quarta-feira, 8 de setembro de 2010

HAPPINESS IS A BUBBLE GUM


Folha de São Paulo: "Felicidade custa R$ 11 mil por mês, aponta estudo".

Com o limite de crédito do seu banco, você pode ser feliz agora.


Existe uma pauta econômica que você provavelmente jamais vai ver em um grande jornal:

quando você vai ao supermercado ou à padaria,

quanto tempo leva para pagar as compras com dinheiro vivo?

E quanto tempo leva para pagar as compras com cartão de banco?


Se você nunca calculou (acho difícil), fique atento às pessoas na frente, na fila.


Será que, para efeitos de respeito ao cidadão - ou ao consumidor, perdão -, não faria sentido criarem filas preferenciais ou exclusivas para quem paga com cartão?

Até porque, teoricamente, dentro da noção de Estado Nacional, a moeda corrente, oficial, central, poderia ter alguma preferência sobre as moedas das empresas, não?

Ah, não fariam isso. Porque essas filas fatalmente, já no primeiro dia de funcionamento, revelar-se-iam muito mais demoradas do que as filas do dinheiro vivo.

A cada vez que uma madame ou um pobre desejoso de se 'inserir' em sei lá o quê começasse a gerar papeizinhos e mais papeizinhos, digitaçõezinhas e mais digitaçõezinhas, senhas certas e erradas, os demais associados bufariam, estalariam as línguas e catariam nos bolsos uma nota ou duas, um punhado de moedas, ansiosos por trocarem de fila de uma vez e irem embora daquele lugar.

Digo: daquela loja, daquele estabelecimento filosófico-iniciático-comercial onde os funcionários 'vestem a camisa' e sentem-se como se estivessem em casa, embora recebam apenas o suficiente para estarem ali no dia seguinte e manterem-se assim até o fim da vida, exatamente como no período imediatamente posterior à escravidão oficial, quando os servos moravam, consumiam e se endividavam nas mesmas fazendas onde antes eram oficialmente cativos.

Talvez, se, um dia, o Banco Central de algum país moderno começar a patrocinar esses telejornais, em vez de serem os Mecenas esses mesmos bancos, algo de realmente sincero seja cogitado a esse respeito.

A tendência, no entanto, é o contrário.

Por que, afinal, se usam os cartões? O argumento da segurança é o mais eficiente e pode ser aplicado a tudo. Já sabemos que, hoje, a segurança (e a insegurança) é a fé mais eficiente que se pode implantar num bicho perdido diante da vida como somos, homens mais ou menos comuns.

Medo, podemos sentir de tudo. Assalto é apenas um deles. Há ainda o medo do terror.

Sim, caro amigo do ano 2155: no início do século XXI, tínhamos "medo do terror". Toda noite, ligávamos a televisão e sabíamos do terror que nos havia espreitado ao longo de todo o dia, mesmo que não tivéssemos notado qualquer coisa de anormal ou ameaçadora a nosso redor.

Mas usam-se cartões como se usam marcas de roupas ou se pagam por esse ou aquele restaurante, onde a comida não é necessariamente melhor, mas onde se aplicam filtros sociais, estéticos e afins.

Você paga um mísero refrigerante no cartão porque acredita que é mais cômodo. Digo: você participa de algo, assim como gosta de estar a par do último lançamento do cinema, ainda que saiba, pelo tema, que o filme não lhe diz qualquer respeito. Você quer estar inserido.

Hoje, até a dita velha esquerda chega a cadeiras presidenciais e vai à televisão estimular o pobre a consumir. A idéia é que todos façam parte. De quê?

Você usa seu cartão para acompanhar o passo das coisas. Usa porque acredita que a sociedade, como um todo, dotada da mesma inteligência e desse mesmo 'bom-senso' que dizem que você tem, já que é cliente dessa empresa e não daquela, avança rumo à... felicidade.


Jornal Folha de São Paulo: "Felicidade custa R$ 11 mil por mês, aponta estudo".

Bem, com o limite de crédito do seu banco, você pode ser feliz AGORA.


Jornal Folha de São Paulo: "Crédito ao consumidor dos EUA recua US$ 3,6 bilhões em julho; Obama anuncia novos estímulos à economia".

E assim, de esperança em esperança, de nova moda em nova moda, de novo nome em novo nome, de nova marca em nova marca,

o ser humano avança na busca pela felicidade.


Apocalypse: vrs.port.séc.xxi: o dia em que o sistema sair do ar.

"Happiness is a warm gun" - The Beatles.


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2 comentários:

g i l s o n d e n n y disse...

Engraçado... Ouvi falar sobre esse estudo de quanto custa a felicidade há uns 8 anos atrás.... naquela época custava R$6 mil... pelo jeito inflacionou bastante!
Um abraço!

Carlos Jazzmo disse...

pois é... hehehe. sendo bem irônico, "é que as coisas mudam, né"?

percebe que o sol, por exemplo, antigamente, ficava no céu por umas vinte horas. hoje já são apenas doze.

se uma marca de protetor solar qualquer ficar muito rica, talvez ela convença o sol a ficar mais tempo no céu. não é?

antigamente, o homem só precisava dormir cinco horas por noite. hoje são cerca de oito.

antigamente, a gente envelhecia. agora, podemos driblar o tempo. basta injetar um botulismo no rosto que o tempo pára.

ou não é nada disso?

e assim, neguinho perde de vista que tem coisas que mudam e coisas que não mudam jamais.

sem essa distinção, fica todo mundo correndo atrás da última novidade como se não pudesse viver sem ela.

os hindus chamam essa distinção, que é justamente uma das peças fundamentais para você alcançar alguma forma de felicidade, de "viveka".

ainda segundo esses curiosos hindus, a ausência de 'viveka' implica quase que necessariamente em an-gús-ti-a.

agora, posso me esgoelar que não vai adiantar: essa 'sociedade' não está caminhando para felicidade nenhuma. está caminhando para concentrar ainda mais poder nas mãos de quem já o tem.

já a massa das pessoas, o famoso "resto", só muda de maquiagem. o status real do ser humano, na prática, muda pouco. é bicho de carga mesmo.

esse homem moderno ocidental, na prática, é nada além de um 'input' de consumo. é a imensa massa consumidora que justifica as dimensões da indústria. é a massa consumidora que serve de álibi para aqueles que desviam a atenção das soluções tradicionais (acesso a terras, jornada de trabalho menor etc.).

percebam que até presidentes de esquerda, como citei no texto, vão à TV estimular o pobre a consumir.

somos consumidores. quanto tempo ainda dura esse discurso da liberdade, da modernidade, do "pursuit of happiness" através de coisas externas... aí vai depender da competência dessa gente para manter o ser humano na tosqueira.

já se mostraram bem competentes.

este é o planeta do poder. o poder, como dizia Jung, é a sombra do amor. onde um está, o outro não está.

se um dia a NATUREZA do convívio do ser humano mudar, tudo vai ruir de uma vez só.

o caminho é sentir. sintam o que está mudando e o que não vai mudar jamais.

exemplo simples: de que adianta liberdade de expressão se o homem não tem mais conteúdo? abre a boca e fala o quê?

uma marca de algo novo, normalmente.

abração, querido.