Hoje descuidei mais uma vez e acabei perdendo cinco minutos com notícias.
O que vi não vem ao caso. Escrevo aqui para que qualquer palavra - qualquer uma - povoe minha mente e o espaço que criei na internet, roubando o lugar que seria ocupado pelos nomes e fatos que são indignos de serem pronunciados por minha boca ou registrados por minha pena.
Não vem ao caso o que li. Não vem ao caso em quem estou pensando.
Hoje, mais uma vez, firmo o pé e digo aos quatro ventos que, em minha casa, não entram. Em minha vida, suas mentiras não colam. E em meu universo, aquela fração de segundo em que o homem comum, desinformado, tenta aliviar-se de seu sofrimento e sorrir, transformando a própria desgraça em piada, solidarizando-se com quem o transforma em zumbi, merece apenas a citação-lembrete de que isso realmente é feito.
Não vim ao mundo a passeio. Mas não vim também bater palma para maluco dançar. Eis aqui alguém que não faz parte do rebanho e que já flagra a mentira no momento em que é difundida.
Como comentei hoje com um amigo de adolescência e vida adulta, ex-companheiro de banda, em uma maravilhosa conversa pela internet, não acredito mais no ser humano. Aliás, não o reconheço mais como ser humano.
Quanto a mim, encaro a mim mesmo como uma peça de museu. Uma eletrola fora de época, fadada a passar seu tempo útil olhando em volta, admirada com um universo de cds. Ou de mp3. Admirada com o fato de que nem há mais uma espécie que a acompanhe pela vida toda. As espécies alternam-se e mantêm apenas seu caráter de objeto.
Sou uma eletrola que passou a irradiar freqüências, em vez de apenas reproduzi-las. Sei que não revelo tendência, movimento ou mutação alguma. Não creio que haja tantos como eu, não creio que ser como eu seja algo a ser aspirado - uma vez que meu caminho é exatamente isso; meu caminho - e confesso não me sentir obrigado a fingir que admiro todos à minha volta.
Não admiro.
Admiro toda a criação. Admiro tudo o que existe. Mas admiro por existir. Reconheço-me como parcela de tudo o que existe e admiro o que me completa exatamente por não ser eu. Se fosse eu, não me completaria. Apenas repetiria.
Ainda assim, toda casa tem um quarto, uma sala e um banheiro. Não é porque o banheiro é essencial que vou fazer minha cama ali.
Meu coro não é o dos descontentes. Meu coro é o dos que não perdem tempo olhando para baixo. Meu coro é o dos que voam, ainda que o vôo seja solitário.
Totalmente solo, o vôo nunca é. Sempre há as raridades, os elementos gêmeos, os irmãozinhos que, não podem evitar, dedicam-se a encontrar o mínimo que seja de alimento para o que pretendem manter de divino.
Sim, o ser humano - se é que ainda podemos chamar assim as mentes perdidas que vejo em volta - tem tanta abertura para o divino quanto para o infernal.
Sim, o homem, em sua natureza, é tão anjo quanto demônio. Tudo depende de onde vai se investir. Tudo depende dos botões que você vai apertar. Tudo depende das cordinhas que vão ser puxadas.
Meu coro não é esse aqui. Meu coro vem mais de cima. Vem mais do alto. Meu coro é o dos que voam e que, mesmo com as asas cortadas, com o corpo ferido, sabotado, assassinado sem deixar pistas, fecham os olhos e seguem em frente, exatamente como faziam enquanto eram prisioneiros da ignorância daqueles que, mesmo encarnando apenas parcela do universo, tentam pintar tudo de sua cor.
Seguem em frente porque é disso que são feitos: de seguir em frente. Não de andar em círculos.
Meu coro não é esse aqui. Eu desisto disso aqui. Desisto oitocentas vezes, deixo para quem quiser. Meu corpo, eu daria de presente, como muitos já deram, se acreditasse que isso serviria para algo.
Não sou Jesus. Não tenho o mínimo para ser messiânico: não tenho mais a fé no homem.
Tenho amor pela humanidade; assim como uma mãe ama um filho assassino. Mas não daria a vida pelo homem, porque o homem já não vive mesmo.
Meu coro é o dos que nem pensam, porque sabem que no final o que importa é sentir.
Meu coro não é o dos que tentam convencer, porque sabem que olhos, cada um tem os seus. Não adianta que cantem algo que eu nunca vi.
Aquele que diz a verdade nivela-se com os mentirosos.
Eu mesmo já disse em uma canção:
manhã cedinho, tudo já foi dito
agora só falta sentir.
Meu coro não é esse aqui.
Meu coro é o dos que voam. Voam por natureza, não por anseio ou objetivo.
Voam porque são livres.
Voam porque são feitos disso: voam, são feitos do vôo.
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