quinta-feira, 28 de outubro de 2010

AUTOTRÓFICO


Eu tenho um pedido para o ano novo.

Se eu pudesse pedir qualquer coisa, pediria para que aquele papo todo sobre alimentação prânica fosse verdade.

Tem um grande amigo meu que ficou de ir conferir. Encontrar-se com um homem que se diz praticante e depois contar como foi.

Ser possível alimentar-se do prana não é a única coisa que eu quero ou espero do ano novo, mas é algo que não depende de mim, concorda?

Mas é isso mesmo, eu abriria mão de pedir qualquer coisa para o ano de 2011, se descobrisse que posso, de fato, deixar de me alimentar com comida.

Esse papo de, todo dia, pelo menos uma vez ao dia, ter de parar o que estou fazendo para enfiar vegetais - ou pior, cadáveres de animais - para dentro é caretice demais para minha cabeça.

É óbvio e evidente que não sou tão louco assim, a ponto de tentar por conta própria. Tenho o hábito - mesmo - de jejuar, às vezes por dias seguidos, mas estou realmente falando sobre um passo além.

Bem, se não for possível simplesmente parar de comer e passar a me alimentar do prana, então eu gostaria que meu jejum não me desse acidez estomacal e nem mau-hálito.

Posso jejuar em paz? Na moral?

Outro dia, tive um impulso e uma emoção de doçura que me surpreenderam:

no momento, estou morando em Copacabana, possivelmente um dos logradouros mais cosmopolitas do mundo (se não for o mais cosmopolita de todos).

Vizinho à minha caverna, há um supermercado 24 horas. Ali, o atendimento é pior do que péssimo, visto que é o único supermercado das redondezas.

Sem a tal da concorrência, os donos daquela unidade do Grupo Pão de Açúcar vêem-se no direito de disponibilizar apenas um sexto dos caixas instalados na loja, fora o fato de que meus companheiros de bairro também já foram acometidos da idéia de que pagar as compras no cartão, em vez de usar dinheiro vivo, é chique, é elegante e prático.

Ainda que leve o triplo do tempo.

Mas o fato é que eu estava ali, na fila do caixa, há cerca de nem sei mais quantos minutos. Todo mundo bufando atrás de mim.

No limite da paciência, tendo percebido que nenhum dos itens que eu pretendia adquirir compensava aquele tratamento tão horroroso, subitamente larguei as compras diante da funcionária - havia apenas uma cliente antes de mim agora - e saí em disparada de volta para casa.

Esse foi o impulso. Não pretendo voltar ao supermercado Pão de Açúcar até que seja realmente indispensável.

A emoção, doce, doce, estranha, manifesta automaticamente em leve sudorese, princípio de lágrimas e verbalização mental, silenciosa, foi a seguinte:

"olha, vocês fiquem aí tranqüilos, mas só se quiserem. Vocês podem ir embora. Eu não consigo nem olhar diretamente para vocês... Saiam da fila. Vou para casa e vou jejuar por vocês".


É, "vou jejuar por vocês".

Ainda bem que foi tudo mental.


Mas eu tenho esse hábito.

De vez em quando, eu entro em umas ondas que, para mim, são fantásticas: fechar todas as janelas dos sentidos e meditar que nem uma planta, ficar sem comer e assim sentir o corpo com mais intensidade, depois nem senti-lo realmente, beirar o delírio, sentir a fome, a dor, a grande dor, o fim da dor, a paz, a continuação da paz, retomar contato até com a coisa física que fica esquecida no dia-a-dia tosco do homem moderno...

Você se lembra da sensação de estar completamente isento de alimentos na barriga e aí sair ao sol, espreguiçar-se como qualquer bicho, fechar os olhos e apenas ficar ali?

Puxa vida, um banho de sol é realmente um banho de sol. É um banho mesmo. A imagem do banho de Lua não chega nem perto de expressar o que é realmente um banho de sol.


Hoje tomei um. Banho de sol. No meio do dia, Centro do Rio, tirei a camisa, sentei-me em uma praça e apenas fiquei ali. Meio-dia e vintecinco.

Você se lembra realmente da diferença que faz ao corpo uma refeição de carne de boi e uma refeição de frutas, ou, ainda melhor, de brotos de alguma coisa? Alfafa, por exemplo. Rabanete.

Lembra da diferença entre a carne e o vegetal puro?

Como seria possível, sem estar vazio de tudo?


Você se lembra da sensação de estar completamente isento de alimentos na barriga e aí saborear um brócolis, um tomate maneiro?

É, eu sei bem.

Hoje mesmo foi o primeiro dia da semana em que almocei direito.

Comi dezesseis rolinhos de salmão com arroz em um restaurante japonês.

Caprichado no wasabi.


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