quinta-feira, 24 de dezembro de 2009
PÉ NA ESTRADA
Mais um ano que se vai e a sensação que fica é de que foi tudo apenas ensaio.
O Trenzinho do Caipira, Heitor Villa-Lobos.
Tem um tempo que não penso mais no tempo. Tenho o tempo a meu favor, como se cada segundo que se anuncia representasse espaço extra para viver, para criar, para construir.
Agora é partir para o interior de Minas Gerais, depois voltar, escrever por três dias e seguir para a Amazônia. Sou quase capaz de sentir o cheiro das águas do Solimões. Cheiro de mato, de chuva, de mistério, de encontro com o princípio de tudo.
O ano de 2009 não se pareceu com nenhum outro. Ao menos para mim.
Tenho certeza de que 2010 será ainda mais impressionante.
"A arte vem de um profundo senso de direção interior. Ela começa com uma reavaliação de sua própria vida, de uma busca pela fonte dos impulsos, o mistério de tudo. Eu me julgo um realista emocional. Emoção é o que quero retratar. O realismo é apenas a minha maneira de fazê-lo" - Steve Hanks (1949 - ...)
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terça-feira, 22 de dezembro de 2009
THE TWILIGHT ZONE
Sou daqueles insanos que acreditam ser possível conversar com Deus.
Não aqueles papos verbais de pergunta e resposta, mas sim questões sinceras, que surgem da própria experiência com a vida, e que são elucidadas pela própria vida, basta que estejamos atentos. Tem gente que fala em "sinais". Deixo a terminologia aos que ainda não sacaram que vocabulário é o que menos importa.
Ano passado, resolvi aprender um pouco sobre mapa astral. Não sou capaz de dizer que creio ou não naquilo. O importante é que acredito ter entendido a lógica por detrás.
Se você entende algo de música, sabe o que é um acorde. Um acorde é um conjunto de notas que, reunidas, resultam em uma outra nota, composta, cheia de sutilezas.
Acordes têm tônicas. Um acorde de dó maior tem o dó como tônica. Tem ainda o mi como uma terça maior (se fosse menor, seria o mi bemol), um sol como quinta, e pode ter uma sétima, por exemplo, sendo um si ou um si bemol.
Quando você pega um acorde maior e diminui meio tom da terça, ele se transforma em acorde menor. Existe uma frase, em uma letra de um jazz malandro, que explica bem o que isso significa: "there's such a change from major to minor everytime you say goodbye".
O que a frase diz é que toda vez que a figura se afasta, o humor do compositor torna-se triste. Um acorde menor é, em princípio, triste. Um maior é alegre. Isso é ciência mesmo; peça para um amigo demonstrar.
Muito bem. Agora troquemos notas musicais por pessoas. Pense em dois amigos muito próximos. Mesmos gostos, mesma aparência física, apenas um senso de humor diferente. Fulano é bem leve e simpático, como um acorde maior, e Ciclano é também simpático, embora tenha um certo sarcasmo que sempre arranha um pouco. Uma certa amargura que sempre o torna um tanto contrito.
Algo como uma quinta diminuta.
Um mapa astral nada mais é do que uma reprodução do céu no momento em que nascemos. A idéia é que a posição dos astros compõe acordes também, embora, em princípio, não sejam acordes sonoros.
Em princípio? Sim... Basta que se atribua um valor musical a cada astro, a cada planeta, assim como um valor para cada casa do mapa, e você tem uma música pessoal.
Se seu mapa difere de quase todos os outros, isso é apenas um reflexo do fato de que você difere dos outros. E assim, atribuindo-se valores musicais a cada caractística sua, determinada pelo mapa, você tem sua canção astral.
O engraçado é que Hermeto Paschoal já teve essa sacada também. Ou algo bem parecido.
Ano passado, passei algum tempo aprendendo sobre os astros. E uma das coisas que percebi foi que minhas maiores dificuldades na vida estavam estranhamente expressas ali. Aprendi até sobre o valor de Júpiter e Saturno. Em termos simples, Júpiter atrai e Saturno afasta.
Quando falo em afastamento, tenho a consciência de que mesmo nossas características mais horrorosas são parte nossa. Sendo assim, são algo que deve ser examinado com cuidado, e não apenas ignorado ou temido.
Quando você descobrir o que te diz a posição de Saturno em seu mapa, não fuja. Não se esconda, não opte por dizer que é tudo besteira e, principalmente, não corra como um louco para os braços de Júpiter. Porque Saturno cobra a conta.
Ter vindo para São Paulo da maneira como fiz foi algo ousado. Analisando meu mapa, um irmão que hoje está em Brasília - quase que trocou de lugar comigo - me avisou:
"se eu fosse você, no ponto em que está, iria para algum lugar onde há arte, música, poesia, movimento, e voltaria logo depois, com os olhos fixos em suas certezas. Não se afaste de sua rotina de asceta. Se você for em direção a Júpiter, vai encontrar pessoas saturnianas".
Dito e feito. Após aprender que, em meu mapa, Júpiter está junto com meu ascendente, juntei mais informações e descobri que, teoricamente, minha porção física, material, imediatamente reconhecível pela sociedade, seria algo que me traria vantagens. Segundo o mapa, posso confiar em minha personalidade mais superficial para ganhar destaque. Além do fato de que aquela posição de astros indicava um caráter de auto-didatismo.
O que é verdadeiro também.
Sendo assim, caso eu mergulhasse de cabeça em meus encantos mais imediatos, talvez seguisse-se a isso um breve período de total euforia, sucedido por um bem mais longo de profundo sofrimento. Como acontece toda vez que resolvo ignorar a dureza que está sendo manter-me aqui e decido cair de cabeça na música - que foi o que me trouxe. Sempre que faço isso, ou fico doente depois, ou surge um louco imprevisto que me atrasa o trabalho, ou os contratantes têm dor-de-dente e só me pagam depois de dois meses... É estranho, mas, toda vez que creio estar por cima da carne seca e, estudadamente, me coloco como um arrogante com o caminho livre, surge algum imprevisto.
Quando faço o contrário, quando recuso a diversão mesmo quando talvez pudesse desfrutá-la, deixando as obrigações acumularem-se um pouco para o dia seguinte, tudo volta a funcionar como mágica. Sou acordado para receber dinheiro, trabalhos outros aparecem, mulheres gostosas se oferecem, é como o sonho do pica-pau. Mulheres, dinheiro, iate...
Certa vez, ano passado, ainda em Brasília, eu estava meditando. Sábado à noite e eu estava em casa, trancado - ou nem estava ali realmente.
Meditei, parei e liguei a TV. A programação tinha tudo a ver. Assisti um pouco e fui descendo os canais. Cheguei ao canal 3, que passava um filme caseiro em que apareciam amigos meus. Assisti ao filme até o final, imóvel, tomado pela estranha sensação de estar vendo de olhos abertos um dos vários destinos que me aguardavam pela vida.
