha o sol, olha só a alvorada.

Manhã cedinho, tudo já foi dito.
Agora só falta sentir.

Vai se abraçar com o outro e com o outro.

Olha o boi, olha o sol, namorada.

Tudo verdinho e o céu é tão bonito.
Seis da manhã, meu Brasil.

Vamos cantar até fazer coro.
Vamos nos amar até não haver dor.
Vamos tentar até fazer gol.


Por enquanto, tem ainda mais uma letra sem música, além de umas quatro músicas sendo compostas ao mesmo tempo.

É, é assim mesmo. Vai vendo.


Resplandeia

- Há de aparecer alguém.
- Ô, malandragem, quem será?
- Há de aparecer alguém. Um cabra que possa me explicar:

Se o tempo é capaz de tornar róseo o mais cruel dos infortúnios,
e a mais singela de todas as rosas em desafortunado testemunho?

- Ô, malandragem, vou me adiantar.
- Ô, malandragem, alto lá.
- Há de aparecer alguém.
- Ô, malandragem, quem será?
- Quando aparecer alguém, a malandragem vai bolar:

Vossa mercê alumeia. É luz, claridão, lampeia tudo.
Vossa mercê resplandeia.

- Vou falar das coisa pra suncê:
unidunitê escolhe entre o nada e o nada.
Mal-me-quer de grande amor.


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INSPIRAÇÃO

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essa é minha mesmo, do saudoso blogue "O Idiota Analógico":

"inspiração é que nem catarro: você puxa, puxa, uma hora ela vem".

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O MAR, O BOI E O CÉU

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Faz tipo um ano, eu decidi sair de Brasília e vir para São Paulo. Como eu estava em Brasília, isso é outro assunto. O fato é que um dia eu acordei, depois de muito tempo pensando, e descobri que precisava vir cuidar das minhas músicas.

Cuidar das músicas não seia necessariamente ficar famoso, embarcar em algum delírio cafona ou coisa assim. Cuidar das músicas seria admitir a mim mesmo que eu sinto falta de compor, de tocar e até de cantar, coisa a que eu jamais havia me arriscado, por puro, simples e profundo medinho.

Dizem que se você nunca sentiu medo, vergonha ou dor, é porque nunca se dedicou ao que realmente te importa.

Mas então eu decidi vir para Sampa e cuidar das músicas. Vi que havia muita coisa no mundo que não ia mudar por pura decisão minha, concluí que o mundo é o somatório das vontades e da falta de ação de todas as pessoas e resolvi me concentrar no que vinha dos mais profundos recônditos de mim mesmo.

Foi nessa hora que a música gritou. Como sempre havia gritado. E eu sempre ignorara.

É que é aquilo: no mundo de hoje, o que mais tem por aí é gente que nasce engenheiro e QUER viver de ser artista. Problema nenhuma. Mas como você faz quando NASCE artista e quer brincar de alguma profissão mais formal?

Sim, porque SER artista é pior do que ser pisciano. É uma condenação mesmo. Acho mais confortável ser outra coisa.

Mas então eu decidi ir fundo na música. E um dia, já em São Paulo, falando sobre minha idéia de não tocar em nenhum assunto que estivesse abaixo do éter, a fim de não poluir meu sensível espírito de artista, acabei abrindo uma concessão de macho e disse que apenas três coisas deste mundo visível me interessavam:

o mar, o boi e o céu.

Meu brother Brunoc sugeriu que fosse o nome do projeto. Possa ser.

O lance é que ter um projeto ainda é um projeto. Ou não?

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SEU UNIVERSO É UM JOGO DE SUA CONSCIÊNCIA (SHIVA)


É, malandragem.
É blogue mermo.