segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

OUVIR, CONTEMPLAR E MEDITAR


Dirijo-me a todos os seres sencientes.

Todos aqueles que sentem, independente de serem - ou do quanto sejam - conscientes.


Uma vez eu li uma coisa simples:

"A quem os deuses mundanos podem ajudar, se eles mesmos estão confinados na prisão do samsara? Assim, quando você procurar ajuda, tomar o refúgio genuíno nas Três Jóias é a prática de um bodhisattva".

Pode parecer complicado, mas vou destrinchar parte por parte.

Deuses mundanos são santos, semideuses, guerreiros alçados ao patamar do divino etc.

Imagine uma coisa: em todo conflito que se trave entre pessoas, há sempre interesses sendo defendidos de ambos os lados. Lados que existem, que surgiram no mundo ao mesmo tempo e cuja existência não está relacionada à dos demais. Prova disso é que ambos os lados nasceram e estão aí.

Para o equilíbrio de todas as coisas, não faz diferença que estejam ambos aí. Logo, todos esses aparentes conflitos poderiam se dar em escalas mais tranqüilas, se ambos os lados tivessem a consciência da existência e da legitimidade do outro.

A guerra é o esgotamento dos recursos diplomáticos. Encará-la como algo nobre é escolha das pessoas. Não há nada de nobre em, em nome de se preservar a existência de um, eliminar a existência de outro. Não foi nenhum governo ou exército que te trouxe à vida e não cabe a nenhum desses agentes o direito de tirá-la.

Pensando assim, que valor haverá em um guerreiro? Que valor haverá em um guerreiro, algum valor que o coloque acima das limitações e das paixões humanas?

Não haverá. Portanto, recorrer a um guerreiro para solucionar seus problemas internos será insistir no erro de acreditar que o problema é externo.

A chamada prisão do samsara é nada além dos efeitos repetitivos das ações repetitivas do homem. Eliminando-se qualquer misticismo da sabedoria oriental, fica claro que estamos constantemente sofrendo os efeitos dos erros que repetimos ad nauseum. Quando o hinduísmo fala em romper com ciclos, é realmente a isso que se refere. Um guerreiro eterno, por exemplo, estará para sempre condenado a combater aqueles que sentem os efeitos de sua espada.

Estará ocupado o suficiente com isso.


As três jóias de um bodhisattva são:

.ouvir;
.contemplar;
.meditar.

Um bodhisattva é, literalmente, um ser de sabedoria. É alguém que se dedica a conhecer e, a partir do que reúne, passar adiante ao resto das pessoas, a fim de elevar o nível geral do planeta.

Existem trintessete práticas para um bodhisattva.

Transmito-as aqui abertamente. Como dizia nosso querido J.C., algumas sementes caem sobre rocha, mas outras caem sobre solo fértil.


Não preciso ser nada especial para me julgar no direito de dizer:

nós, que não vemos beleza no sofrimento, precisamos de toda ajuda possível.


[1] Tendo obtido o livre e bem favorecido nascimento humano,
Tão difícil de vir e tão poderoso,
Perseverando firmemente, noite e dia,
Para liberar a si e aos outros do oceano do samsara —
Ouvir, contemplar e meditar
É a prática de um bodhisattva.

[2] Diante dos amigos, apego como água turbulenta;
Diante dos inimigos, ódio como o fogo raivoso;
Obscurecidos pela ignorância, esquecemos o que deve
E o que não deve ser feito —
Deixar para trás a terra natal
É a prática de um bodhisattva.

[3] Quando as más circunstâncias são deixadas para trás,
As emoções e crenças obscuras diminuem gradualmente.
Sem distrações, a persistência diante da virtude aumenta naturalmente.
À medida que a consciência se esclarece, surge a certeza no Dharma —
Passar o tempo em solidão
É a prática de um bodhisattva.

[4] Durante a morte, a consciência visitante deixa o corpo para trás,
Como um hóspede deixando uma pensão,
Deixando para trás as pessoas amadas com quem ficamos por muito tempo,
Deixando para trás a riqueza ganha através do esforço.
Assim, abandonar as preocupações desta vida
É a prática de um bodhisattva.

[5] As pessoas com quem você está,
Que aumentam os três venenos,
Que enfraquecem as práticas do ouvir, contemplar e meditar,
Que minam a bondade amorosa e a compaixão —
Abandonar as más amizades
É a prática de um bodhisattva.