Se eu quisesse, poderia fazer a curva e vir para Sampa, atrás do pequeno fragmento de realidade que flagrei em filme. Se preferisse, poderia ignorar o que vi e me manter onde estava, privilegiando outras partes da minha personalidade, compondo minha música de uma determinada maneira, sonhando com Paris, com a Suíça, assistindo à mágica ser feita pela TV.
Voltei ao canal original. Pensei por alguns minutos, assistindo a um programa de entretenimento em que um certo malandrinho de banda de rock exibia uma bela e recente tatuagem de flor-de-lótus no peito, cantando sobre o Retorno de Saturno.
A flor, vocês sabem, simboliza a beleza nascendo do lodo. A elevação que se consegue através do ouvir, contemplar e meditar, abrindo mão de distrair-se com as monstruosidades que o ser humano resolveu chamar de vida.
Assisti por alguns minutos e resolvi voltar ao canal 3. O filme começava novamente.
Optei por vir. Não por impulso, não por misticismo, mas por ver concluída uma centena de reflexões. Então apenas vim.
Chegando aqui, tudo se revelou como mágica. Saí para procurar apartamento e acabei no bairro japonês, sendo recebido como um filho por um idoso senhor grego chamado Christos. Quase fui morar lá. Além de Christos, talvez eu fosse o único ocidental naquele bem-cuidado cortiço. O grego quase pediu que eu ficasse ali. Quando cumprimentei-o em sua língua natal, ele prontamente me dispensou de qualquer documentação ou depósito-fiança. Apenas perguntou se eu tinha problemas com a lei. E confiou em minha resposta, apertando-me a mão e beijando-me a bochecha.
Recusei o convite porque já tinha planos. Em outro bairro, havia um prédio que me interessava.
Vim procurar um apartamento para alugar neste prédio aqui e o encontrei de primeira. Na verdade, ainda que esta seja uma cidade e uma região bastante concorrida, no dia em que vim procurar apartamento, havia simplesmente cinco unidades vagas. Bastaria que eu escolhesse uma.
Visitei os cinco. Acabei escolhendo um, ridiculamente mais barato do que os outros e estranhamente voltado para um jardim secreto, nos fundos de uma mansão vizinha, onde, apesar da extrema proximidade à Avenida Paulista, o que vejo é o topo das copas das árvores, os passarinhos que não param de cantar por um segundo sequer e as belas antenas de TV, réplicas da Torre Eiffel, iluminadas de cobre, de ouro, de prata.
Deixei minha casa de vidro, na capital, diante de um pequeno jardim, sobre a copa das árvores, e caí em algo bastante parecido, se bem que exatamente debaixo da antena de TV que me apareceu naquele sábado, na abertura do tal programa. Não era mais Paris; apenas as réplicas da Torre - três réplicas diferentes, que vejo de qualquer ângulo da casa. Não era a Suíça também, estampada na foto de viagem que eu deixava sempre sobre minha cabeceira candanga, mas era o Edifício Suíço.
Vim parar exatamente no ponto físico que vi pela TV, naquele sábado.
Cheguei aqui e envolvi-me emocionalmente com a mesma amiga que aparecia no tal filme. Cheguei aqui e arranjei exatamente o emprego que profetizei a um amigo que poderia conseguir: escrever em casa e enviar por e-mail. Cheguei aqui e encontrei este apartamento. Aluguei-o.
Aluguei-o e trouxe minhas poucas coisas. Chegando aqui, descobri que não havia luz elétrica. Chamei eletricista, porteiro, a coisa toda. Ninguém decifrava o enigma. Por que apenas minha casa não tinha luz? Fomos consultar alguns registros do prédio e descobrimos que este apartamento não existia.
Cheguei a ouvir a pergunta: "o senhor tem certeza de que seu apartamento tem este número? Não existe este apartamento no prédio".
Seguiram-se duas semanas. Fiz um longo périplo pela administração paulista, até descobrir que o apartamento não tinha registro na companhia elétrica, nem na prefeitura, e ninguém acreditava que eu estivesse morando aqui.
Fiquei a um fio de ter de provar que eu mesmo era real.
Depois de alguns dias, o enigma foi resolvido: antes de mim, havia um rapaz morando aqui. Este rapaz, que ninguém soube localizar, não usava eletricidade. E esse rapaz desocupara o imóvel na mesma semana em que eu, em Brasília, decidi vir para cá.
Que tal?
Uma das reflexões que me ocorreram em Brasília, por conta do mapa astral, foi a seguinte:
certo. Então eu tenho alguns talentos inatos, algumas dificulades concretas em certas áreas da vida, e, até aqui, tenho me saído bem. Já percebi que certas coisas a que me dedico, embora ainda não tenham sido as coisas que me falam mais fundo ao coração, têm trazido bons resultados.
Ora, se meus talentos periféricos têm sido reconhecidos e recompensados, se por toda parte há algum louco que me considera diferente ou especial em algum sentido, o que aconteceria caso eu resolvesse investir no centro de mim mesmo?
Sim, porque já descobri que sou, entre outras coisas, um artista. Não sou um banqueiro, por exemplo. Mesmo assim, sou relativamente ótimo em guardar e economizar minha grana. O que ocorreria então, caso eu decidisse investir na arte e em outros assuntos igualmente centrais para mim?
É isso o que estou vivendo.
Ontem, mesmo três quilos acima do peso ideal, mesmo com um dente quebrado, mesmo sem ter dormido o necessário na véspera, fiz um trabalho de modelo.
Pois é. No mundo de hoje, uma das profissões mais cultuadas. Algo que diferencia as pessoas comuns de uma casta fisicamente superior. Uma casta que, em uma sociedade rasa como a nossa (ou a deles?), é realmente um verdadeiro Olimpo. Gente bonita, descolada, invejada, cobiçada, que aparece na mídia, que tem um endosso da indústria para sentir-se bem. E eu ali.
Acordei às seis da manhã, arrastei-me para baixo do chuveiro e tomei um táxi até Pinheiros. Chegando à agência, conheci mais dois companheiros, além da produtora. Um deles chamava-se Marco, tinha 26 anos, psicólogo, muito quieto e observador. No final do dia, pegou meu telefone porque é um baixista procurando um guitarrista. E eu sou um guitarrista sem baixista.
O outro era o Cláudio. É sobre ele que vou me alongar.
Alguns minutos depois, apareceu Douglas, 20 anos, vendedor e igualmente gente-fina. Não foi preciso absolutamente nada para que os três tornassem-se meus novos amigos, assim como todos com os quais tratei.
