quarta-feira, 28 de julho de 2010

A MATÉRIA


Tente flagrar-se, em algum momento, longamente entretido com suas especulações e fabricações mentais.

Tente perceber-se totalmente distraído do mundo em volta há minutos. Se forem horas, tanto melhor.

Aí olhe em volta. Perceba a mesa, a cadeira, o chão, as paredes.

Como a matéria é dura, lenta, burra, não é?

Como as coisas demoram mais tempo para acontecer - para serem criadas ou transformadas - no mundo da matéria, não é?

Como tudo pressupõe um choque, uma queima, uma força, uma dor, não é?

Pois é.

A matéria.

Eu tenho um pequeno modelo sobre o universo, modelo ao qual cheguei há um par de anos. Esse modelo pretensamente explica até desdobramentos das idéias de Einstein.

Tomamos como verdade, por exemplo, que:

e = mc2

Onde 'e' = energia;
'm' = massa;
'c' = velocidade da luz no vácuo ao quadrado.


Sendo assim:

m = e/c2

Ou seja: a massa dos corpos é a energia (do big bang?) sendo filtrada pela resistência que o meio oferece a sua difusão.

Como assim?

Ora, a luz é onda, mas é também partícula. Partículas de luz que sejam atiradas, em fila, em uma determinada direção, podem encontrar o atrito do ar, ou da poeira, ou de obstáculos ainda maiores à sua propagação. Podem literalmente ficar engarrafadas, como automóveis em um sinal de trânsito.

Claro, não é? Pois trace círculos concêntricos a partir do tal do 'big bang' - Brahma, para alguns. Cada círculo mais externo tem menor concentração de 'matéria'. Logo, ali, a luz se difunde mais rápido. Qualquer ser que habite ali terá massa menor que a nossa, embora concentre muito mais energia.

Quanto mais próximo ao big bang, por outro lado, maior é a densidade do meio e mais lenta é a propagação da luz. Ali, o fator 'c' da equação terá valor menor. Ali, a massa das coisas, dos seres, de tudo, é bastante maior do que em regiões mais afastadas do universo.

E eu vejo mais: eu vejo que, do outro lado de um buraco negro, existe um quasar, jorrando para um meio mais rarefeito a energia que é sugada, pelo buraco negro, de um meio de densidade mais concentrada.

Onde está o big bang? Onde está sentado Brahma, irradiando cópias de si mesmo para todos os lados, como o Sol, como os profetas solares, como todos os messias, como Jesus, como os enviados, os ungidos, os literalmente iluminados?

Brahma está sentado no ponto de onde despontam todos os quasares. Todos os jatos de energia que Brahma lança por através das paredes, empurrando a matéria cada vez mais para fora, cada vez mais para longe de si, expandindo a criação, repetindo seus desenhos em escalas cada vez maiores, até o ponto em que seus próprios filhos olham em volta e não conseguem mais ligar os pontinhos, caindo no equívoco máximo de, em suas observações, concluir que o universo é escuro, quando, na verdade, é apenas desenhado em uma tela grande demais.

É tudo como atirar um ovo cru sobre o chão.

A gema fica no centro, enquanto a clara, mole, vai se espalhando. Lá na periferia, há apenas gotas de clara, e não a massa espessa que se encontra próximo à gema, central, amarela, concentrada, de onde escorre o conteúdo líquido, que vai rareando até as bordas daquela sujeira.

Assim é o universo, segundo eu vejo.

Quanto à consciência, resta-me uma questão: ou a consciência é feita de uma partícula bastante mais leve do que a que compõe a matéria ou estamos realmente tratando de um universo holográfico. Porque a consciência e a matéria coexistem. Que a matéria - ou a percepção do sólido - é pura questão geométrica, isso me parece claro. O que fascina e intriga é a coexistência entre a velocidade e a lentidão.

