quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

MEU POP ARTESANAL




Comprei um gravador digital. Agora posso gravar qualquer idéia no mesmo momento em que ela surja. E depois de gravar, posso jogá-la direto para o mundo inteiro.

Muitos amigos são ligados em música. Alguns têm banda, muitos tocam algum instrumento. Quem se inclui nesse pessoal sabe que, para fazer música, não é preciso nenhuma frescura. Não é preciso luvinha, joelheira, faixinha no cabelo, escova progressiva, porres de vinho barato...

Não é preciso fazer pose de mau, ou de andrógino, ou de doidão. Não é preciso imitar ninguém, não é preciso ter ídolos, não é preciso reafirmar o ódio pela banda do amigo "rival". Não é preciso tribo. Aliás, que atraso são as tribos. Que atraso são as estéticas que te transformam em audiência, não em palco ou atração.

Mas disso tudo, Andy Warhol já tratou, quando flagrou a vocação da indústria pop para a cópia descarada. A pirataria artística, que é a norma, diferente da pirataria tecnológica, que é o crime.

Para fazer música, basta que você tenha um instrumento, sente-se com ele diante da TV por algumas horas diárias e, um dia, como em um passe de mágica, seus dedos encontrarão sozinhos o lugar certo para que emitam as notas mais perfeitas.

Não, não existe aquele papo de "tenho dedos curtos demais para tocar violão". Isso é mentira. Eu mesmo tenho dedos curtos, mas isso não me impede de reinventar minha técnica o tempo inteiro. Em minha última banda, o outro guitarrista, Peter Glitter, amigo de adolescência, tinha os dedos ainda mais curtos do que os meus.

Mas eu tinha uma Gibson Les Paul e ele tinha uma Gibson SG. Logo, quem se lembraria dos dedos?

Meu primeiro instrumento na vida foi uma guitarra. Uma Innsbruck, nacional, com apenas um captador, que movia-se pelo instrumento sobre pequenos trilhos. Sim, era isso mesmo: o captador andava. E não, não era bonito, não era uma boa idéia, não ficava maneiro e o som não era legal.

Custou o que hoje seriam o quê? Uns 50 merréis? De qualquer forma, foi na Innsbruck que comecei a tocar.

Comprei a guitarra no final de 1991, de uma vizinha do meu avô Pedro. Foi meu avô quem me deu também meu primeiro amplificador. A marca era Sanmi. Nunca mais a vi em lugar nenhum.

O amp era na verdade um console de lata, de cerca de 30cm de largura, e acoplava-se a um conjunto de falantes do arco da velha. Lembro até hoje da alegria que senti ao ouvir o pessoal da clássica banda The Kinks dizendo que tinha descoberto a distorção quando um falante se rasgou.

Descobri a distorção antes de descobrir os Kinks.

Na época, eu era um adolescente metaleiro. As bandas que eu ouvia pareciam basear-se não em acordes, mas em riffs de guitarra. Um riff é um pequeno trecho melódico que se repete ao longo da canção. No metal, os riffs são quase tudo. Sendo assim, antes que eu soubesse fazer uma posição de mi menor, já sabia tocar e chegava mesmo a inventar alguns riffs espertos.

Um ano depois da guitarra, viajei ao Nordeste. Em Alagoas, fiz alguns amigos que me chamaram para uma jam. Já que eu vinha do Sul, era cabeludo, vestia-me de negro e tinha uma guitarra, tudo indicava que eu seria uma boa aquisição.

Lembro da surpresa dos amigos quando descobriram que eu só sabia improvisar.

Alguns anos mais tarde, mudei de instrumento. Comprei uma Jackson, americana, com alavanca Floyd Rose e tudo o que um farofeiro possa imaginar.

Em dois anos de brincadeira, eu não agüentava mais a alavanca e já torcia o nariz para todos os efeitos que havia comprado.

Quando ajudei a montar o Los Hermanos, eu já não tocava guitarra há séculos. Ali, era a época da descoberta do jazz. Então eu resolvi comprar um saxofone tenor, a fim de me transformar em John Coltrane. Em uma semana, aprendi a fazer as notas. A partir dali, foi passar horas infinitas no salão de minha antiga casa, apenas soprando e acompanhando os discos clássicos.

Aprendi a tocar Duke Ellington com ele mesmo. Quando tirei minha carteirinha de saxofonista profissional na mafiosa Ordem dos Músicos do Brasil (OMB), foi isso o que expliquei. Quando me perguntaram onde aprendi a tocar, respondi sem titubear: "Com Duke Ellington, John Coltrane e Dexter Gordon".

Dexter Gordon tinha um disco de baladas que me influencia até hoje, seja qual for o estilo que faça, seja qual for o instrumento de escolha.

Deus, para mim, na música, é Chet Baker. Ainda assim, o trompete que tenho aqui parece difícil demais. Talvez, daqui a uns anos, eu aprenda a tocá-lo.

Já consegui o mais difícil, que foi assistir a uma meia dúzia de aulas de canto (em Brasília) e ouvir comentários doces sobre o que antes me causava timidez patológica: soltar a voz, como meu amado Chet.

Agora cansei do roque meio que totalmente. Então acabo passando bastante tempo agarrado ao violão. Tem isso também: há cerca de quatro anos, resolvi investir no violão. Comecei a ouvir música brasileira com mais atenção e descobri que precisaria reaprender a tocar.

Meu novo mestre? João Gilberto.

Não, não tento tocar como ele. Tento ir além.

Sim, assim como os White Stripes me ajudaram a perceber que o formato de quatro fabulosos, eternizado pelos Beatles, podia ser muito útil à propaganda, mas, musicalmente falando, passou a parecer mais uma imitação do que uma necessidade verdadeira, João Gilberto me levou ainda mais adiante. Dessa forma, montar outra banda com cinco ou oito pessoas já me soaria desnecessário.

Pensando sobre o resultado então, focando exclusivamente no que se ouve, João Gilberto já deixou claro que duzentos ritmistas socando tambores podem ser substituídos por um bom polegar fazendo a marcação na hora certa.

E ainda teve Baden Powell, mostrando que apenas uma corda solta soa como toda uma orquestra em uníssono. A partir daí, pareceu-me claro que meu caminho seria explorar a banda que existe dentro de mim.

Continuo munido de minha Les Paul, meu amp hoje é uma miniatura de Marshall, algo que mede cerca de 20cm de altura, e tudo volta ao ponto de onde comecei.

Abandonei os acordes que aprendi, descobri alguns tantos outros - pelo menos um por música - e o que aparece de mais diferente mesmo são essas unhas miseráveis, que agora preciso deixar em um tamanho indecente.

Sim, são minhas palhetas.

Ah, a teoria. Falar sobre música é como dançar sobre arquitetura.

Mas agora tudo vai ficar claro: sempre que uma melodia surgir em minha alma, sempre que minha voz desenhar escalas sobre acordes tortos e dissonantes, serei capaz de apenas esticar o braço e botar para funcionar minha multinacional particular; meu novo filho, que será carregado para todos os cantos, assim como eu fazia com meus bonecos do G.I. Joe, antes que encontrasse o verdadeiro habitat de minhas mãos: as cordas.

As cordas.

As cordas e as curvas, é claro.
De ambas, curto muito tirar um som.

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