[6] Aqueles de quem você depende, que colocam fim aos vícios,
Que fazem aumentar as boas qualidades, como a lua crescente —
Manter estes amigos espirituais
Como sendo mais preciosos
Do que o seu próprio corpo
É a prática de um bodhisattva.

[7] A quem os deuses mundanos podem ajudar
Se eles mesmos estão confinados na prisão do samsara?
Assim, quando você procurar ajuda,
Tomar o refúgio genuíno nas Três Jóias
É a prática de um bodhisattva.

[8] O Buddha disse,
"O resultado das ações negativas
É o sofrimento dos reinos inferiores, tão difícil de suportar."
Portanto, não cometer atos ruins
Mesmo ao custo da própria vida
É a prática de um bodhisattva.

[9] A felicidade dos três mundos
É como o orvalho sobre uma folha de grama,
Que desaparece em um instante.
Esforçar-se pelo estado supremo —
A liberação que nunca muda —
É a prática de um bodhisattva.

[10] De que adianta a felicidade pessoal
Se cada mãe, que foi tão afetuosa com você
Desde um tempo sem início, está sofrendo?
Assim, para liberar um infinito número de seres sencientes,
Gerar a mente da iluminação
É a prática de um bodhisattva.

[11] Sem exceção, todo sofrimento vem
De querer felicidade apenas para si mesmo;
Os buddhas perfeitos são nascidos da aspiração de beneficiar os outros.
Assim, trocar verdadeiramente a própria felicidade
Pelo sofrimento dos outros
É a prática de um bodhisattva.

[12] Mesmo se alguém de grande cobiça
Roubar toda a sua riqueza, ou se alguém a roubou,
Dedicar ao ladrão o seu corpo,
Suas alegrias e seu mérito —
Passados, presentes e futuros —
É a prática de um bodhisattva.

[13] Mesmo se alguém cortar fora a sua cabeça,
Sem você nada ter feito de errado,
Tomar as negatividades daquela pessoa
Através do poder da compaixão
É a prática de um bodhisattva.

[14] Mesmo se alguém difamá-lo
Pela extensão de um bilhão de universos,
Falar das boas qualidades daquela pessoa
Com uma mente cuidadosa
É a prática de um bodhisattva.

[15] Mesmo se alguém insultá-lo no meio de uma multidão,
Apontando suas falhas escondidas —
Reverenciá-lo respeitosamente,
Vendo aquela pessoa como um amigo espiritual,
É a prática de um bodhisattva.

[16] Mesmo se alguém que você cuidou
Como se fosse o seu próprio filho
Considerá-lo como um inimigo —
Ser especialmente afetivo diante dele,
Como uma mãe cujo filho está doente,
É a prática de um bodhisattva.

[17] Mesmo se alguém, igual ou inferior a você,
Tratá-lo com desprezo e arrogância —
Colocá-lo respeitosamente acima de você,
Como você faria com seu professor,
É a prática de um bodhisattva.

[18] Mesmo que você esteja sem dinheiro,
Desprezado continuamente pelos homens,
Terrivelmente doente, golpeado pelas forças maléficas —
Tomar para si mesmo todos os atos ruins
E sofrimentos dos outros, sem perder a afeição,
É a prática de um bodhisattva.

[19] Mesmo sendo bem conhecido e respeitado,
Tão rico quanto Vaishravana —
Tendo visto que a riqueza e glória mundanas são sem essência,
Estar livre da arrogância
É a prática de um bodhisattva.

[20] Enquanto o inimigo interior, o próprio ódio, permanecer descontrolado,
Tentar subjugar os inimigos externos fará apenas aumentá-los ainda mais.
Portanto, domar o próprio fluxo mental
Com as forças da bondade amorosa e da compaixão
É a prática de um bodhisattva.

[21] O desejo é como beber água salgada —
Quanto mais você deixa, mais o apego aumenta.
Deixar ir imediatamente tudo o que faz surgir o apego
É prática de um bodhisattva.

[22] Os fenômenos aparentes, todos eles,
São fabricações da mente;
A natureza inata da mente
É separada das fabricações da mente.
Tendo visto isso, não se envolver com a percepção dualista
Ao ver coisas belas,
[23] Abster-se do apego ao ver os objetos
Como sendo tão amáveis e irreais
Quanto os arco-íris de verão,
É a prática de um bodhisattva.

[24] Tomar as aparências ilusórias como sendo reais
É tão exaustivo quanto ver a morte do próprio filho em um sonho —
Nossos muitos sofrimentos são assim.
Deste modo, considerando como fantasias
Os acontecimentos não desejados da vida,
[25] Aqueles que querem a iluminação
Devem dar seus próprios corpos se for necessário,
Sem falar também da doação de coisas externas.
Dar generosamente — sem esperança ou recompensa,
E sem o desejo de resultados —
É a prática de um bodhisattva.