Até o momento, essa e outras questões me levam a crer que a consciência é emanada do big bang ou de Brahma neste exato momento, enquanto a matéria já foi lançada em um momento anterior do espaço, recebendo a consciência praticamente como um sinal de rádio. A estação está lá, o aparelho está aqui, sentado diante da máquina, digitando quase que por psicografia essas tão mal-traçadas linhas.

Será tudo realmente a pineal? Nossa antena, o terceiro olho?

Se tem algo que me chateia na idéia da morte, a morte como a compreendemos, humanos, é o fato de não poder trocar umas idéias com certas figuras que já se foram.

Mas e você, cara mesa? Tem algo a acrescentar?


E a mesa silenciou e o velho homem sentou-se diante dela e dedicou os últimos vinte anos de sua vida a simplesmente contemplá-la, até que extraísse dali tudo o que uma mesa poderia lhe ensinar.


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segunda-feira, 26 de julho de 2010

PERIGO: CORRENTEZA


Quando você desce, a sensação é de afogamento seco.

O céu vai ficando mais longe, a visão vai turvando pela cor incolor da água, as figuras vão parecendo mais distantes, o repuxo que te leva ao fundo parece até natural, de tão constante e aparentemente autônomo...

Você chega a cogitar que não haja problema em seguir com ele, enquanto ele se impuser sobre você.

Vamos descendo, que mal há nisso? Em instantes, a maré se inverte e tudo volta à superfície.


Você sente que recomeçou um movimento de subida quando quem estava a seu lado agora te puxa para baixo.

É o primeiro sintoma. De repente, você sente que está emergindo. Sente-se minimamente em paz, no mínimo flutuando sob a corrente, não mais descendo, não mais se embolando com o sal. Até que reaparece alguém, uma companhia do momento anterior, e, parecendo fazê-lo até por maldade, te chama a atenção para o tanto de água que ainda há sobre suas cabeças.

Não é por maldade. Não é dirigido a você. É uma mão estendida, nervosa, unhando qualquer rocha que haja em volta, clamando por algo concreto que a ajude a apoiar-se e subir.

Não é à toa que os salva-vidas das praias têm todo um treinamento para não transformar apoio em alavanca.

Porque o que faz subir não pode ser obrigado a descer.

Se algo te puxa para baixo, é porque está abaixo mesmo. Ficou abaixo agora, quando você começou a subir.


Agora o ar é denso. Meu atman ressente o atrito. Subir é quase mesmo como contrariar a espuma das ondas e guardar o pulmão endurecido, calado, na fé de que a superfície chegue logo, antes que o diafragma contraia e relaxe involuntariamente, o que acabaria por deixar o corpo se inflar por completo de água salgada.

Para cima. Para cima. Sempre nadando para cima.


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sexta-feira, 23 de julho de 2010

DE GANHAR A PERDA


Fácil é desapegar-se de algo cujo valor não se conhece.

Difícil é aquinhoar o valor na ausência da ausência.

A presença tende a anular-se. Só a ausência é presente.

Conviver com a presença da ausência é bem diferente de conviver com a ausência tão típica da presença.




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sexta-feira, 16 de julho de 2010

PERGUNTE AO BEBÊ


Casamentos homossexuais na Argentina.

Amigo, mesmo o pequeno espaço existencial dentro do qual você se crê agente de alguma coisa é pura construção de terceiros. Em caso de avanço, nenhum mérito deve ser conferido a você.

Se você nasce hoje em dia, mesmo que seja um daqueles foras-de-moda que ainda nascem por meios naturais, sem o rótulo de nenhum laboratório ou empresa farmacêutica, fatalmente vai precisar de uma escola, de uma faculdade, de cursos de extensão, de línguas; depois vai precisar de um emprego, de uma rotina que lhe ceife 80% do tempo, apenas a fim de mantê-lo dedicado àquela mesma rotina no dia seguinte; vai precisar encontrar uma pequena lacuna dentro do sistema que montaram e vai precisar convencer a si mesmo de que nasceu para fazer aquilo e apenas aquilo; vai precisar gostar de álcool, a fim de socializar com os outros 90% do mundo, que chegam a condenar e tentar desintegrar outras formas de entorpecimento; vai precisar acostumar os ouvidos ao tipo de música tosca que se veicula - a fim de gerar dinheiro fácil e vender subprodutos -, vai se conformar com a televisão emburrecedora, já que isso é de interesse de políticos e dos demais condutores da sociedade...

