domingo, 16 de maio de 2010
SÓFOCLES DESERTOR
- Decifra-me ou devoro-te.
- Decifrar-te é devorar-me.
- Decifra-me ou devoro-te.
- Decifra-te a ti mesma. Já estás a me devorar.
- Decifra: qual é o aninal que, pela manhã, tem quatro patas, à tarde tem duas e, à noite, tem três patas?
- Essa é fácil: o animal é o homem. Primeiro bebê, depois adulto, ereto, e, por fim, apoiando-se em uma bengala.
- Tens certeza disso?
- Não eu, mas tu. Acreditas que um bebê é um quadrúpede, e não um deus em potencial; vês o homem feito como arrimo de sua própria sorte; enxergas o ancião como um animal defeituoso. Miras na pedra, contemplas a areia; não consideras o vento, o tempo, o calor e as benesses do sol.
- Decifraste enfim o enigma. Hei de devorar-me a mim mesma.
- Coisa nenhuma. Tal charada propõe-se a falar sobre mim, mas nada diz sobre ti, ó, esfinge.
- Decifra-me ou devoro-te.
- Insistes baseada em capricho, em franca desonestidade? Já logrei o mais difícil, que foi decifrar a mim mesmo. Segue meu exemplo. Pediste que a decifrasse e apresentaste um enigma sobre mim. Que pensas? Acaso és reflexo meu?
- Decifra-me ou devoro-te.
- Ah, então pedes por desespero. Podes devorar-me a carne, mas suplicas diante do espírito.
- Decifra-me ou devoro-te.
- Não existes sem mim, ó, esfinge. És pedra temperada pela vaidade de teu artesão.
- Decifra-me ou devoro-te.
- Devoras de qualquer maneira, bruteza.
- Bruteza? Temo o tempo, no entanto. Temo o vento. Temo o calor.
- De certo; a eles não podes devorar.
- Decifra-me ou devoro-te.
- Pede ao tempo. Pede ao calor. Fores apenas capaz de enxergá-los.
.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário