quinta-feira, 26 de novembro de 2009

EGRÉGORAS: SOBREVIVA

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Hoje resolvi falar de opostos.

O tema não surgiu do nada. Estamos, no mundo, vivendo um momento em que os diversos grupos humanos conseguiram levar adiante suas variadas formas de organização social, política e econômica, e, como imensas comitivas de apresentação, encontram-se no meio do caminho e dão origem ao que se escolheu chamar globalização.

Hoje, não há virtualmente um só ponto na Terra que não esteja ocupado ou pelo menos registrado pelas entidades centrais de controle. Boa parte da Amazônia continua vazia, assim como desertos, ilhas e acidentes geográficos diversos, mas não há coordenada que mantenha-se oculta ou livre do controle de algum país, empresa ou entidade.

Há cerca de alguns dias, líderes mundiais encontraram-se para debater sobre o clima do planeta. O encontro pode ser visto como o coroamento de uma contradição que vai ao fundo do ser humano:

o mesmo ser humano que gosta de crer-se em processo de evolução, que usa o avanço tecnológico para embasar a idéia, e que usa a idéia da superioridade cultural para empreender seus movimentos econômicos tem o cacoete de rejeitar propostas e soluções ousadas para problemas gerais alegando sermos todos animais, incapazes de levar a cabo qualquer intento que pareça idealista.

O discurso do controle se baseia na superioridade. A resposta à razão, por outro lado, se dá pela alegação da irracionalidade. Se isso não parte de uma mentira evidente, pode-se dizer no mínimo que baseia-se sobre a ignorância e a desatenção dos demais.

Vejam: as mesmas figuras que ocupam nosso imaginário há anos, décadas e séculos com o discurso da ciência, da razão e da ordem desistem desse discurso quando suas vantagens materiais mais imediatas parecem ser ameaçadas por alguma tentativa de nivelamento entre os homens. São pessoas que organizaram-se, que lutaram com toda a sua esperteza para assumir o controle das vidas de todos, mas que, diante de um empurrãozinho para a frente, dão o golpe do João-sem-braço e alegam que é tudo uma selva e que cada um deve agir por si mesmo.

Qualquer um que tenha o mínimo de interesse por política e pelos rumos do planeta já deve ter percebido que homem nenhum, sozinho, munido apenas de boas idéias, consegue implementar o que quer que seja. Aqueles que estudam política mais a fundo já devem ter percebido também que esse assunto é gerido por pessoas. Não há influências sobrenaturais, não há um destino que jogue os líderes em caminhos muito diferentes do que imaginaram ou algo assim.

Quem estuda a fundo sabe inclusive que movimentos como o nazismo, o fascismo, o comunismo e mesmo as revoluções burguesas - lideradas por empresários, banqueiros etc - como a americana ou a francesa, que foi realizada pelas mesmas cabeças da americana, partem da idéia de um grupo comportando-se como apenas uma pessoa. De forma coesa, hierarquizada e disciplinada.

De outra forma, desorganizados, banqueiros e empresários - inclusive das comunicações - não teriam dado golpes em reis e não teriam assumido para si o controle das sociedades.

Voltando aos dias de hoje: por ocasião do encontro sobre o clima, o presidente do Brasil fez um apelo humano, desesperado, para que os principais líderes mundiais - os que mais poluem e mais movimentam recursos no planeta - percebessem que os destinos da humanidade estão todos interligados. Foi um apelo para que pensassem nas conseqüências da estreiteza. Um apelo para que percebessem que o lixo emanado dali voltaria ali, mesmo que tivesse sido jogado bem longe. A fim de tornar a imagem clara, nosso presidente declarou que a Terra é redonda. Uma maneira de dizer inclusive que o mundo dá voltas.

Pois bem: não bastasse a indiferença geral diante do problema, as maiores empresas do país, coincidentemente entre elas a maior empresa de comunicação do país (a teórica irradiadora de CONHECIMENTO) preferiu assimilar apenas o tom de piada da constatação do homem. A Terra é redonda, disseram. Ainda bem que o presidente avisou.

Parece-me claro que o planeta Terra sofre de apenas uma mazela: cada ser humano vivo é depositário de uma fração da realidade. Cada pessoa que vive é capaz de reter na consciência uma fração do universo. Ainda assim, está na raiz da vaidade humana, na raiz do ego, o desejo de crer-se dotado de toda a verdade. Mesmo quem não estuda, não pesquisa, não vai atrás do conhecimento, nutre a doce ilusão de sentar-se por 45 minutos diante da tevê e aprender tudo o que existe no mundo.

É inclusive a partir dessa ilusão que certos agentes colocam-se realmente como se fossem iluminados, imparciais e extremamente cultos. Não são. São operários servindo a patrões e reproduzindo o mesmo erro vaidoso. Um mallandro visita um país completamente diferente, depois de anos de aprendizado restrito, e julga-se capaz de "informar" o resto das pessoas. E as pessoas, desesperadas para sairem por um segundo que seja da mais total ignorância, aceitam qualquer afago.

Há manipulação? É evidente. Mas só há porque ambos os lados assim decidiram.

Deixando mais clara a idéia das visões restritas e da mazela única do planeta, vou adiante.

Sentado aqui, olhando naquela direção, eu vejo o prédio em frente. Alguém que esteja na janela em frente vai ver a mim. Não vai ver próprio prédio.

E aí? Qual dos dois viu certo? O que, afinal, existe aqui em frente? O outro prédio ou o meu?

É evidente que existem os dois.

Ontem, assistindo à tevê, ouvi comentários sobre o falecido Aiatolá Komeini. A tevê trazia a aparente imensa contradição do aiatolá. Segundo leu-se em um livro do iraniano, "o vinho e as demais bebidas que embriagam são impuros. Já o ópio e o haxixe, esses não o são".

Reparem que a idéia é no mínimo original. Não há dificuldade em se achincalhar a idéia. Percebam, no entanto, que, aqui, no prédio daqui, no prédio "ocidental", o vinho e as demais bebidas são sinal de status social, enquanto o ópio e o haxixe são caso de polícia.

Qual a diferença?

Qual a metade da bola que é mais importante?

Existe um conceito filosófico e místico chamado egrégora. Uma egrégora é coisa simples de ser explicada.

Imagine que você e mais três amigos estão fechados em uma sala. Depois de algum tempo, o trio começará a emitir calor, cheiros, sons etc. Essas energias, chamemo-nas assim, hão de ficar se acumulando dentro do ambiente.

Agora perceba, sem grande esforço, que há energias em torno de nós que não são necessariamente captadas pelos cinco sentidos. Um exemplo? O raio ultra-violeta. Você já viu algum? E tem dúvidas de que ele existe?

Pois muito bem: agora imagine que você e seus três amigos passam uma semana nessa sala, trocando conceitos e opiniões sobre política, por exemplo. Depois de algum tempo, algum consenso nascerá dali.

Imagine então que esta sala está fechada em relação ao resto do mundo. Há abertura de ar, mas nenhuma informação externa chega ali. Apenas a informação que o porteiro da sala deixa passar. Se há uma guerra lá fora, o porteiro diz que há uma comemoração pela vitória do Flamengo. Se cai granizo, o porteiro diz que é chuva. Enquanto isso, você está dentro da sala, com seus amigos, assimilando o que diz o porteiro e incorporando às suas conversas.

Até que um dia a sala se abre e todo mundo sai dali. Parece-me claro que você sairá da sala com uma certa visão de mundo. E parece claro que precisará negociá-la com o resto do mundo, a fim de conviver em sociedade.

Agora imagine que você tenha passado tanto tempo dentro da sala que os discursos que ouviu sejam tão consistentes que nenhum outro consiga penetrar em você. Vai haver um choque.

Imagine ainda que você saia da sala com idéias tão ousadas que a sociedade não queira ou não aceite mais te incorporar. Haverá um choque.

Aí você pensa: mas eu não vivo em uma sala. Eu vivo no planeta e recebo informações do planeta inteiro.

Será?

Imagine alguém que vive, trabalha e tem amigos em um mesmo bairro determinado. Imagine que essa pessoa não tem tevê a cabo, apenas um canal de tevê, não lê jornais e não viaja pelo planeta. Não é a mesma sala de antes? Invisível, como o raio ultra-violeta, mas, ainda assim, real?

E imagine que esse bairro tenha um administrador, dono de uma empresa que paga os anúncios na tevê local e que assim permite que ela continue transmitindo. É interesse do administrador que você assista àquela tevê, assim como é interesse da tevê que você respeite o administrador. São esses dois agentes que mantêm a sala "em ordem". Ignore ambos e é bem possível que sua mente se abra para a curiosidade sobre a sala ao lado. O que faria você mudar de ótica, de conteúdo e, assim, mudar também o conteúdo de sua própria sala.

