Acho que os amigos estão familiarizados com minha noção de destino.
Se não estiverem, procurem na internet por um texto chamado A Fila Anda. Publiquei-o no Portal Literal, ano passado, quando ainda estava em Brasília. O título, quem deu foi Cecilia Giannetti. Porque o texto era um e-mail que mandei para ela.
Façam isso ou estudem um pouco de Cabala. Minha visão se parece bastante com a dos mestres originais. Acabei descobrindo isso.
O principal sobre destino é que existem vários. Como no aeroporto, onde você lê destinos. Escolha um e mande brasa. Cansou? Escolha outro.
Quando eu tinha cerca de quatro anos, fiz minha estréia nas passarelas. A piada veio quase pronta: desfilei na Sociedade Hípica Brasileira. Não, não como um cavalo selvagem, um puro-sangue eroticamente perfeito.
Foi como menino mesmo. Subi na catwalk montado em meu cavalinho-de-pau - meu primeiro cachê - e deixei a haute-couture babando.
Ali, eu era um pequeno infante, loirinho e roliço. Quem cuidou de minhas roupas foi Fernanda Abreu. Ela mesma. Fernanda Abreu já me viu completamente nu. E já tocou em mim também.
Nas últimas setenteduas horas, traduzi 128 páginas. Ralei como um cavalo, parando apenas para a alfafa. De ontem para hoje, consegui dormir bonito, mas, na véspera, foi das duas às seis da matina.
Ontem sentei aqui às seis e quinze. Levantei no início da noite.
Tudo indicava que seria um dia normal, dentro da normalidade que estabeleci para mim mesmo há menos de um ano.
Tudo indicava. Até que recebi um e-mail engraçado, pedindo que eu enviasse algumas fotos charmosas. Minha sister do peito, Cecilia Sereia, foi quem fez o papel de cafetina.
Hoje eu estava preso no trânsito, tentando chegar da Avenida Paulista até Pinheiros. Teoricamente, distância que se faz de bicicleta. Mas em São Paulo...
Saí de casa às três da tarde, dois livros prontos debaixo do braço, rumo à editora. Caminhei a Paulista quase toda a pé, coisa que já se tornou rotina. Desta vez, fui a pé porque o trânsito parecia a caixa registradora das montadoras de automóvel. Ou do governador, é claro. Lotado.
Segui caminhando até a Frei Caneca. Ali, dobrei à direita e apanhei um táxi na transversal. Cheguei à editora às quatrimeia.
No caminho, eu e o companheiro taxista conversávamos sobre o caos, é evidente. Mal comentei que os paulistas estavam tão acostumados a perder a vida em engarrafamentos que não aceleravam nem quando o sinal abria; e estavam tão resignados em desperdiçar o dom divino de estarem vivos que já começavam a trabalhar dentro dos automóveis e...
tocou meu telefone.
O único que tenho. Tenho esse celular, mas é apenas por causa dos amigos. Não tenho um fixo. Digo: tenho, porque a Telefonica me obriga a ter, mas não o uso. Mesmo quando a própria Telefonica me importuna no celular, explico que não é da conta deles que eu não use a outra linha.
Mas o telefone tocou e eu me senti o Maluf.
Atendi.
- Oi, Carlos, é a Camila. Você não me conhece. Quem me passou seu contato foi a Cecilia. Estou ligando para dizer que a agência aprovou você. No dia 21 deste mês, você tem uma sessão de fotos.
Pois é. Em 2001, eu escrevi um romance. Em certa passagem, o protagonista resolvia conhecer o mundo de glamour da moda.
Dois anos depois, o romance serviu para que eu montasse uma banda de rock chamada Glamourama. Muitos dos amigos que conquistei surgiram nessa fase.
Agora é a vida real que confirma o livro. Confesso não me achar um modelo de beleza. De qualquer forma, como o nome da ocupação é apenas modelo, posso ser um exemplo de mau-comportamento.
Agora escrevo aqui e paro por um segundo, pois meu telefone toca novamente.
- Oi, Carlos, é a Camila de novo. Estou ligando para pedir que você mantenha a barba. Você foi aprovado de barba.
- Ah, que bom, Camila. Eu estava mesmo preocupado. Fiquei com medo que vocês me pedissem para tirá-la. E isso eu não pretendia fazer.
- Não, não tire. Deixe a barba, por favor.
- Certo. E os cabelos? Estava pensando em cortar ainda hoje. Posso?
Seguiu-se a isso uma breve discussão sobre como eu os cortaria, citando fotos do meu buque - hahahaha - e discutindo sobre ângulos, até que a convenci de que usaria apenas a máquina que tenho aqui.
Sim, eu corto o cabelo e a barba com a mesma máquina, sozinho, em casa. Há alguns anos, decidi que não precisaria mais de um barbeiro.
E olha que eu sou modelo.
Ainda falando sobre destino, este ano tem sido a prova para minhas teorias.
Em 2007, eu embarcava para Brasília, a fim de fazer cursos e aprender mais sobre política. Durante os dois anos em que fiquei lá, estudei assuntos sérios como um modelo estuda expressões faciais diante do espelho. Estudei, pesquisei, observei, e passei o tempo quase todo trancado em um pequeno apartamento, cujas paredes não eram nada além de lâminas de vidro, que iam do teto até o chão.
Passei dois anos sentado em um colchão, de pernas cruzadas, em um ambiente de luz. Literalmente.
Até que, chegando a um determinado ponto de meu isolamento e de minhas reflexões, voltei a fazer arte. Sim, todas distrações cortadas pela raiz, o que meu íntimo trouxe à tona foi arte.
Não sei se os amigos conhecem a Capital Federal. Certamente conhecem a fama. Brasília convive com um karma complicado. Basta que seu nome seja pronunciado para que se pense em coisas... Em coisas.
A última canção que me lembro de ter ouvido sobre a cidade não era muito elogiosa. E a música que vi ser feita ali não falava da cidade.
Estranho... Quando dei por mim, tinha composto uma.
O primeiro resultado concreto está aqui, nas palavras e no endereço de meu brother Ricardenrique, o Gas.
Surrupiei um parágrafo, em que ele considera a tal canção, Quarta-feira em Brasa, como a melhor música nacional deste ano. E uma das vinte melhores do mundo. Que honra.
A melhor música nacional ficou mesmo com Carlos Jazzmo , superando os ótimos discos da Céu, do Otto, do Cidadão Instigado e da Lulina. “Quarta-feira em Brasa” é resultado da experiência de um carioca morando durante um ano numa kitinete localizada acima do Rock’n Roll , hoje loja de açaí (sinal dos tempos). O registro é impecável e ganha imediatamente status de cult. Uma mistura de Viníciu de Moral com Vincent Gallo. Que bela música, Brasília!
E que agradecido eu sou, por ser personagem de uma história - a vida - que me permite reinventá-la duas vezes por minuto.
Repito o que digo há dois anos:
o ser humano é um personagem distraído e parcialmente auto-consciente.
Conhecer-se mais é apenas um processo.
Como dizia a Feiticeira, minha colega de profissão,
"não é magia; é tecnologia".
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