sábado, 6 de fevereiro de 2010

SONHOS


Meu sonho é virar diplomata e rodar o mundo oitocentas vezes, fazendo algum bem às pessoas que realmente precisam e sem nunca mais ter de pensar em grana.

Meu sonho é uma vida simples, ocupando o tempo com meu próximo, algo que já aprendi na pele que sempre retorna em forma de felicidade e paz de espírito.

Obrigado, Mangueira. Por duas vezes, vivi com você. Estou aberto à terceira.

Meu sonho é me dedicar a minha arte, até que, sem pensar no assunto, ela comece a me sustentar.

Meu sonho é sentar em um sofá, em uma casa de sítio, desfrutar prazeres simples e pensar apenas em arte e no que há de mais elevado - quando não estiver plantando em minha horta auto-sustentável ou colhendo dela tudo de que preciso.

Meu sonho é viver chapado no meio do mato.

Meu sonho é me livrar das últimas coisas que me prendem a necessidades sem-sentido, assumir a posição de lótus e nunca mais me levantar.

Meu sonho é morar de frente para a praia, ir à praia de manhã e à noite, trocar as noitadas pelo vai-e-vem das ondas.

Meu sonho é casar, ter filhos e só pensar no universo que criei dentro de casa.

Meu sonho é ganhar o que me falta de auto-estima e me manter celibatário para sempre, livre dos jogos de sedução, rejeição e auto-afirmação.

Meu sonho é que se acendam luzes nas cabeças de meus familiares.

Meu sonho é não mais olhá-los como família, mas apenas como pessoas, gente sofrida e que ilude a si mesma e aos outros o tempo inteiro.

Meu sonho é que amor queira dizer amor, que ajuda queira dizer ajuda, que preocupação queira dizer preocupação.

Meu sonho é que aquele que ajuda não se enxergue automaticamente em posição de poder ou superioridade.

Meu sonho é que o ajudado não seja visto jamais como um inferior.

Meu sonho é que se troquem mais amor, mais favores, mais interesse pelo outro.

Meu sonho é que não se nivelem por baixo, passando à frente apenas o pouco amor que receberam.

Meu sonho é que não se contentem com pouco.

Meu sonho é que vivam pensando na vida, e não nos olhares de terceiros.

Meu sonho é que se amem mais.

Meu sonho é ser acolhido pela família.

Meu sonho é não depender deles para nada, visto que todo presente vem com a cara, o preço e as marcas de quem o ofereceu.

Meu sonho é viver por quanto tempo seja possível, sem jamais abrir mão da vida ou do caráter em nome de ganhar mais tempo ou luxo sobre a Terra.

Meu sonho é morrer exatamente no momento em que for apropriado; nem um segundo antes, nem uma dose de remédio depois.

Já até estou pronto. Se for agora, que seja enfim. Entrego-me inteiro, aqui.

Meu sonho é jamais depender da indústria farmacêutica para nada; já aprendi que há agentes nessa vida cujo interesse mais sincero é nossa doença, nossa miséria e nossa dependência.

A tecnologia para tratar de todos já está disponível.

Meu sonho é não devotar um segundo de vida que seja àqueles que se alimentam justamente da vida, do tempo, da ocupação que lhes dispenso.

Meu sonho é que todos vivam em paz como escolherem, sabendo que tudo é uma escolha.

Meu sonho é que todos aqueles que se referem "às coisas como são" dêem uma viajada por aí e constatem que as coisas não são as obras das pessoas, e que, acima dessas obras, existe o mundo real, a natureza, os sentimentos de verdade.

Meu sonho é que percebam que abrir mão da vida em nome do dinheiro já é em si um prejuízo incalculável.

Otimismo? A doença do "ótimo"? O canto do mendigo? A cegueira que chama de bom o mínimo que terceiros deixaram para trás?

Pessimismo? A mazela da limitação visual? Aquela que flagra apenas o que não dá certo?

Realismo? A visão estreita do homem, que chama de realidade qualquer teatrinho que montem diante de si?

Mude-se para o Sudão. Em algum momento, uma pessoa mais velha vai tentar te convencer a cortar fora o clitóris de sua namorada. Afinal, ali, é assim que as coisas são. "Sejamos realistas", alguém vai dizer.

Idealismo? A opinião de que a idéia é anterior à realidade? O domínio do ego, da lucidez limitada, da razão, sobre a essência das coisas?

Não. Mas não mesmo.

Que cada um compreenda que, por mais esperto que seja, sempre será capaz de apreender apenas o que já tem dentro de si. Quem te vê como louco tem dentro de si a loucura necessária para identificá-la em você. Quem te vê como vagabundo tem dentro de si o desejo de vagabundear, embora não tenha culhão suficiente para admiti-lo. O princípio é extensivo e ilimitado no tempo e no espaço.

Esperança, não tenho nenhuma. Esperança pressupõe que as coisas acontecem por mágica, e não fruto de algum processo.

Fé no ser humano, tenho menos ainda. Trata-se o homem de um bicho, sujeito às regras gerais da selva, alcançando por vezes, com esforço, apenas quando se dispõe, um mínimo de sentimento, por baixo de seu estreito e mesquinho instinto de sobrevivência.

Tenho amor pelo homem, sou um homem, mas não tenho fé. Não esperança. Absolutamente nenhuma.

Já aprendi que qualquer espécie de mudança, progresso ou evolução acontece por vontade. Por interesse. E qualquer dessas coisas só existe de dentro para fora. É o homem que muda, se encontra entre outros que mudam, e aí o contexto geral é alterado. Não acredito em revoluções, em leis, em novas ordens. Tudo, mesmo a tão clamada PAZ, parte de dentro. Mas não está na natureza humana, segundo vejo, qualquer desejo divino.

Não está ali também qualquer desejo mortal. Vejo o homem, a criança, como uma página em branco, sujeita às conclusões a que chegaram os mais velhos. Ensinem um menino a ser um caçador e assim ele será. Ensinem-no a ser um fazendeiro e assim ele será. Ensinem-no que ele mesmo é um cão e esperem para ver como ele vai agir.

Esperança, nenhuma.

Tenhos sonhos. No máximo, tenho sonhos.

E tenho a eternidade por cima, cobrindo qualquer dificuldade de compreender o que já passou da fase de ser entendido: está aí para ser desfrutado.

No presente.

No presente, estou mudando novamente. De trabalho, de cidade, o meio do caminho está mudando. Não o fim, mas o meio. Encaro as incógnitas que tenho diante de mim como lições a serem aprendidas.

Tudo é neutro. Não há novidade boa, não há novidade ruim.

Em relação aos próximos dias, não sei o que vai acontecer. Sei, no entanto, a que coisa estou ligado: a minha vida. Abaixo disso, o que precisar ser deixado pelo caminho será abandonado sem que eu olhe uma única vez para trás.

Confio na força que faz tudo acontecer. Aguardo para ver que papel me está sendo destinado.

Faço minha parte, que é procurar manter os olhos abertos e o coração fervilhante.

Confio apenas na força. Presente em mim mesmo e presente em todas as coisas.

Apenas na força, eu confio.

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2 comentários:

Flavia C. disse...

O que dizer? (Re)conhecer e (re)conhecer-se em linhas tão bem esquadrinhadas é um prazer. Sua escrita é exaustiva no melhor sentido que posso imaginar para essa palavra; virginanos como eu adoram essa fluidez, a fusão ideal entre raciocínio e papel.
Sempre serão insufucientes os elogios. Parabéns.

Carlos Jazzmo disse...

puxa...

obrigado, hein?

o que dizer? : )

beijo!!!