domingo, 16 de maio de 2010
O CAMINHO DA CARNE
Pelo lado feminino, a paixão é a ilusão da maternidade.
Amor sempre rima com dor.
Paixão rima com ilusão.
Amor não é aquilo que se chama amor.
Amor é amar a quem te dá as costas.
Amar quem te ama é amar a si mesmo.
Já é muito, vantagem pra outro patamar.
Decifra-me ou deixa pra lá.
Decifra-me ou deixa pra lá.
A esfinge enxerga o próprio umbigo.
Enquanto o herói assiste àquilo, está tudo mais do que muito bem:
ambos olhando para o mesmo lugar.
Desbrave-o, atente para o umbigo fazendo florir vontades imprevisíveis.
Atente para a mãe atônita diante dos espasmos involuntários do cordão.
Serpenteando, o oráculo dos sentidos, condutor misterioso da consciência do casal.
Até que o herói, de fome, sente o próprio umbigo doer;
cai de joelhos, flagelado, novamente sozinho em si.
Criança que chora é duas coisas: criança sua é problema seu.
Criança dos outros é problema e ponto.
Doeu o umbiguinho, foi? Tem mãe não, menino fraco?
Umbigo ligado a umbigo. Enquanto a mulher se sente mãe, cuida como se houvesse o cordão.
Pelo lado feminino, a paixão é a ilusão da maternidade.
A mulher apaixonada é como a ovelha que amamenta o filhote do boi.
Tudo é conexão. O casal são pólos conectados.
Quando a conexão falha, seja de lá para cá, seja de cá para lá,
só há duas coisas a fazer:
o certo era só contemplar.
Veja a natureza operando, separando os grãos de matéria;
mas você força pra ver convergir.
Segure em minha mão, pule para o fluxo de cá.
Transforma-te desta vez que, na próxima, eu faço o esforço.
Para tentar controlar o que, na realidade, é o que me compõe.
Decifra-me ou deixa pra lá
Decifra-me ou deixa pra lá.
A mulher ideal? Qualquer uma.
O homem ideal? Qualquer um.
O fruto está sempre lá.
Não é preciso a extração por meio de ferramentas.
As raízes do fruto escapam pelas órbitas.
Captam a dor, o amor e a flor.
O estado ideal do homem?
Precisa de tempo. De vida. De atenção.
O estado ideal da mulher?
Mesma coisa. Trabalho.
Seguindo o caminho da carne, somos bichos atendendo a hormônios.
Bichos sofridos no peito, ocupando a cabeça com discursos que levam séculos para dizer que discursos são perda de tempo.
Bichos com poder de compra. E com poder de descarte.
Temo a era da reciclagem.
Contemplo o desgaste de todo o material.
Desgaste, embrutecimento, couraças e mais couraças.
Proteger o bichinho interno. Mais frágil que sua armadura.
Decifra-me ou deixa pra lá.
Decifra-me ou deixa pra lá.
O padeiro abre a porta do forno e extrai um negro monolito.
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