Voltemos às egrégoras. Egrégoras são o somatório de todas as energias emanadas por um determinado grupo, dentro de um determinado espaço. Ponha duzentas pessoas dentro de uma sala, aterrorize-as com alguma ameaça externa e repare em como as pessoas passam a se comportar. Repare que a sala vai ganhando ares terríveis. Chega uma hora em que a ansiedade e o desespero é tanto que não será difícil convencer os circunstantes a sair dali quebrando tudo. Basta dizer-lhes que o que os prende na sala não é o medo imposto, mas a ameaça real de quem está fora da sala. Se eles quiserem sair, precisarão aniquilar quem está do lado de fora.

Ora, então você sai da sala imbuído de medo e preconceitos. Se você não conhece o planeta, mas apenas a sala, você lida apenas com a existência das coisas da sala. Se na sala não há um cachorro, quando você se deparar com um não vai poder pensar: é apenas um cachorro. Você vai olhar o bicho e vai encará-lo como um monstro.

O planeta, diferente da mentalidade estreita das pessoas, abriga todos os opostos.

Na verdade, o planeta é o resultado do encontro constante entre os opostos. É a riqueza e a diversidade de elementos da Terra que inclusive possibilita a existência do que chamamos de vida.

E o planeta, assim como qualquer indivíduo isolado, pode ser compreendido através de correlações.

Um exemplo simples: em um certo país muçulmano, um grupo mercenário chamado Taliban foi incentivado, treinado e armado pelos EUA, a fim de fazer frente a seu então rival ou oposto, a URSS.

Diante desse choque de opostos, um dos lados resolveu investir no Taliban. Hoje, encerrada a oposição EUA e URSS, sobrou o Taliban forte e dominante, que agora passou a ser o oposto preferido pelos EUA. Assim como o mais conveniente, já que movimenta a imensa indústria americana de armas - o principal produto de exportação dos EUA. Hoje é fato: sem guerras, os EUA vão à falência. Hoje, o mundo se ampara em um traficante de armas. Esse é o espírito que comanda, esses são os valores que comandam e essa é a egrégora que se forma.

O mundo está tosco? De onde é irradiada a tosqueira? Quais são os valores dominantes, aqueles que lutamos para defender?

Voltando ao cerne: o Taliban tem suas críticas mais fáceis na maneira como encara os costumes. Roupas femininas são o argumento mais usado por alguns para criticar o grupo de mercenários. Sim, porque a questão da ditadura, da repressão, da violação aos direitos humanos não é levada em conta na Arábia Saudita, no Paquistão ou em diversos outros aliados daqueles que alegam defender a liberdade. O problema do Taliban não é esse. Não é a repressão à liberdade. Aos olhos do público, segundo o que é apresentado ao público, não é esse.

Agora percebam: de um lado do planeta, você cria uma sociedade repressora, que tenta controlar um dos mais preciosos bens do planeta, que são os encantos femininos. Faz isso, supostamente, a fim de libertá-las da sanha de controle do homem. Para que as mulheres vivam em paz, eles as escondem.

Do lado de cá, por outro caminho, a oportunidade de virar um objeto sexual virou questão de honra. Na sala de cá, a repressão é ao status de objeto descartado. Que seja a mulher um objeto, mas que seja um objeto amado. Que receba de fora a auto-estima que não é capaz de nutrir por si mesma. Sim, é isso o que fazemos aqui: convencemos a mulher de que é um bibelô. Mesmo isso é tão radical que hoje, diante da chance de fazerem virtualmente o que quiserem, mulheres estão se dividindo em dois grupos radicais: as que aceitam ser objeto de bom-grado e as que resistem a isso, migrando cada vez mais à postura masculina (ou machista) que enxergam como a única alternativa. Cada vez mais dinâmicas, cada vez menos atentas a seu lado imaterial. Viraram ganhadoras de dinheiro. Bichos na selva do mais esperto.

Aqui, tanta foi a manipulação sobre as mulheres ao longo dos séculos, que o jogo virou e não se sabe mais o que se está buscando.

Em termos mundiais, de um lado, a questão torna-se explícita no Taliban. Do outro lado, é a Uniban.

Um esconde demais, outro mostra tudo.

