quarta-feira, 31 de março de 2010

APOCALYPSE LATER


Sentou-se e escreveu.

"Puxa, não sabia sobre o Hélio... Meus pêsames a todos.

Acho que só estive com ele uma ou duas vezes, mas ele foi bastante simpático e gentil comigo. A Dulcinha também só vi poucas vezes, mas ela foi ainda mais legal comigo. Lamento mesmo. Coisas da vida, né? Todo mundo tem sua hora... Espero que ele tenha ido em paz e que esteja num lugar legal.

Você vai ao almoço do tio Armandinho? Eu estou pensando em ir, ainda que isso vá me ferrar ainda mais nos trabalhos que tenho que fazer. Além daqui, da Mangueira, tenho dois frilas para fazer. Um deles já estourou o prazo há semanas. É, por enquanto, a vida aqui está caótica. hehehe. Mas vai ser legal se você for... Talvez eu dê apenas um pulo lá, para dar abraços e coisa e tal. Veremos.

Sobre seu pai e sobre a retirada dele da civilização... Eu penso em algumas coisas. Olha só: se eu me mudo para São Paulo e me inscrevo em um curso de inglês, fatalmente, depois de uns meses, vou ter novos amigos. Na minha sala de aula, vou encontrar um cara gente-boa, um cara arrogante, uma menina romântica, outra amarga, vou encontrar alguém que vai se tornar meu "opositor", vou encontrar um confidente...

Talvez, na cidade grande, alguém te faça um favor ou te puxe a perna com um português perfeito, cheio de regras de etiqueta. Talvez, no meio do mato, alguém te faça um favor ou te puxe a perna cheio de erros de concordância. Mas serão sempre pessoas, com sentimentos universais, com preconceitos, com virtudes... Ando achando que o ser humano é uma coisa só e só muda de endereço, de gosto para se vestir etc.

Vira-e-mexe, eu comento com amigos que, no ser humano, hoje em dia, só me interessa o coração.

Vê um exemplo: eu estou há vááááários anos estudando sobre política. E quando eu chego a uma festinha e ouço gente super intelectualizada (em suas áreas específicas) querendo discutir política, brigando por política, se ofendendo por política, botando a si mesma para baixo por política (como acontece com esses e-mails que falam mal do brasileiro, do presidente etc.), me dá vontade de ficar calado. Ora, eu sei o que estudei, sei o que vejo por aí e não vejo proveito em ficar trocando coisas "inteligentes" por aí.

Nesse sentido, talvez o seu pai pense parecido. Já viveu muito, já conheceu muita coisa e se cansou do papo-furado das pessoas. hahahaha. Acho coerente mesmo...

Acho que essas coisas são muito pessoais, muito subjetivas, mas a impressão que eu tive dele e da vida dele em Uarini foi um pouco diferente do que acho que você vê... Não achei que ele vive de um jeito tããããããão descolado do mundo assim. Sério. Lembro, por exemplo, que lá eu não estava a fim de ver TV, mas ele via o Jornal Nacional todo dia. Nem eu tenho mais esse hábito tão arraigado. Gosto, mas tenho consciência da perda de tempo que são essas coisas.

Em resumo, acho que o ser humano, em geral, é tosco. Conheço gente muito pobre e cheia de valor, e conheço gente rica, cheia de coisas materiais, mas que, até por isso mesmo, vive distraída das coisas que importam e das outras pessoas, pensando apenas em aparências e coisas assim.

Fora que há um dado nisso tudo que a gente não pode ignorar: de tempos em tempos, fala-se no "mal do século". Esse mal já foi a peste negra, já foi a tuberculose... Hoje é o quê? DEPRESSÃO. Ora, se a civilização sofre de depressão, acho que isso é um indício de alguma coisa. Cada vez mais, vejo gente neurótica por aí, internalizando os valores feios que são difundidos à força - o lucro, a vantagem, a competição, o egoísmo, o consumismo, o estresse e a animalidade dos engarrafamentos etc. etc. etc.

Sinceramente? Muito pouca coisa ainda me une à "sociedade". Ainda mais quando eu vejo o seguinte: é tudo uma selva e salve-se quem puder contar com um apoio legal para usar como trampolim. No meu caso, mesmo tendo nascido no meio de gente rica, bem de vida, fui forçado desde sempre a notar esse lado obscuro das pessoas. Nas ruas, vejo a selva. Em casa, vi a selva também. Não me parece surpreendente que eu mesmo esteja rumando para fora disso tudo. Não sei do que as pessoas atualmente estão atrás. Mas estou vendo quase todo mundo se relacionar de maneiras horrorosas, jogar a vida fora em nome de aparências e de um futuro que não chega nunca.

Em suma: você conhece seu pai milhões de vezes mais do que eu. Mas do pouco que vi, acho que compreendo sim... Não sei sobre a parte de as pessoas o estarem isolando. Isso eu não sei. Da minha parte, isso não acontece. Sou fã dele.

Fora o fato de que ele foi pro mato, mas vive quase como "coroné" daquilo lá. Não virou um monge asceta, morando debaixo da árvore e se alimentando de doações, né? Ele tem carro, tem meia-dúzia de "serviçais"... Acho bastante parecido com o pai DELE. Se a gente for pensar, as gerações de orgulhosos doutores da nossa família se originaram de um coronel tosco e bronco do interior. Não vejo contradição... Mesmo meu avô Hamilton tinha umas fantasias com o campo. Até onde eu sei, a fazenda da tia Ercília rolou por causa dele. E até onde eu sei, ele só não se enfiou por Brasília, Goiás etc. porque minha avó Risoleta não quis ir pro mato.

O lance do meu trabalho, é isso aí mesmo... Acho que apareceu um horizonte novo por aqui. Vamos ver com o tempo até onde isso vai. Vou continuar estudando para o Itamaraty, no ritmo que der, e vamos ver o que acontece.

Mas é isso aí. Se você for no tio Armandinho, muito provavelmente vamos nos encontrar.

Um beijo!!!!"


Quase todos os nomes são ficcionais.

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