sábado, 28 de novembro de 2009

TESÃO NO MEIO DO MATO

.

Cheguei em Sampa no início deste ano, o de 2009. Cheguei em janeiro e saí à cata de apartamento e emprego.

Consegui o apê no prédio que queria, na avenida que havia escolhido.

Consegui o emprego que sonhara, lidando apenas com arte. Não com música, mas com literatura. Escrever é um esforço, sim, não é puro transe místico, mas preciso confessar que, quando deixei Brasília, não permiti que minha imaginação fabricasse um futuro ainda mais ousado. Então estou vivendo de escrever.

Enquanto cuido de minhas músicas e enquanto estudo assuntos outros, estou vivendo de escrever.

Tenho escrito romances. Daqueles que vendem em bancas de jornal. Na verdade, eu ando traduzindo esses livros. Traduzindo e editando. Se bem que não é exatamente tradução. Se fosse, sem pobrema. Mas agora mesmo, estou me preparando para mais uma enfiada de texto. E estou com o coração na mão.

Explico: eu recebo pelo que produzo. Na teoria, não tenho prazos ou horários. Escrevo o quanto quero e entrego na hora que escolho. O problema é que a coisa acaba não funcionando assim. Meu limite, como os mais espertos já devem ter flagrado, é o limite da conta bancária. É a quantidade de grana que tenho no banco que está definindo o quanto eu devo produzir.

Certo. Nessa busca pelo ponto perfeito, pelo ritmo e pela batida perfeita, acabei descobrindo que sou bastante rápido. Enquanto meus colegas de editora levam meses para traduzir um livro, eu faço o mesmo sem problemas em dez dias.

Hum, mas então qual o pobrema? O pobrema - ou poblema - é que quanto mais fiel eu consigo ser ao texto original, menos gostam minhas chefes. Cheguei a um ponto em que consigo traduzir como se apenas copiasse. O tempo que levo por página é o mesmo tempo que levaria para apenas passar algo a limpo.

Só que aí o texto fica com a mesma cara do texto dos autores americanos, ingleses, irlandeses, australianos etc.

E qual minha surpresa ao descobrir que o texto original não serve? Qual minha surpresa ao descobrir que os saltos interpretativos são o mais apreciado na história? Qual minha surpresa ao descobrir que, quanto mais eu viajo no texto, melhor a coisa vai ficando?

É, com viagem é mais caro.

Até cerca de duas semanas atrás, eu estava bem na fita. Minhas chefes rasgavam-se em elogios e eu sentia como se tudo estivesse resolvido pelos próximos anos, até que eu pudesse dar meus novos saltos. Agora, no entanto, depois de dois livros traduzidos quase ao pé da letra, escrevo mais um com o coração na mão.

Existe coisa mais difícil do que trabalhar contra o que diz um chefe? Tudo bem quando ele diz: "gostei muito. Faça de novo". Mas e quando ele diz algo como "seu texto está dando um trabalho danado para o copidesque"?

Como você faz? Nasce de novo? Tenta inventar do zero?

E se aquilo for apenas um aviso sobre como ela se sente, algo que pode ser transformado em "olha, querido, andei pensando e acho melhor...".

Argh, nem consigo terminar a frase.

A solução que encontrei até aqui foi escrever mais devagar e reler cada parágrafo depois de escrevê-lo.

Já descobri que minhas chefes não estão mesmo preocupadas com prazo. Então toda vez que eu correr para entregar um livro logo vou ouvir que o texto não ficou bom.

Bem, é um dilema. Se o trabalho feito da maneira original já era função de chinês, agora talvez seja algo cambodjano ou vietnamita.

Os livros que escrevo falam de sexo. De amor. De desejo. Você conhece esses livros.

Estou cansado. Estressado, cansado e pobre. Andei com um certo pobrema nas costas, por passar tempo demais escrevendo, e meu trabalho está todo atrasado. Digo: tomando como referência minha conta bancária.

A vida é engraçada. Algo que ontem parecia sua salvação hoje já te faz pensar em como a vida é dura. Sonhei com um emprego assim e agora sonho em poder descansar.

Talvez dê tudo certo. Dentro de uns dez dias de pura e insana ralação, posso estar mais tranqüilo. Ao mesmo tempo, como escrevo aqui correndo, com o coração na mão, um tanto cego pelo comentário de minha chefe, parece que este livro é o primeiro. Parece que acabei de chegar em Sampa e parece que tudo mais uma vez está incerto.

Não gosto dessa incerteza. Ainda não consegui arranjar uma maneira de simplesmente surfar sobre os compromissos mundanos, a fim de realmente viver pelas brechas. Estou tentando aumentar essas brechas, mas confesso que o impedimento tem sido o dinheiro.

Bem, tesão e dinheiro. Muita gente acha que os dois caminham juntos. Confesso que pensar em grana me broxa. E pensar em sexo me faz perder os prazos.

Acho que o escritor que escreve sobre sexo é parecido com a prostituta, que transforma em obrigação o que antes era prazer. Tenho medo de algum dia interromper uma trepada para consertar a concordância da moça. Tenho medo de receber uma cantada igual às dos livros e ter uma síncope; começar a gritar que hoje é sábado e eu não deveria estar trabalhando.

Mas talvez dê tudo certo. Estou exausto, mas talvez dê tudo certo.

E em janeiro, parece confirmado, vou dar um tempo disso tudo.

Passarei o mês na Amazônia.

Vou visitar um tio-avô que é médico dos índios, vou levar uma viola para fazer um som com ele, tio Manoel, devo levar um gravador para o meio do mato, devo passar um tempo entre os índios, conhecer os igarapés, descer e subir o Solimões, conhecer Manaus, aceitar qualquer tipo de chá que me ofereçam e rezar para que, no meio do mato, meu tesão... recrudesça.

Recrudescimento. Palavrinha de profissional. Preciso voltar ao beabá urgente.

Talvez, no meio do mato...




.