Da produtora, em Pinheiros, entramos em uma van e seguimos para apanhar o fotógrafo, a maquiadora e todos os assistentes. Já ali, duas boas surpresas: assim que nos viu, a maquiadora fixou os olhos em mim. Fixou e não os tirou. Por alguns momentos, minha espinha congelou. Dias antes, a produtora havia pedido que eu não tirasse minhas longas e vastas barbas. Disse textualmente: "você foi aprovado de barba". Ali, no entanto, o olhar da make-up girl me dizia que eu seria obrigado a tirá-la. Foi divertido trocar olhares por dois minutos e brincar de conhecê-la e de adivinhar o que ela queria dizer.
O fotógrafo foi a segunda surpresa. Profissional, anos de carreira, uma das maiores estrelas da revista Playboy. Pois é, depois de namorar uma belíssima playmate e de brincar sobre estágios na revista, agora eu estava no papel do objeto.
Depois de bastante engarrafamento - São Paulo já entrou em colapso; é só a população que vive em negação, hipnotizada pelo ritmo modorrento -, chegamos à locação.
Belíssima mansão na Granja Viana. Não conhecia aquele pedaço e confesso que não curti. A casa, sim, era um oásis, no primeiro e escaldante dia de verão, mas a localidade lembrou-me os condomínios absurdos de Brasília, pequenas Mecas da auto-indulgência construídas no meio do nada. Detestaria morar ali. Prefiro uma cobertura interessante em algum prédio bem-localizado. Ou então uma casa no campo mesmo. Esse meio-termo da burguesia entediada é que não me pega de jeito nenhum. Penso sempre no Show de Truman. Penso em ratinhos correndo na esteira, dentro de uma caixa de vidro. Acho feio.
A locação, uma belíssima mansão. Entre trocas de roupas e testes de luz, eu desfilava por ali, sem camisa, o peito peludo orvalhado de suor, os olhos fotofóbicos amparando-se sob os belos óculos escuros que ganhei da já citada playmate.
Cláudio era o típico modelo de terno. Aqueles caras grisalhos que fazem propaganda de bancos, de supermercados elegantes, de relógios. Aquele tipo de modelo que passa credibilidade.
Santista, ainda residindo em Santos, amigo do pessoal do Charlie Brown Jr. e companheiro no gosto pela fumaça. Começou na carreira aos 31 anos. Agora, aos 41, era um camarada forte, musculoso, branco, olhos claros, cabelos curtos, barba por fazer, uma espécie de versão bem-cuidada de mim mesmo, em um de meus possíveis futuros.
Não foi por força minha, mas, desde o primeiro instante, Cláudio fixou-se em mim e começou a contar sua vida inteira. Hoje, posso dizer que conheço (na pele) a rotina de um modelo profissional masculino. Vivi um pedacinho da experiência em tempo real, no mundo físico, enquanto ouvia sobre todo o resto. Uma espécie de curso intensivo.
Uma espécie de mini-vida, vivida em apenas um dia. Um presente divino, prefiro encarar assim. Cecilia Sereia como um instrumento. Como somos todos, aliás - podem me espancar, mas vou morrer dizendo isso: somos instrumentos. Uns mais afinados, outros um tanto menos.
Cheguei à mansão com alguns bons dedos de barba pendendo abaixo do queixo. Não era minha faceta mais profética, mas, eu sabia, era algo um pouco além do que costumo ver em catálogos de moda.
Não deu outra. Provei uma roupa, jogaram uma espécie de echarpe em cima de mim - eu era o modelo mais... oriental, vai - e decidiram que eu estava... oriental... demais.
Lá fomos nós ao banheiro, eu e a maquiadora. A isso, seguiu-se um doloroso processo com tesoura e mil pedidos de "desculpa, não se preocupe, só vou tirar um pouquinho, está tudo bem com você? Jura? Me desculpa?".
Fiz as fotos com barba de modelo. Aquele sutil desenho de pêlos que parece estar na moda. Parece que é a vingança das mulheres. Agora teremos todos de estar depilados como elas. Daqui a uns cinco anos, Vera Fischer e Cláudia Ohana serão encaradas como encaramos hoje os longos cabelos dos hippies. Dentro de alguns anos, pêlos serão peça de museu. Serão um verdadeiro manifesto.
Não sei sobre o resultado das fotos. Não sei se serei chamado novamente. Desta vez, consegui salvar a parte essencial da barba, a que mais demora para crescer. Mas e na próxima? Será que a vida vai me apresentar uma situação em que terei de optar entre vender ou não minha barba pelo preço de um cachê de modelo?
Será que Deus vai me fazer essa piada? Será que aquele trecho do meu mapa diz algo sobre barba? Justo a barba, algo que a vida me deu em relativa abundância?
Justo a barba, minha maior vaidade estética?
E se essa situação ocorrer, será uma piada ou um presente? Será que terei de vender a barba justo quando não tiver mais nada a vender e o aluguel estiver atrasadíssimo?
Pois é. Já cheguei a um ponto em que percebi haver uma lógica muito grande por trás de tudo. Assim como o tempo é apenas uma distância grande demais para ser vista a olho nu, creio que a compreensão sobre a lógica da vida dependa de você tê-la vivido primeiro.
Até aqui, sou uma espécie de criança curiosa, abrindo portas e olhando atentamente através da penumbra.
Terminadas as fotos, a dona da agência comentou: "ficaram ótimas. Parece que foram feitas... na Noruega".
Gabriela Kunoichi Chan Haru Takahashi já disse: "é, modelo, quem mandou nascer exótico?"
Não sei. Não me considero exótico. É só que resolvi pegar os acordes todos e encher de sextas e nonas. Reforçar a dissonância.
Aí, quando eu toco, o roquenrou realmente parece básico.
E olha que eu apenas toco. É neguim que compõe através de mim.
Ó, *, és infinitamente bondoso, generoso e misericordioso.
Melhor que Mozart.
Meu camarada Luther Blisset disse hoje com grande propriedade:
"A arte já não deve expressar as paixões do velho mundo, mas contribuir para inventar novas paixões: em vez de traduzir a vida, deve ampliá-la".
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sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
PLANETA COMÉRCIO
Ontem, por pura obrigação, acompanhei por dez minutos a questão sobre o encontro de Copenhagem, na Dinamarca.
Sim, a discussão sobre o que é melhor: manter o lucro de algumas empresas, que teriam um custo muito alto para parar de destruir o planeta, ou salvar a espécie humana.
Sim, porque, a menos que estejam mentindo e falando sobre fenômenos cíclicos, a humanidade está ameaçada e já se sabe que a causa são as emissões de poluentes, feitas em 90% dos casos por grandes empresas.
Os outros 10% referem-se à poluição causada pelos produtos dessas empresas. Produtos que, mesmo tendo sido flagrados, não se cogita parar de produzir nem por um segundo.