[26] Sem ética, você não poderá alcançar benefício nem mesmo para si;
Então, querer beneficiar os outros será apenas uma piada.
Portanto, manter a ética que é livre de apego a este mundo
É a prática de um bodhisattva.

[27] Tudo o que é danoso é como um tesouro de jóias
Para o bodhisattva, que deseja os prazeres da virtude.
Assim, cultivar a paciência sem ódio ou ressentimento,
Diante de qualquer um,
É a prática de um bodhisattva.

[28] Apesar dos ouvintes e realizadores solitários
Realizarem benefício para si mesmos,
Eles se esforçam como se colocassem fogo em seus cabelos.
Fazer esforços dos quais nascem
As boas qualidades que beneficiam a todos os seres
É a prática de um bodhisattva.

[29] As emoções e crenças obscuras
São completamente conquistadas pela meditação analítica,
Que foi totalmente integrada com a meditação estabilizadora.
Compreendendo isto, praticar estados meditativos estáveis,
Além dos quatro estados de absorção mental do reino sem forma,
É a prática de um bodhisattva.

[30] Já que a iluminação perfeita não pode ser obtida
Apenas com cinco perfeições, sem sabedoria,
Cultivar a sabedoria que é livre dos conceitos,
Possuidora da pureza tríplice e dos meios hábeis,
É a prática de um bodhisattva.

[31] Se você não examinar sua confusão,
Você pode se tornar um charlatão
Disfarçado como um praticante de Dharma.
Portanto, sempre examinar a própria confusão
E então deixá-la para trás
É a prática de um bodhisattva.

[32] Devido à força das emoções e crenças obscurecidas,
Falar das falhas dos bodhisattvas
Cria máculas em si mesmo.
Portanto, não falar das falhas daqueles
Que estão no grande caminho
É a prática de um bodhisattva.

[33] As atividades do ouvir, contemplar e meditar
Tornam-se maculadas quando discutimos sobre bens e serviços.
Deixar o apego aos lares de amigos e benfeitores
É a prática de um bodhisattva.

[34] Ao falar de maneira rude,
A conduta de um bodhisattva torna-se maculada
E os outros seres sencientes são perturbados.
Portanto, abandonar as palavras rudes
E desagradáveis às mentes dos outros
É a prática de um bodhisattva.

[35] Uma vez acostumado aos estados densos e crenças primitivas
E habituado às emoções obscuras,
É difícil de revertê-las com antídotos.
Portanto, brandindo a arma da atenção,
Conquistar os estados mentais obscuros imediatamente quando surgirem
É a prática de um bodhisattva.

[36] Em resumo:
O que quer que você faça, em qualquer lugar onde esteja,
Olhe para o seu estado mental.
Manter continuamente a consciência atenta
Para realizar benefício aos outros
É a prática de um bodhisattva.

[37] Dedicar o mérito realizado pelos seus esforços
Para superar o sofrimento
De todos os seres sencientes —
Através da sabedoria completamente pura,
Livre dos conceitos de doador, recebedor e doado —
É a prática de um bodhisattva.

.

Texto do "autor":

Namo Lokeshvara,

Ininterruptamente, em ardorosa homenagem de corpo, fala e mente, inclino-me diante dos mestres supremos e do protetor Avalokiteshvara, que, cientes de que nada tem ida ou volta, trabalham unicamente para o bem de todos os seres.

Os buddhas perfeitos, fonte de todo o bem e de toda a felicidade, surgem da realização do Dharma sagrado. Doutrina. Como isto vem do conhecimento e do seu exercício, passo a explicar as práticas de um bodhisattva.


(...)

Para aqueles que desejam treinar no caminho do bodhisattva,
Apresentei estas Trinta e Sete Práticas de um Bodhisattva,
Baseadas no significado relatado nos sutras, tantras e shastras,
De acordo com as palavras dos seres sagrados.

Porém, já que é difícil para uma pessoa de baixo intelecto, como eu, compreender em profundidade a vasta conduta dos bodhisattvas, peço a paciência dos seres sagrados com quaisquer erros da lógica escrita, e assim por diante.

Por este mérito, possam todos os seres sencientes,
Através da suprema bodhichitta absoluta e relativa,
Se tornar como o senhor Avalokiteshvara,
Que está além dos extremos do nirvana e do samsara.


.

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