sábado, 16 de outubro de 2010

O CHOQUE TOSCO


De um lado, você tem o desenvolvimento.

Desenvolver-se é deixar de envolver-se.

Desenvolver-se é deixar de estar envolvido.

Pelo quê?

Se formos analisar o histórico do ser humano, podemos afirmar sem medo que desenvolver-se, na visão do homem dito racional, é deixar de estar envolvido pelo ambiente natural que o cerca.

É ir além do ambiente. É domá-lo, submetê-lo a seus interesses.


De outro lado, pelo que vemos, temos a religião.

Religião é reconexão. Vem do termo religare.

Mas é reconectar-se com o quê?

Se analisarmos o histórico das religiões humanas, podemos afirmar sem medo que reconectar-se, na visão do homem, é reconectar-se com o todo, com tudo o que o cerca.

Religiões organizadas são outro assunto. A religião, a reconexão, é um fenômeno individual e isso é admitido mesmo por essas instituições religiosas estabelecidas. Tanto o Vaticano quanto Israel compreendem que a união com seu Deus ocorre dentro de cada um.

Da mesma forma, a ciência é individual e subjetiva, embora não seja vista assim. Perceba: um cientista que encontre uma fórmula de algo e chegue a um produto realmente viveu aquela experiência. Já você, quando compra esse produto observando o rótulo que cita a fórmula, está agindo apenas munido de fé.

Pois bem: de um lado, a visão racional, iluminista, defende o descolamento do universo que envolve o homem. De outro lado, a religião vem dizer que há uma realidade mais ampla que deve ser respeitada.

Segundo a religião, assim como ensaiam fazer as Constituições dos países, se algo vai contra a lei mais ampla, fatalmente terá seus efeitos suspensos. Vale tanto para leis ordinárias quanto para a tentativa de ignorar a necessidade de terras ou água potável.

Se não é clara a idéia religiosa - também fruto de algo puramente racional -, criam-se monstros e pecados e issos e aquilos.

Fruto também da tosqueira, evidente. Transforme a compaixão em um personagem, com rosto, nome e ações próprias, e o ser humano entende do que você está falando.

Pois bem: ou o homem compreende que é agente de universos abaixo de si e também objeto de universos acima de si ou vamos ficar eternamente no mesmo lugar.

E o que é pior: vamos ficar a combater moinhos, enquanto o jogo se desenrola à revelia daquela mesma vontade original.

Você rejeita qualquer cristianismo? Pois bem: faça o que quiser, mas não destrua a vida do seu vizinho.

Faz sentido? Ótimo. Agora aplique essa idéia à política, por exemplo: faz sentido alguma ação que destrua a vida das pessoas apenas para talvez dar à luz algum projeto que talvez possa, indiretamente, beneficiar apenas parte daquelas pessoas?

Não, em nosso dia a dia, não estamos discutindo realmente sobre o que pensamos discutir. Chamamos as coisas pelos nomes errados.

Outro dia assisti a um filme chamado "O Guia do Mochileiro das Galáxias". Uma piada do filme era a de que a resposta final para tudo, para a vida, para a existência e tudo o mais era "42".

Como assim? Ora, segundo o filme, falta agora chegarmos à pergunta certa.

Não se trata aqui de pessimismo. Trata-se de observar que o homem nega por todas as vias possíveis qualquer ambiente mais amplo do que seja capaz de inserir em suas pequenas fôrmas mentais - e assim dominar, concentrar poder em suas mãos.

Para o homem de hoje, "científico", "especializado", todos os caminhos levam para baixo.

Um especialista é um homem debruçado sobre uma pequena parcela de tudo aquilo o que resolveu ignorar.


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