Nos dez minutos em que estive a par do assunto, ouvi duas informações gritantemente desconexas:
1. o único acordo de peso promovido até aqui foi o Tratado de Kioto. Esse tratado foi assinado em torno de todo o planeta, mas os EUA ficaram de fora. Agora, Copenhagem é uma segunda tentativa de acordo em menos de dois meses. No último, os EUA se recusaram a participar. Neste, recusam-se a ceder.
2. a maior empresa de comunicação do país, que não passa um dia sequer sem citar o governo dos EUA como se fosse o governo mundial, diz que apesar dos esforços dos EUA, não houve ainda acordo.
Cheguei até a ver o palhaço Schwarzenegger, o exterminador do presente, dizendo que não podemos esperar nada de governos. Não? Que diga isso à grande imprensa. Que diga a todos que fizeram papel de palhaço ao votar no fantoche do yes, we can.
Agora eles não podem, não é?
Vi também o desgovernador Serra, responsável pela lei anti-fumo. Um grande avanço para o planeta. Serra estava ali, garantindo as imagens de arquivo para a campanha presidencial de 2010. Enquanto isso, São Paulo vai muito bem, obrigado.
Não sei quanto aos amigos, mas eu não tenho mais nem paciência para a estupidez humana. Nos tempos em que discutíamos questões ditas ideológicas, havia uma série de argumentos para defender que a tal empresa de comunicação não fazia parte do grupo de empresas que estranhamente saíam sempre ganhando. Na época, a empresa apenas refletia o bom-senso de sua direção.
Mas e agora?
Até outro dia, Barack Obama era o cavalheiro que vaselinava os discursos, mas mantinha toda a política de seu antecessor: manteve a invasão ao Afeganistão, manteve o caos do Iraque, continuou de gracinha com a Coréia do Norte, manteve a prisão de Guantánamo, manteve a ajuda aos banqueiros golpistas que destruíram a economia do país (e da população), manteve as políticas de saúde que excluíam os mais pobres e não mudou absolutamente nada no cenário internacional.
Era apenas mais um Senhor da Guerra.
Até que a ilibada comissão do Prêmio Nobel resolveu laureá-lo com o Nobel da Paz.
Elevou-se então a polêmica pelo planeta. Nobel pelo quê?
Logo surgiram algumas vozes, inclusive a da já citada empresa de comunicação, alegando que o prêmio referia-se ao futuro. Referia-se à personificação da esperança da humanidade, o senhor Barack Hussein. Disseram que o prêmio sinalizava uma mudança de caminhos. Algo que logo poderíamos todos testemunhar.
Semana passada, no entanto, Obama recebeu o prêmio. E discursou dizendo que manteria todas as guerras e que a guerra era uma maneira legítima de promover a paz.
Ouvi isso na mesma empresa, que não trouxe contexto nenhum, não debateu nada e fechou mais uma matéria como se falasse sobre um Messias.
Foi preciso menos de um mês para que mais uma mentira fosse deixada pelo caminho e ninguém se desse conta disso.
Durante pelo menos quinze anos, acompanhei o noticiário político nacional e internacional. Passei dois anos na capital do Brasil, estudando a fundo a nossa política e a política dos pelegos, que realmente crêem que nossa capital está em outro país.
Até que desisti.
Volto a levar o noticiário internacional a sério quando cada menção a país estrangeiro vier acompanhada da seguinte informação:
é uma democracia?
A Arábia Saudita, por exemplo, não é. E é "aliada" do "Ocidente". Por que será?
Dubai não é uma democracia. Nem Abu-Dhabi.
Você vê esses lugares como sinônimo de terroristas e ditadores?
Ou os enxerga como economias dinâmicas que podem oferecer bons negócios? Por que será?
Enquanto a informação sobre o tipo de governo for tirada da manga apenas para tratar de países que não se dobram de olhos fechados ao livre comércio (ou à liberdade de um certo grupo de empresas para dominarem territórios outros), considero tudo conversa para boi dormir.
Pensem no Iraque. Até o dia X, o Iraque era uma ditadura não só aliada como ainda financiada por alguns países. Exatamente como o temível Taliban. Até que o ditador iraquiano engrossa o jogo. Aí invade-se o país do sujeito, enforca-se o sujeito em praça pública, com transmissão integral pela TV, e loteia-se o país inteiro entre empresas daqueles mesmos países.
Hoje, o Iraque é quase um território privado.
Estou esperando uma novidade.
Se você mora no Brasil e esteve aqui durante o último ano, certamente ouviu falar sobre o sistema de castas da Índia.
Sim, a expressão é ouviu falar, já que você foi informado sobre como a sociedade indiana encara hoje o sistema. Não lhe foi levada nenhuma informação sobre a razão que havia por trás daquilo.
Não que fosse difícil explicar. Não levaria nem um bloco de capítulo de novela.
Duvida? Olha só:
imagine que seu pai seja um açougueiro. Agora imagine que você nasça com dotes artísticos. Será que você será um açougueiro? Ou será um artista?
Pois é: o mundo é feito daqueles que trabalham com os braços (de Brahma), somados aos que trabalham com a voz (de Brahma), somados aos que trabalham com as pernas (de Brahma)...
O mundo tem de tudo. E é necessário que cada coisa seja respeitada e preservada. O açougueiro, o artista, o soldado, o comerciante...
O que aconteceria se todos fossem artistas? Quem cuidaria da louça? E se fossem todos guerreiros? Quem cuidaria dos mortos?
Não sou um comerciante. Não nasci assim.
Não sou um comerciante, não sou um guerreiro, e a RAZÃO não me leva a aceitar que qualquer infeliz tenha mais direito ao planeta do que eu.
Ainda assim, qualquer criança de cinco anos já conhece os conceitos de vantagem, competição, ameaças, segurança... Só não sabe tocar um piano. Só não sabe olhar para si mesma e perceber que já está viva. Enquanto não surgir alguém que lhe diga o quanto ela vale, ela não será nada.
E como o valor das pessoas, hoje, está diretamente ligado ao tempo durante o qual elas podem apenas consumir, obedecer e votar sem pensar em nada, parece que todos nascerão e morrerão objetos.
Ainda sobre política, até aqui, já está perfeitamente claro para mim o seguinte: se um líder qualquer abre as pernas para essas mesmas empresas atuarem, ninguém cita a maneira como ele governa.
Se, por outro lado, ele fecha as pernas, o "mercado" pressiona, até que se canse e declare guerra.
Essa sim, no nosso planeta, é a concorrência de verdade: a guerra.
A única liberdade que está sendo de fato defendida é a liberdade de certas empresas atuarem sem qualquer controle e tornarem-se nosso novo governo. Já são as mesmas pessoas que dirigem empresas e países. Caso concreto? Robert MacNamara foi retirado da direção da GM e alçado a Secretário de Defesa (ou ataque?) dos EUA.