Se nascer na Argentina, agora, pode dar de cara com dois pais. Ou duas mães. Ali, a sociedade resolveu aprovar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Antes já havia a adoção de crianças, um paliativo para as pessoas irresponsáveis que põem filhos no mundo como se lançassem um filme ou um sabonete novo no mercado. Ter filhos virou mais um "projeto" do homem moderno, o cânone máximo do egoísmo e da total desatenção. "Vou fazer um doutorado, me estabelecer, e depois parar por dois anos para ter filhos. Quero muito ser mãe". Pois agora a criança abandonada pode ser adotada por um casal homossexual.

Sou contra o direito da adoção? Sou contra o direito ao "casamento"? De maneira nenhuma. Em sua vida íntima, em seu microuniverso, cada um tem o direito de agir como bem entender, desde que isso não implique em tirania sobre a vida de terceiros. A questão que ainda me incomoda é pensar que o ser humano mantém a mesma ética de sempre: manda o mais forte.

Manda na política a máfia que se articula melhor, manda nos costumes a massa robotizada que representar a maior fatia de uma determinada população - sejam esses, por exemplo, vítimas dos discursos modernos e irresponsáveis, sejam as mesmas ovelhas religiosas de sempre -, mandam nas leis aqueles que nasceram antes...

A cada dia que passa, enquanto enxergo as pessoas levando vidas cada vez mais pobres e anestesiadas, perco um pouco do interesse e mesmo do respeito pelas fórmulas que o ser humano encontrou para se organizar em coletividade.

São cada vez mais leis, regras, punições, vigilância, e há cada vez menos estofo dentro de cada dito cidadão.

Rumamos para um estágio em que você não precisa realmente usar seu crânio para nada, a não ser para andar na linha. Andando na linha que terceiros lhe desenharam, você vai do berço ao túmulo sem ao menos precisar olhar para os lados.

Sentiu carência? Invista seu dinheiro em um carro, arque com cinco anos inteiros de prestações e saia pelas ruas, sentindo-se no seu direito, infernizando o dia-a-dia dos outros cidadãos que, por serem menos 'espertos' no jogo de garantir o seu pirão primeiro, tentam pateticamente chegar ao trabalho em ônibus e vans improvisadas. Todos presos uns aos outros. Se não pelo coração, se não pela ética, se não pela inteligência, ao menos pelos para-choques e buzinas.

Sentiu novamente o vazio existencial? Entregue milhares de dinheiros nas mãos de uma companhia aérea e ganhe o direito de visitar a Terra Santa, lá em Israel. A Terra Santa já foi conquistada e está lá, cercadinha, esperando por você, sendo mantida à força, às custas de tantas outras pessoas que também deram a má sorte de nascer no planeta Terra, sob o comando daqueles que abocanharam primeiro o pote de ouro.

Hoje, há os direitos dos negros que querem comportar-se como os brancos sempre fizeram (e não querem mudar qualquer coisa estrutural que seja), há os direitos dos homossexuais, que querem aparecer em público e mendigar as mesmas migalhas de aprovação que toda a sociedade insiste em buscar nos ambientes mais sem sentido, há os direitos dos radicais de todos os lados - tanto os fundamentalistas islâmicos que apedrejam mulheres com cabelos à mostra quanto os outros fundamentalistas de uma pretensa "razão", que proíbem o uso de adereços religiosos, como na França atual, "pós-revolucionária".

Há direitos para todos.

Ao mesmo tempo, não há direito para ninguém. Desde tempos imemoriais, o ser humano vive sob a ética de aproveitar as beiradas, enquanto o grosso do caldo é envenenado diariamente.

