segunda-feira, 26 de julho de 2010

PERIGO: CORRENTEZA


Quando você desce, a sensação é de afogamento seco.

O céu vai ficando mais longe, a visão vai turvando pela cor incolor da água, as figuras vão parecendo mais distantes, o repuxo que te leva ao fundo parece até natural, de tão constante e aparentemente autônomo...

Você chega a cogitar que não haja problema em seguir com ele, enquanto ele se impuser sobre você.

Vamos descendo, que mal há nisso? Em instantes, a maré se inverte e tudo volta à superfície.


Você sente que recomeçou um movimento de subida quando quem estava a seu lado agora te puxa para baixo.

É o primeiro sintoma. De repente, você sente que está emergindo. Sente-se minimamente em paz, no mínimo flutuando sob a corrente, não mais descendo, não mais se embolando com o sal. Até que reaparece alguém, uma companhia do momento anterior, e, parecendo fazê-lo até por maldade, te chama a atenção para o tanto de água que ainda há sobre suas cabeças.

Não é por maldade. Não é dirigido a você. É uma mão estendida, nervosa, unhando qualquer rocha que haja em volta, clamando por algo concreto que a ajude a apoiar-se e subir.

Não é à toa que os salva-vidas das praias têm todo um treinamento para não transformar apoio em alavanca.

Porque o que faz subir não pode ser obrigado a descer.

Se algo te puxa para baixo, é porque está abaixo mesmo. Ficou abaixo agora, quando você começou a subir.


Agora o ar é denso. Meu atman ressente o atrito. Subir é quase mesmo como contrariar a espuma das ondas e guardar o pulmão endurecido, calado, na fé de que a superfície chegue logo, antes que o diafragma contraia e relaxe involuntariamente, o que acabaria por deixar o corpo se inflar por completo de água salgada.

Para cima. Para cima. Sempre nadando para cima.


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