Outro caso concreto? Empresas são expulsas dos EUA porque emporcalham tudo e são bem recebidas no México, já que um governo corrupto e sócio daquelas empresas não teria por que impedi-las.
Sócio? Como assim? Bem, sem entrar na intimidade de ninguém, basta pensarmos: quem é que financia as campanhas políticas por aí? Quem é que garante a imagem dos candidatos antes, durante e após as eleições? Não são essas mesmas empresas?
Essa sim, no nosso planeta, é a concorrência de verdade: a guerra.
O resto são grupos de empresários reunindo-se e decidindo que quinhão do mundo vai ficar com cada um.
Pense: como uma quitanda pode competir com o grupo Pão de Açúcar? E qual o problema de o mercado ser inteiro dominado pelo Pão de Açúcar? Nenhum, a não ser o imenso fluxo de dinheiro que fica garantido para que essas mesmas figuras possam nos iludir com todo o seu padrão de qualidade.
Qual o problema de colocar o planeta nas mãos de um mesmo grupo, além do fato de que esse grupo vai nos usar como for mais conveniente?
Aqui, não existe mais política; só existe economia. Os últimos dinossauros que tentam fazer política, levando em conta a totalidade das pessoas, são atacados como se fossem fanáticos religiosos.
E enquanto isso, os verdadeiros fanáticos abrem mão de sua parcela humana e livre para ascenderem em uma hierarquia que só os leva - e a todos nós - cada vez mais para baixo.
Pior do que o sistema de castas da Índia é o sistema de castas de uma certa sociedade discreta, que coloca no patamar mais alto aqueles com maior capacidade para diminuirem os demais. E para abrirem mão de si mesmos.
É assim que é feito. Provas? Procure-as.
Quando olho para Barack Obama, vejo a pilha de livros que ele deve ter lido, entregues ordenadamente por algumas figuras acima dele. Um catecismo mesmo.
Não preciso visitar a biblioteca da Casa Branca para saber.
Tenho certeza de que Obama adora Henry Kissinger, embora não goste de Aristóteles. Se levasse o grego a sério, não seria do time que crê que a verdade é apenas uma mentira colorida e com alto padrão de qualidade. Se lesse Aristóteles, concordaria que a falta de noção descende da ignorância. Mas gente assim jamais se crê ignorante. Gente assim é vaidosa, quer ter poder e acredita que a verdade está do lado de quem vence o duelo.
Como na Idade Média mesmo. O pensamento desse povo vem de lá.
Sei também que Obama deve desprezar Platão. O mito da caverna, de Platão, é seguramente o primeiro exemplar do que hoje é chamado de teoria de conspiração. Se os amigos conhecem o texto, acredito que concordem comigo.
Para usar os termos difundidos pela bobagem oficial, Platão é o primeiro autor conspiratório da História.
Obama deve gostar de Madame Blavatsky, de Samael Aun Weor, de Albert Pike, aquelas figuras do século XIX que emergiram das trevas, trazendo um arremedo do conhecimento oriental, e converteram tudo em mentira, manipulação e dominação.
Teorias racistas são apenas um exemplo. E percebam que o grande mérito de Obama é ser negro. Raça, certo? A própria Klu Klux Klan, cujo fundador tem uma estátua em Washington, pronunciou-se oficialmente, dizendo que Barack "não é realmente negro, mas apenas metade".
E qual o apelo do presidente junto ao povo? Ora, ele é negro! É preciso mais do que a cor da pele para rotular alguém?
Piedade dos negros. O produto de menor valor. O objeto complexado, que morre de emoção com qualquer afago. Tão vaidoso quanto qualquer branco.
Black is beautiful? Não, amigo. Black is black. As beautiful as any other COLOR.
Ou negro não é mais cor também? É a afrodescendência comemorando o Dia da Consciência Negra.
O que importa é o rótulo. É a embalagem. Hoje, isso é ponto pacífico. Com uma boa embalagem, todos ficam satisfeitos.
A mesma pura vaidade que leva um negro a votar em alguém apenas por ser também negro leva uma Hillary Clinton a ameaçar militarmente toda uma América Latina, apenas pelo fato de ser mulher.
Sei que Hitler lia essas pessoas. Sei de onde o infeliz tirou boa parte de suas idéias. Foi desses autores que ele tirou toda sua simbologia mágica. E foi das teorias, da RAZÃO dessa gente, que se criou o Terceiro Reich.
Vocês já ouviram falar nos bravos U.S. Mariners, certo? Aqueles que aparecem nos filmes, salvando a humanidade dos piores monstros. Aqueles, os únicos do filme que têm o dia-a-dia registrado, que têm nomes próprios e histórias que deixaram para trás, na Carolina do Norte, namoradas sardentas que nos levam a nos identificar com eles.
Sim, porque os soldados inimigos não têm nome, não têm honra, não têm nem mãe.
Sabiam que o quartel-general dos Mariners é um prédio em forma de suástica? Nunca viram isso, certo?
Mas deve ser pura coincidência. Assim como a estátua de Pike. É que todas as minorias merecem seu espaço mesmo. A começar pelos negros do Mississipi. Oquei.
Falando sobre o Quarto Reich, cito algo interessante: quando recebeu o risível Nobel da Paz, o presidente Obama argumentou que "pacifistas não seriam capazes de derrotar as tropas de Hitler".
Já eu tomo a liberdade de pedir a palavra ao fantoche Uncle Tom e dizer que pacifistas não teriam criado Hitler, por maiores que fossem os lucros previstos.
Quanto custa a sua mente? Menos do que uma assinatura de TV a cabo.
Quanto vale a sua vida? Depende. Varia entre o nada e a cotação oficial do dólar.
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quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
MEU POP ARTESANAL
Comprei um gravador digital. Agora posso gravar qualquer idéia no mesmo momento em que ela surja. E depois de gravar, posso jogá-la direto para o mundo inteiro.
Muitos amigos são ligados em música. Alguns têm banda, muitos tocam algum instrumento. Quem se inclui nesse pessoal sabe que, para fazer música, não é preciso nenhuma frescura. Não é preciso luvinha, joelheira, faixinha no cabelo, escova progressiva, porres de vinho barato...
Não é preciso fazer pose de mau, ou de andrógino, ou de doidão. Não é preciso imitar ninguém, não é preciso ter ídolos, não é preciso reafirmar o ódio pela banda do amigo "rival". Não é preciso tribo. Aliás, que atraso são as tribos. Que atraso são as estéticas que te transformam em audiência, não em palco ou atração.
Mas disso tudo, Andy Warhol já tratou, quando flagrou a vocação da indústria pop para a cópia descarada. A pirataria artística, que é a norma, diferente da pirataria tecnológica, que é o crime.
Para fazer música, basta que você tenha um instrumento, sente-se com ele diante da TV por algumas horas diárias e, um dia, como em um passe de mágica, seus dedos encontrarão sozinhos o lugar certo para que emitam as notas mais perfeitas.