Parece jogo de palavras? Assim como Obama e Osama? Pois é, certas lógicas podem não ser tão evidentes mesmo.

Taliban e Uniban. Um reprime, outro cria um ambiente tão depravado e destrutivo que uma concentração de jovens dentro de uma sala acaba explodindo como vimos nos jornais. Centenas de jovens pensando apenas em sexo. Uma menina movida a sexo e ao desejo de sentir-se importante. O resultado? Todo mundo viu.

O fenômeno da Uniban, inclusive, não foi peça única. Na mesma faculdade, semanas antes, outra jovem foi espancada, arrancada de dentro do carro, já que recusou-se a participar de uma manifestação.

Outro caso idêntico foi o da menina Eloá: centenas de pessoas sem mais o que fazer, paradas no meio da rua, esperando fortemente que alguma tragédia acontecesse. A mídia toda transmitindo em tempo real, a fim de obviamente não perder o "momento crucial". Ou seja: o tiro. Uma polícia exaustivamente treinada para um mundo cão. No Rio, inclusive, o símbolo das operações especiais da polícia é uma caveira atravessada por um punhal. Esse é o clima que se cria. Essa é a egrégora. Hoje, no Rio de Janeiro, a força "do bem" veste-se de negro e grita "caveira!".

E ali, a Eloá. Além de tudo o que cito, inclua aí uma menina sem perspectivas que, quase voluntariamente, adentrou a casa do assassino, pais sem qualquer coisa na cabeça, um pai que já era procurado pela polícia e um menino perturbado que foi aceito no seio da família. Junte isso tudo, ponha em uma panela de pressão e você cria um pequeno universo, com situações próprias e valores próprios. Não é de se espantar que, no meio desse circo dos horrores, a amiga da vítima tenha voltado ao lugar do crime, apenas para receber seu próprio tiro.

Voltou por quê? Porque a situação levava a isso. Conduzia a isso. Egrégora. Dentro daquele microcosmo, a lógica geral dizia que a menina voltasse ao apartamento e sim, fosse baleada.

Alguém que estava vendo tevê naquele momento percebeu que TODOS (inclusive eu) viram um tiro que não ocorreu? Um tiro que teoricamente levou a polícia a arrombar a casa e sair atirando? Pois é: aquele primeiro tiro não houve. Mas todo mundo viu. Agora pensem na força de centenas de pessoas (milhões, pela tevê) torcendo para que a ação se desenrolasse de uma vez. Será que isso, esse desejo sombrio todo, não é capaz de gerar a impressão de um tiro?

Será que o desejo não leva à impressão?

Pesquisem sobre egrégoras. Assistam ao filme "Fim dos dias". E fiquem já com a dica do spoiler: a receita é manter o estado de espírito constante.

Não é complicado encontrar o meio-termo no estilo de vida do ser humano. Não é difícil encontrar o ponto em que todas as salas, todas as sociedades, sejam capazes de conviver e trocar informações. Mas para que isso ocorra, é preciso que cada um seja capaz de olhar além da sala. Se fizer isso, vai passar a se detestar por ter perdido tanto tempo. Ao mesmo tempo, a brutal expansão de consciência que essa abertura geraria seria tão violenta que o novo viajante não seria capaz de convencer-se a perder tempo combatendo quem quer que fosse. Sairia para brincar e azar do porteiro antigo.

A questão é que o porteiro sabe de sua função. E por mais que ele diga que, lá fora, é cada um por si, ele é parte de um grupo de porteiros que circula livremente e troca a guarda com seus companheiros. Todos os porteiros a fim de uma mesma coisa: controle sobre si e sobre os outros. Esse porteiro pensa que controlar os outros vai lhe garantir, por comparação, uma posição superior. Não sabe, no entanto, que perde a vida trabalhando para que seus superiores mantenham todos presos em salas.

Não há diferença entre o preso e o carcereiro. Estão ambos encerrados por grades.

E enquanto isso, o planeta vai na espiral descendente. E ao longo do movimento, o desespero aumenta, assim como a tentação de dizer que a culpa é de Fulano ou Ciclano.

Em um ponto assim, o que é mais conveniente do que um inimigo comum?

Não se enganem: além de sua própria consciência, só o que há é o ego dos outros. Duvide de quem lhe afaga a cabeça e diz protegê-lo dos monstros. Não há monstros aqui. Só há ignorância e seu filho mais velho, o conhecido sofrimento.

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