Sinceramente? Casem-se os que quiserem. Passem seus bens adiante o quanto quiserem. Um homossexual que luta para ser reconhecido por um "Estado" que nunca o contemplou é como a mulher do malandro, que apanha, mas que não conhece sua própria identidade enquanto não estiver sob a mira do cacete.

Cada vez que um homem de boas intenções pretende galgar algum degrau de poder sobre os demais, vê-se diante de dois caminhos: agir por fora, ignorando os ambientes que só têm relevância porque os homens assim decidiram, ou insistir no mesmo erro de todos os outros e fazer alianças que não apenas anulam a si mesmo, mas ainda garantem que os próximos inocentes, como os bebês argentinos, precisem abrir mão do dom da vida, que receberam sem nem saber do fato, e dedicar sua existência a tentar dirigir esses mesmos ambientes artificiais. Nascem conduzidos e estão condenados a tentar conduzir.

Como tentar me vencer em um jogo que é meu? Um jogo que eu mesmo inventei? Ainda que me vençam, terão a ingrata missão de manter o tabuleiro funcionando. Transformar-se-ão no que eu mesmo outrora fora. Que o digam os inúmeros candidatos da dita "esquerda", que passam décadas sendo sabotados pelo poder estabelecido, até que se cansem e aceitem oferecer a testa-de-ferro aos mesmos comandantes de sempre. Vencem eleições cheios de "aliados" e saem sem fazer qualquer diferença.

Apossar-se de um sistema é transformar-se naquele que o provê. Se um homem decide viver em regime de casal com outro homem, por que diabos vai usar referências católicas para enxergar a si mesmo? Por que diabos precisa da chancela de terceiros? E por que diabos terceiros poderiam negar-lhe isso?

Hum, é claro. Porque o homem nasceu em uma sociedade que foi formada por aqueles mesmos valores. Ora, mas se sua própria individualidade já foi capaz de provar a insuficiência daquele modelo, por que perder tempo com ele?

Cada vez que você tenta tomar as rédeas da sociedade para si, está se comportando como aqueles que tiraram as rédeas de suas próprias mãos, em um momento anterior.

Espere vinte anos e pergunte ao bebê se não é assim.

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quinta-feira, 8 de julho de 2010

CONSELHO ETERNO PARA UM AMIGO REFÉM DAS MAZELAS DO CORAÇÃO


O amor está em tudo.

Aí vai de você.

É, o amor está em tudo. Seu único limite será sua capacidade de amar.

Até onde ela vai?

O que não falta por aí é gente e coisa querendo e precisando ser amada.

Vai, amigo. Ama.
Pega tudo e ama.

Pega tudo e ama.


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quarta-feira, 7 de julho de 2010

FERRO NA BONECA


Parar...

Não tenho muito isso de parar. Ou de concluir, de ir até o fim. As coisas não têm fim. Você pode se dedicar a elas por mais ou por menos tempo.

Colher os frutos é apenas questão de tempo, verdade, mas, se é verdade que há frutos que só se colhem depois de muito esforço, foco e dedicação, há outros que caem maduros já no primeiro instante.

Saber colhê-los é também uma arte. São quase invisíveis, ainda que deixem um aftertaste impressionante.

As coisas começam e se transformam em outras, ainda que essas sejam sua antítese. Um discurso, um silêncio. Um silêncio não é o fim de um discurso.

Dó, ré, mi, silêncio, sol, si...

Não é um fim e um recomeço.

Como se diz a respeito de certas ervas, que não são um destino e nem uma estrada, mas apenas um veículo, o silêncio não é um fim que implica em recomeço. É um cavalo que você monta para levantar a próxima bandeira já lá, bem mais adiante.

Sobre as ervas e sobre o silêncio, os dois são como muletas. Um homem decrépito usa muletas, um aleijado usa muletas, mas um alpinista também.

Tudo depende da altura do monte que se quer escalar.

O silêncio é apenas uma longa e firme nota musical.

De todas as sete, o silêncio é a verdadeira oitava.

É pluft, pluft, pluft, pluft, pluft
É ferro na boneca
É no gogó, neném.


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