Não, não existe aquele papo de "tenho dedos curtos demais para tocar violão". Isso é mentira. Eu mesmo tenho dedos curtos, mas isso não me impede de reinventar minha técnica o tempo inteiro. Em minha última banda, o outro guitarrista, Peter Glitter, amigo de adolescência, tinha os dedos ainda mais curtos do que os meus.
Mas eu tinha uma Gibson Les Paul e ele tinha uma Gibson SG. Logo, quem se lembraria dos dedos?
Meu primeiro instrumento na vida foi uma guitarra. Uma Innsbruck, nacional, com apenas um captador, que movia-se pelo instrumento sobre pequenos trilhos. Sim, era isso mesmo: o captador andava. E não, não era bonito, não era uma boa idéia, não ficava maneiro e o som não era legal.
Custou o que hoje seriam o quê? Uns 50 merréis? De qualquer forma, foi na Innsbruck que comecei a tocar.
Comprei a guitarra no final de 1991, de uma vizinha do meu avô Pedro. Foi meu avô quem me deu também meu primeiro amplificador. A marca era Sanmi. Nunca mais a vi em lugar nenhum.
O amp era na verdade um console de lata, de cerca de 30cm de largura, e acoplava-se a um conjunto de falantes do arco da velha. Lembro até hoje da alegria que senti ao ouvir o pessoal da clássica banda The Kinks dizendo que tinha descoberto a distorção quando um falante se rasgou.
Descobri a distorção antes de descobrir os Kinks.
Na época, eu era um adolescente metaleiro. As bandas que eu ouvia pareciam basear-se não em acordes, mas em riffs de guitarra. Um riff é um pequeno trecho melódico que se repete ao longo da canção. No metal, os riffs são quase tudo. Sendo assim, antes que eu soubesse fazer uma posição de mi menor, já sabia tocar e chegava mesmo a inventar alguns riffs espertos.
Um ano depois da guitarra, viajei ao Nordeste. Em Alagoas, fiz alguns amigos que me chamaram para uma jam. Já que eu vinha do Sul, era cabeludo, vestia-me de negro e tinha uma guitarra, tudo indicava que eu seria uma boa aquisição.
Lembro da surpresa dos amigos quando descobriram que eu só sabia improvisar.
Alguns anos mais tarde, mudei de instrumento. Comprei uma Jackson, americana, com alavanca Floyd Rose e tudo o que um farofeiro possa imaginar.
Em dois anos de brincadeira, eu não agüentava mais a alavanca e já torcia o nariz para todos os efeitos que havia comprado.
Quando ajudei a montar o Los Hermanos, eu já não tocava guitarra há séculos. Ali, era a época da descoberta do jazz. Então eu resolvi comprar um saxofone tenor, a fim de me transformar em John Coltrane. Em uma semana, aprendi a fazer as notas. A partir dali, foi passar horas infinitas no salão de minha antiga casa, apenas soprando e acompanhando os discos clássicos.
Aprendi a tocar Duke Ellington com ele mesmo. Quando tirei minha carteirinha de saxofonista profissional na mafiosa Ordem dos Músicos do Brasil (OMB), foi isso o que expliquei. Quando me perguntaram onde aprendi a tocar, respondi sem titubear: "Com Duke Ellington, John Coltrane e Dexter Gordon".
Dexter Gordon tinha um disco de baladas que me influencia até hoje, seja qual for o estilo que faça, seja qual for o instrumento de escolha.
Deus, para mim, na música, é Chet Baker. Ainda assim, o trompete que tenho aqui parece difícil demais. Talvez, daqui a uns anos, eu aprenda a tocá-lo.
Já consegui o mais difícil, que foi assistir a uma meia dúzia de aulas de canto (em Brasília) e ouvir comentários doces sobre o que antes me causava timidez patológica: soltar a voz, como meu amado Chet.
Agora cansei do roque meio que totalmente. Então acabo passando bastante tempo agarrado ao violão. Tem isso também: há cerca de quatro anos, resolvi investir no violão. Comecei a ouvir música brasileira com mais atenção e descobri que precisaria reaprender a tocar.
Meu novo mestre? João Gilberto.
Não, não tento tocar como ele. Tento ir além.
Sim, assim como os White Stripes me ajudaram a perceber que o formato de quatro fabulosos, eternizado pelos Beatles, podia ser muito útil à propaganda, mas, musicalmente falando, passou a parecer mais uma imitação do que uma necessidade verdadeira, João Gilberto me levou ainda mais adiante. Dessa forma, montar outra banda com cinco ou oito pessoas já me soaria desnecessário.
Pensando sobre o resultado então, focando exclusivamente no que se ouve, João Gilberto já deixou claro que duzentos ritmistas socando tambores podem ser substituídos por um bom polegar fazendo a marcação na hora certa.
E ainda teve Baden Powell, mostrando que apenas uma corda solta soa como toda uma orquestra em uníssono. A partir daí, pareceu-me claro que meu caminho seria explorar a banda que existe dentro de mim.
Continuo munido de minha Les Paul, meu amp hoje é uma miniatura de Marshall, algo que mede cerca de 20cm de altura, e tudo volta ao ponto de onde comecei.
Abandonei os acordes que aprendi, descobri alguns tantos outros - pelo menos um por música - e o que aparece de mais diferente mesmo são essas unhas miseráveis, que agora preciso deixar em um tamanho indecente.
Sim, são minhas palhetas.
Ah, a teoria. Falar sobre música é como dançar sobre arquitetura.
Mas agora tudo vai ficar claro: sempre que uma melodia surgir em minha alma, sempre que minha voz desenhar escalas sobre acordes tortos e dissonantes, serei capaz de apenas esticar o braço e botar para funcionar minha multinacional particular; meu novo filho, que será carregado para todos os cantos, assim como eu fazia com meus bonecos do G.I. Joe, antes que encontrasse o verdadeiro habitat de minhas mãos: as cordas.
As cordas.
As cordas e as curvas, é claro.
De ambas, curto muito tirar um som.
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terça-feira, 15 de dezembro de 2009
HERSHEY'S COM CASTANHA DE CAJU
Para os apreciadores do bom cacau,
aqueles que sabem estar diante da mais preciosa uva, a uva morena, coro em arriscar, este espécime traz um dos melhores resultados na relação custo-benefício.
É consistente, bom de mastigar, ainda que derreta no palato mais deliciosamente do que outros similares disponíveis no mercado.
A castanha vem em boa quantidade, em pedaços bem pequenos, apenas o suficiente para conferir textura à cremosidade que instantaneamente se instala sobre a língua atiçada do verdadeiro connaisseur.
Uva morena (...).
