sexta-feira, 28 de maio de 2010

MESTRE EM PLANOS PARALELOS

Não nasci ontem.

Nada do que eu conclua hoje sobre a vida e o mundo pode ser encarado como um surto, um rompante, um relâmpago surgido do vácuo, uma invenção sem pai nem mãe, uma luz que se acende na mais sinistra escuridão.

Tem anos, trintetrês, mais exatamente, que venho formando minha cabeça e minha visão de mundo. Ao longo desse tempo, descobri que o natural, para mim, enquanto tantos se esforçam para cercar-se de bens materiais, de provas concretas de seus sucessos e avanços, é investir em valores internos.

Sou meu próprio projeto, minha própria ambição, meu próprio patrimônio. Sou pai e filho de mim mesmo, assim como sou pai e filho do universo mágico, metafísico, diante do qual me curvo e que reverencio o tempo inteiro.

Hoje o dia começou com uma notícia interessante: um francês ouviu uma música minha na internet e pediu para inseri-la em um filme que deve ser exibido tanto no Brasil quanto na França. Um filme sobre Brasília, a ser exibido em festivais de artes dos dois países.

Autorizei, é claro.

Sendo assim, enquanto passo os dias no morro da Mangueira, no Rio de Janeiro, serei ouvido e apreciado pelos círculos mais aristocráticos do velho continente.

Brasília já tinha me servido para muito além do que eu poderia esperar de qualquer cidade. Além dos inúmeros eventos estranhos que coro só mesmo em pensar em dividir com os amigos, ainda me trouxe a experiência mágica de ver a mim mesmo na tela do cinema.

Ali era o também francês Henri, personagem do livro/peça/filme de Clarah Averbuck. O livro chama-se "Máquina de Pinball". O filme, dirigido por Murilo Salles, chama-se "Nome Próprio". O ator era francês, mas, teoricamente, o personagem era eu. Ir ao cinema assistir a uma versão ficcional de mim mesmo já tinha sido impressionante. Só sobre essa experiência, já seria capaz de falar por dias a fio.

Mas agora é algo um tanto diferente: é minha voz mesmo, é meu violão colorindo a película. É o fruto de dois anos de reclusão estampado nas telas, servindo de trilha sonora para aquela mesma cidade que me inspirou a canção e tantas outras coisas.

Brasília, Brasília. Brasília que não me sai do pensamento, Brasília que não me sai do blogue, Brasília que me invade por todos os lados, mesmo por aqueles que, teoricamente, não passariam por lá.

Abaixo, segue um texto que submeti à Universidade Federal Fluminense, tentando me inscrever em uma pós-graduação em educação a distância. Esse curso, imagino por agora, pode ser a chave que faltava para que eu possa me mandar para o interior do país e viabilizar todas as outras coisas sobre as quais venho falando ad nauseum.

O tema da redação era "minhas perspectivas de atuação no ensino a distância".

Enjoy.


"O filósofo grego Platão costumava dividir tudo o que existe em dois mundos bem específicos: o mundo das coisas e o mundo das idéias. Quando trilhamos o caminho do conhecimento, é natural, colocamos cada vez mais ênfase no mundo das idéias. Dotados de conhecimento, não apenas podemos nos descolar mais facilmente da realidade dada e criar outra mais apropriada, como ainda deixamos nós mesmos de nos entendermos como coisas, passando a compreender que, assim como as idéias, estamos conectados e influímos diretamente nas vidas uns dos outros.

O conhecimento tem o poder de alterar o dia a dia das pessoas, de fazê-las viverem melhor. Tem o poder de fazê-las conhecerem melhor a si mesmas e à realidade que as cerca. O conhecimento fornece ao indivíduo autonomia, de forma mais imediata e menos nociva do que a sanha pelo acúmulo de bens materiais, que perde de vista o outro e o equilíbrio de todo o sistema. Com acesso a educação, fica mais fácil percebermos que estamos inseridos em um sem-número de ambientes, seja o político, definido por leis que tomam uma faixa contígua de terra como um Estado, um país, seja o humano, explicitado pelo dom comum a todas as pessoas - o dom de evoluir, de expandir sua consciência -, seja o natural, que, em um mundo cada vez mais afeito às criações do homem, passa a ser encarado como empecilho para sua independência.

O educador Darcy Ribeiro já disse que, ao final da vida, contava inúmeros fracassos. Entre esses, estava a tentativa de promover educação de qualidade para o povo brasileiro, no qual contava não apenas o homem dito civilizado, mas ainda nossos irmãos silvícolas, aos quais pretendia alfabetizar. Foi-se dizendo-se fracassado em ambos os intentos. Mas foi-se declarando que cada fracasso daqueles, pela tentativa honrada, dedicada, honesta, representava um de seus maiores sucessos.

O presidente Juscelino Kubitschek tomou posse defendendo a bandeira da interiorização do desenvolvimento no país. Em nome disso, criou-se uma nova capital, montou-se toda uma estrutura administrativa, essa capital já tem até seu próprio povo, sua própria cultura florescente, mas nota-se à primeira olhada tratar-se, até agora, de uma ilha de prosperidade material em meio ao bom e velho sertão, entendido no sentido de terras inexploradas, vocábulo caro aos antigos senhores de engenho brasileiros.

Brasília foi criada sob a bandeira da expansão do conhecimento, da razão, da cultura e da civilização pelo território nacional. É chegada a hora de pôr o projeto em prática. Temos milhares de quilômetros povoados por brasileiros que passam a vida à margem de seu próprio país, de seu próprio povo, e que, em frágeis tentativas de inserção, acabam por ocupar as favelas, as periferias, as zonas cinzentas, sempre ostentando o status de cidadãos de segunda classe. Pois a solução para o contraste que se observa entre regiões, entre estados, entre bairros de nosso país é justamente a classe, o nível, o ano letivo.

Diz o antigo ditado: se Maomé não vai à montanha - e em nosso caso, o percurso e as condições de viagem de Maomé, no interior do país, até a montanha acadêmica não são as mais favoráveis - que vá a montanha até Maomé. A apropriação pode parecer um tanto religiosa, mística, afeita a planos improváveis, mas é passada em ambiente virtual, pela internet, algo que o ser humano conseguiu empreender no sentido de acessar justamente planos alheios à realidade material. Através da internet, pode-se passar tudo o que não é coisa. Através da internet, como talvez dissesse Platão, transmite-se, apresenta-se e insere-se o homem no mundo das idéias. Inserido o homem no mundo das idéias, altera-se naturalmente o estado do mundo das coisas".


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