quarta-feira, 20 de outubro de 2010
JOGANDO O ANZOL E ENTREGANDO A VARA
Outro dia, a noite era perfeita.
Festa de arromba em uma casa térrea muito antiga, nos confins de Botafogo, jam sessions sucessivas em um estúdio profissional de ensaio e gravação em um dos cômodos da casa, cerveja, uisque, champanhe, tequila, frios, mulheres, rapazes, amigos velhos e novos, corrida à Lapa para aditivos, volta, mais papo, grandes revelações, euforia, cada vez mais, euforia, euforia, todo mundo aos berros, mas eu, especialmente, discursando como se, a qualquer momento, uma luz fosse acender sobre meu teto e os anjos se pusessem a entoar aquele acorde memorável, e um dos novos amigos se revela sapiente de mais do que eu esperaria em uma noite daquele tipo, eu começo a soltar o verbo apenas sobre o que acho mesmo que posso, embora em ritmo incontinenti, e de repente o novo e o velho amigo arregalam os olhos, entreobservam-se, riem e concordam em silêncio, deixando que apenas o velho amigo resumisse a impressão causada:
- é, ele aponta o peixe, mas não entrega o anzol.
Bem, como chegar ao ponto que descrevo?
A filosofia já tentou de tudo. A religião então, essa até perdeu terreno para as religiões. E o plural, nessa frase, é a alma do negócio.
O fato é que os cínicos, os verdadeiros cínicos, os originais, lá detrás, realmente se aproximaram da grande sacada:
segundo esses, a vida deveria ser simples como é a vida de um cão.
Cortando caminho, crendo aqui ser o desejo das massas que eu entregue realmente o anzol, em vez de dividir minhas tentativas de aprender a pescar,
digo que o anzol é imitar o seu cachorro. Ou o gato, tanto faz.
Quando você fala com seu cachorro ou com seu gato, eles não entendem a imensa maioria das suas palavras - a não ser as que você repete sistematicamente.
Eles lêem sua expressão corporal, eles compreendem o tom da sua voz, eles analisam muito mais objetivamente do que você mesmo o estado em que você se encontra.
Nunca ouviu dizer que os gatos, por exemplo, fazem a ligação entre várias dimensões? Pois é. Eles não se fiam apenas no que você põe na mesa concretamente.
Cortando caminho novamente,
quando estiver diante de alguém, procure, por alguns segundos, desligar-se do conteúdo do que diz a pessoa.
Se ela estiver gritando, ela está sofrendo.
Se ela estiver sorrindo, ela está satisfeita.
Se algo do que você fizer ou disser acabar provocando um estado negativo na pessoa que está diante de você, tente, por alguns segundos, antes de contrargumentar, sentir o que você mesmo provocou.
Tendo sentido isso, perceba que é você, a cada pequena ação, que vai construir o universo que o cercará a partir daquele momento.
Sem mais por ora,
obrigado.
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2 comentários:
Seus dois últimos parágrafos resumem o que há de mais importante - e mais negligenciado - nas relações humanas. Uma pena.
é, eu também estou achando que isso é bem básico e bem ignorado.
outro dia eu li uma frase de um amigo (Caito Mainier) das antigas que dizia mais ou menos assim:
"entender o mundo é fácil. difícil é lembrar depois".
por experiência própria, eu digo a mim mesmo e aos quatro ventos (quatro? sete? fugiu o número aqui):
pra cultivar isso tudo no dia a dia, a gente tem que estar muito ligado em nosso próprio estado, bastante humilde para admitir pra gente mesmo quando não está tão bem...
tem até que ter uma referência do que é estar bem, para poder comparar.
tem que estar 'como um corpo em repouso' para calcular certinho a 'velocidade do deslocamento' do outro.
tem que se conhecer, antes de tudo, né? tem que estar lançado nesse caminho, de se conhecer. já que se conhecer é um processo sem fim - sem fim, mas com começo.
acho mesmo que um atalho para se conhecer é desligar dessa parte cerebral da coisa. é na base do afeto mesmo. na base de sentir o calor do outro e passar calor também.
palavras são palavras. diga-as a um gringo e colha um "whadahell". mas calor... :)
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