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MEU CORO NÃO É ESSE AQUI
Hoje descuidei mais uma vez e acabei perdendo cinco minutos com notícias.
O que vi não vem ao caso. Escrevo aqui para que qualquer palavra - qualquer uma - povoe minha mente e o espaço que criei na internet, roubando o lugar que seria ocupado pelos nomes e fatos que são indignos de serem pronunciados por minha boca ou registrados por minha pena.
Não vem ao caso o que li. Não vem ao caso em quem estou pensando.
Hoje, mais uma vez, firmo o pé e digo aos quatro ventos que, em minha casa, não entram. Em minha vida, suas mentiras não colam. E em meu universo, aquela fração de segundo em que o homem comum, desinformado, tenta aliviar-se de seu sofrimento e sorrir, transformando a própria desgraça em piada, solidarizando-se com quem o transforma em zumbi, merece apenas a citação-lembrete de que isso realmente é feito.
Não vim ao mundo a passeio. Mas não vim também bater palma para maluco dançar. Eis aqui alguém que não faz parte do rebanho e que já flagra a mentira no momento em que é difundida.
Como comentei hoje com um amigo de adolescência e vida adulta, ex-companheiro de banda, em uma maravilhosa conversa pela internet, não acredito mais no ser humano. Aliás, não o reconheço mais como ser humano.
Quanto a mim, encaro a mim mesmo como uma peça de museu. Uma eletrola fora de época, fadada a passar seu tempo útil olhando em volta, admirada com um universo de cds. Ou de mp3. Admirada com o fato de que nem há mais uma espécie que a acompanhe pela vida toda. As espécies alternam-se e mantêm apenas seu caráter de objeto.
Sou uma eletrola que passou a irradiar freqüências, em vez de apenas reproduzi-las. Sei que não revelo tendência, movimento ou mutação alguma. Não creio que haja tantos como eu, não creio que ser como eu seja algo a ser aspirado - uma vez que meu caminho é exatamente isso; meu caminho - e confesso não me sentir obrigado a fingir que admiro todos à minha volta.
Não admiro.
Admiro toda a criação. Admiro tudo o que existe. Mas admiro por existir. Reconheço-me como parcela de tudo o que existe e admiro o que me completa exatamente por não ser eu. Se fosse eu, não me completaria. Apenas repetiria.
Ainda assim, toda casa tem um quarto, uma sala e um banheiro. Não é porque o banheiro é essencial que vou fazer minha cama ali.
Meu coro não é o dos descontentes. Meu coro é o dos que não perdem tempo olhando para baixo. Meu coro é o dos que voam, ainda que o vôo seja solitário.
Totalmente solo, o vôo nunca é. Sempre há as raridades, os elementos gêmeos, os irmãozinhos que, não podem evitar, dedicam-se a encontrar o mínimo que seja de alimento para o que pretendem manter de divino.
Sim, o ser humano - se é que ainda podemos chamar assim as mentes perdidas que vejo em volta - tem tanta abertura para o divino quanto para o infernal.
Sim, o homem, em sua natureza, é tão anjo quanto demônio. Tudo depende de onde vai se investir. Tudo depende dos botões que você vai apertar. Tudo depende das cordinhas que vão ser puxadas.
Meu coro não é esse aqui. Meu coro vem mais de cima. Vem mais do alto. Meu coro é o dos que voam e que, mesmo com as asas cortadas, com o corpo ferido, sabotado, assassinado sem deixar pistas, fecham os olhos e seguem em frente, exatamente como faziam enquanto eram prisioneiros da ignorância daqueles que, mesmo encarnando apenas parcela do universo, tentam pintar tudo de sua cor.
Seguem em frente porque é disso que são feitos: de seguir em frente. Não de andar em círculos.
Meu coro não é esse aqui. Eu desisto disso aqui. Desisto oitocentas vezes, deixo para quem quiser. Meu corpo, eu daria de presente, como muitos já deram, se acreditasse que isso serviria para algo.
Não sou Jesus. Não tenho o mínimo para ser messiânico: não tenho mais a fé no homem.
Tenho amor pela humanidade; assim como uma mãe ama um filho assassino. Mas não daria a vida pelo homem, porque o homem já não vive mesmo.
Meu coro é o dos que nem pensam, porque sabem que no final o que importa é sentir.
Meu coro não é o dos que tentam convencer, porque sabem que olhos, cada um tem os seus. Não adianta que cantem algo que eu nunca vi.
Aquele que diz a verdade nivela-se com os mentirosos.
Eu mesmo já disse em uma canção:
manhã cedinho, tudo já foi dito
agora só falta sentir.
Meu coro não é esse aqui.
Meu coro é o dos que voam. Voam por natureza, não por anseio ou objetivo.
Voam porque são livres.
Voam porque são feitos disso: voam, são feitos do vôo.
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sábado, 12 de dezembro de 2009
RESPEITO A NATUREZA
- mas você é de Sampa?
A pergunta já me soa estranha.
Existe um termo muito chique - sim, porque se algo neste planeta é chique, prefiro que sejam os franceses - que é o depayser.
Depayser = A. Transporter quelqu'un hors du pays, du lieu où il est ordinairement implanté. (Quasi-)synon. déraciner; anton. enraciner, rapatrier.=B. Changer le décor habituel ou les habitudes de quelque chose ou quelqu'un=C. Au fig. Déconcerter quelqu'un en le transportant dans un cadre inhabituel, en modifiant ses habitudes. (Quasi-)synon. dérouter, désorienter, égarer; anton. acclimater, familiariser. La vie du grand séminaire ne me dépaysa nullement. Elle était bien telle que je l'avais imaginée (BILLY, Introïbo, 1939, p. 38)
Em bom brasileiro, depayser é algo como desorientar-se territorialmente. Trocar tantas vezes de país que você perde as referências culturais, principalmente as que você associava ao que chamava de lar.
Ai lov Reeou, mas, sempre que volto ao Rio, sinto-me visitando algo que nem mesmo é real. Toda vez que volto à colorida Guanabara, sinto como se eu e todos que estão ali, há séculos, fôssemos meros coadjuvantes. O Rio é a prova concreta de que o ser humano é apenas algo que brotou sobre a crosta da Terra. Quase um mofo.
Palavra que eu curto. O mofo. É verde.
São Paulo já é diferente. São Paulo, vista de dentro, é o streaming e a engrenagem exposta. Vista de cima, são as veias saltadas da Terra, latejando brancas, vermelhas, amarelas e azuis.
Qualquer história vivida no Rio tem a cidade como protagonista.
Mas ela queria papo e perguntou se eu era de Sampa.
- mas você é de Sampa?
- não, eu nasci no Rio, mas estava morando em Brasília. Estou aqui há menos de um ano.
- ah, então a gente nem vai se conhecer... Que peninha.
- ...bom, eu não tenho raízes plantadas no chão, mas respeito a natureza.
