sexta-feira, 16 de julho de 2010

PERGUNTE AO BEBÊ


Casamentos homossexuais na Argentina.

Amigo, mesmo o pequeno espaço existencial dentro do qual você se crê agente de alguma coisa é pura construção de terceiros. Em caso de avanço, nenhum mérito deve ser conferido a você.

Se você nasce hoje em dia, mesmo que seja um daqueles foras-de-moda que ainda nascem por meios naturais, sem o rótulo de nenhum laboratório ou empresa farmacêutica, fatalmente vai precisar de uma escola, de uma faculdade, de cursos de extensão, de línguas; depois vai precisar de um emprego, de uma rotina que lhe ceife 80% do tempo, apenas a fim de mantê-lo dedicado àquela mesma rotina no dia seguinte; vai precisar encontrar uma pequena lacuna dentro do sistema que montaram e vai precisar convencer a si mesmo de que nasceu para fazer aquilo e apenas aquilo; vai precisar gostar de álcool, a fim de socializar com os outros 90% do mundo, que chegam a condenar e tentar desintegrar outras formas de entorpecimento; vai precisar acostumar os ouvidos ao tipo de música tosca que se veicula - a fim de gerar dinheiro fácil e vender subprodutos -, vai se conformar com a televisão emburrecedora, já que isso é de interesse de políticos e dos demais condutores da sociedade...

Se nascer na Argentina, agora, pode dar de cara com dois pais. Ou duas mães. Ali, a sociedade resolveu aprovar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Antes já havia a adoção de crianças, um paliativo para as pessoas irresponsáveis que põem filhos no mundo como se lançassem um filme ou um sabonete novo no mercado. Ter filhos virou mais um "projeto" do homem moderno, o cânone máximo do egoísmo e da total desatenção. "Vou fazer um doutorado, me estabelecer, e depois parar por dois anos para ter filhos. Quero muito ser mãe". Pois agora a criança abandonada pode ser adotada por um casal homossexual.

Sou contra o direito da adoção? Sou contra o direito ao "casamento"? De maneira nenhuma. Em sua vida íntima, em seu microuniverso, cada um tem o direito de agir como bem entender, desde que isso não implique em tirania sobre a vida de terceiros. A questão que ainda me incomoda é pensar que o ser humano mantém a mesma ética de sempre: manda o mais forte.

Manda na política a máfia que se articula melhor, manda nos costumes a massa robotizada que representar a maior fatia de uma determinada população - sejam esses, por exemplo, vítimas dos discursos modernos e irresponsáveis, sejam as mesmas ovelhas religiosas de sempre -, mandam nas leis aqueles que nasceram antes...

A cada dia que passa, enquanto enxergo as pessoas levando vidas cada vez mais pobres e anestesiadas, perco um pouco do interesse e mesmo do respeito pelas fórmulas que o ser humano encontrou para se organizar em coletividade.

São cada vez mais leis, regras, punições, vigilância, e há cada vez menos estofo dentro de cada dito cidadão.

Rumamos para um estágio em que você não precisa realmente usar seu crânio para nada, a não ser para andar na linha. Andando na linha que terceiros lhe desenharam, você vai do berço ao túmulo sem ao menos precisar olhar para os lados.

Sentiu carência? Invista seu dinheiro em um carro, arque com cinco anos inteiros de prestações e saia pelas ruas, sentindo-se no seu direito, infernizando o dia-a-dia dos outros cidadãos que, por serem menos 'espertos' no jogo de garantir o seu pirão primeiro, tentam pateticamente chegar ao trabalho em ônibus e vans improvisadas. Todos presos uns aos outros. Se não pelo coração, se não pela ética, se não pela inteligência, ao menos pelos para-choques e buzinas.

Sentiu novamente o vazio existencial? Entregue milhares de dinheiros nas mãos de uma companhia aérea e ganhe o direito de visitar a Terra Santa, lá em Israel. A Terra Santa já foi conquistada e está lá, cercadinha, esperando por você, sendo mantida à força, às custas de tantas outras pessoas que também deram a má sorte de nascer no planeta Terra, sob o comando daqueles que abocanharam primeiro o pote de ouro.

Hoje, há os direitos dos negros que querem comportar-se como os brancos sempre fizeram (e não querem mudar qualquer coisa estrutural que seja), há os direitos dos homossexuais, que querem aparecer em público e mendigar as mesmas migalhas de aprovação que toda a sociedade insiste em buscar nos ambientes mais sem sentido, há os direitos dos radicais de todos os lados - tanto os fundamentalistas islâmicos que apedrejam mulheres com cabelos à mostra quanto os outros fundamentalistas de uma pretensa "razão", que proíbem o uso de adereços religiosos, como na França atual, "pós-revolucionária".

Há direitos para todos.

Ao mesmo tempo, não há direito para ninguém. Desde tempos imemoriais, o ser humano vive sob a ética de aproveitar as beiradas, enquanto o grosso do caldo é envenenado diariamente.

Sinceramente? Casem-se os que quiserem. Passem seus bens adiante o quanto quiserem. Um homossexual que luta para ser reconhecido por um "Estado" que nunca o contemplou é como a mulher do malandro, que apanha, mas que não conhece sua própria identidade enquanto não estiver sob a mira do cacete.

Cada vez que um homem de boas intenções pretende galgar algum degrau de poder sobre os demais, vê-se diante de dois caminhos: agir por fora, ignorando os ambientes que só têm relevância porque os homens assim decidiram, ou insistir no mesmo erro de todos os outros e fazer alianças que não apenas anulam a si mesmo, mas ainda garantem que os próximos inocentes, como os bebês argentinos, precisem abrir mão do dom da vida, que receberam sem nem saber do fato, e dedicar sua existência a tentar dirigir esses mesmos ambientes artificiais. Nascem conduzidos e estão condenados a tentar conduzir.

Como tentar me vencer em um jogo que é meu? Um jogo que eu mesmo inventei? Ainda que me vençam, terão a ingrata missão de manter o tabuleiro funcionando. Transformar-se-ão no que eu mesmo outrora fora. Que o digam os inúmeros candidatos da dita "esquerda", que passam décadas sendo sabotados pelo poder estabelecido, até que se cansem e aceitem oferecer a testa-de-ferro aos mesmos comandantes de sempre. Vencem eleições cheios de "aliados" e saem sem fazer qualquer diferença.

Apossar-se de um sistema é transformar-se naquele que o provê. Se um homem decide viver em regime de casal com outro homem, por que diabos vai usar referências católicas para enxergar a si mesmo? Por que diabos precisa da chancela de terceiros? E por que diabos terceiros poderiam negar-lhe isso?

Hum, é claro. Porque o homem nasceu em uma sociedade que foi formada por aqueles mesmos valores. Ora, mas se sua própria individualidade já foi capaz de provar a insuficiência daquele modelo, por que perder tempo com ele?

Cada vez que você tenta tomar as rédeas da sociedade para si, está se comportando como aqueles que tiraram as rédeas de suas próprias mãos, em um momento anterior.

Espere vinte anos e pergunte ao bebê se não é assim.

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