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sexta-feira, 11 de dezembro de 2009
PROFISSÃO: MODELO
Acho que os amigos estão familiarizados com minha noção de destino.
Se não estiverem, procurem na internet por um texto chamado A Fila Anda. Publiquei-o no Portal Literal, ano passado, quando ainda estava em Brasília. O título, quem deu foi Cecilia Giannetti. Porque o texto era um e-mail que mandei para ela.
Façam isso ou estudem um pouco de Cabala. Minha visão se parece bastante com a dos mestres originais. Acabei descobrindo isso.
O principal sobre destino é que existem vários. Como no aeroporto, onde você lê destinos. Escolha um e mande brasa. Cansou? Escolha outro.
Quando eu tinha cerca de quatro anos, fiz minha estréia nas passarelas. A piada veio quase pronta: desfilei na Sociedade Hípica Brasileira. Não, não como um cavalo selvagem, um puro-sangue eroticamente perfeito.
Foi como menino mesmo. Subi na catwalk montado em meu cavalinho-de-pau - meu primeiro cachê - e deixei a haute-couture babando.
Ali, eu era um pequeno infante, loirinho e roliço. Quem cuidou de minhas roupas foi Fernanda Abreu. Ela mesma. Fernanda Abreu já me viu completamente nu. E já tocou em mim também.
Nas últimas setenteduas horas, traduzi 128 páginas. Ralei como um cavalo, parando apenas para a alfafa. De ontem para hoje, consegui dormir bonito, mas, na véspera, foi das duas às seis da matina.
Ontem sentei aqui às seis e quinze. Levantei no início da noite.
Tudo indicava que seria um dia normal, dentro da normalidade que estabeleci para mim mesmo há menos de um ano.
Tudo indicava. Até que recebi um e-mail engraçado, pedindo que eu enviasse algumas fotos charmosas. Minha sister do peito, Cecilia Sereia, foi quem fez o papel de cafetina.
Hoje eu estava preso no trânsito, tentando chegar da Avenida Paulista até Pinheiros. Teoricamente, distância que se faz de bicicleta. Mas em São Paulo...
Saí de casa às três da tarde, dois livros prontos debaixo do braço, rumo à editora. Caminhei a Paulista quase toda a pé, coisa que já se tornou rotina. Desta vez, fui a pé porque o trânsito parecia a caixa registradora das montadoras de automóvel. Ou do governador, é claro. Lotado.
Segui caminhando até a Frei Caneca. Ali, dobrei à direita e apanhei um táxi na transversal. Cheguei à editora às quatrimeia.
No caminho, eu e o companheiro taxista conversávamos sobre o caos, é evidente. Mal comentei que os paulistas estavam tão acostumados a perder a vida em engarrafamentos que não aceleravam nem quando o sinal abria; e estavam tão resignados em desperdiçar o dom divino de estarem vivos que já começavam a trabalhar dentro dos automóveis e...
tocou meu telefone.
O único que tenho. Tenho esse celular, mas é apenas por causa dos amigos. Não tenho um fixo. Digo: tenho, porque a Telefonica me obriga a ter, mas não o uso. Mesmo quando a própria Telefonica me importuna no celular, explico que não é da conta deles que eu não use a outra linha.
Mas o telefone tocou e eu me senti o Maluf.
Atendi.
- Oi, Carlos, é a Camila. Você não me conhece. Quem me passou seu contato foi a Cecilia. Estou ligando para dizer que a agência aprovou você. No dia 21 deste mês, você tem uma sessão de fotos.
Pois é. Em 2001, eu escrevi um romance. Em certa passagem, o protagonista resolvia conhecer o mundo de glamour da moda.
Dois anos depois, o romance serviu para que eu montasse uma banda de rock chamada Glamourama. Muitos dos amigos que conquistei surgiram nessa fase.
Agora é a vida real que confirma o livro. Confesso não me achar um modelo de beleza. De qualquer forma, como o nome da ocupação é apenas modelo, posso ser um exemplo de mau-comportamento.
Agora escrevo aqui e paro por um segundo, pois meu telefone toca novamente.
- Oi, Carlos, é a Camila de novo. Estou ligando para pedir que você mantenha a barba. Você foi aprovado de barba.
- Ah, que bom, Camila. Eu estava mesmo preocupado. Fiquei com medo que vocês me pedissem para tirá-la. E isso eu não pretendia fazer.
- Não, não tire. Deixe a barba, por favor.
- Certo. E os cabelos? Estava pensando em cortar ainda hoje. Posso?
Seguiu-se a isso uma breve discussão sobre como eu os cortaria, citando fotos do meu buque - hahahaha - e discutindo sobre ângulos, até que a convenci de que usaria apenas a máquina que tenho aqui.
Sim, eu corto o cabelo e a barba com a mesma máquina, sozinho, em casa. Há alguns anos, decidi que não precisaria mais de um barbeiro.
E olha que eu sou modelo.
Ainda falando sobre destino, este ano tem sido a prova para minhas teorias.
Em 2007, eu embarcava para Brasília, a fim de fazer cursos e aprender mais sobre política. Durante os dois anos em que fiquei lá, estudei assuntos sérios como um modelo estuda expressões faciais diante do espelho. Estudei, pesquisei, observei, e passei o tempo quase todo trancado em um pequeno apartamento, cujas paredes não eram nada além de lâminas de vidro, que iam do teto até o chão.
Passei dois anos sentado em um colchão, de pernas cruzadas, em um ambiente de luz. Literalmente.
Até que, chegando a um determinado ponto de meu isolamento e de minhas reflexões, voltei a fazer arte. Sim, todas distrações cortadas pela raiz, o que meu íntimo trouxe à tona foi arte.
Não sei se os amigos conhecem a Capital Federal. Certamente conhecem a fama. Brasília convive com um karma complicado. Basta que seu nome seja pronunciado para que se pense em coisas... Em coisas.
A última canção que me lembro de ter ouvido sobre a cidade não era muito elogiosa. E a música que vi ser feita ali não falava da cidade.
Estranho... Quando dei por mim, tinha composto uma.
O primeiro resultado concreto está aqui, nas palavras e no endereço de meu brother Ricardenrique, o Gas.
Surrupiei um parágrafo, em que ele considera a tal canção, Quarta-feira em Brasa, como a melhor música nacional deste ano. E uma das vinte melhores do mundo. Que honra.
A melhor música nacional ficou mesmo com Carlos Jazzmo , superando os ótimos discos da Céu, do Otto, do Cidadão Instigado e da Lulina. “Quarta-feira em Brasa” é resultado da experiência de um carioca morando durante um ano numa kitinete localizada acima do Rock’n Roll , hoje loja de açaí (sinal dos tempos). O registro é impecável e ganha imediatamente status de cult. Uma mistura de Viníciu de Moral com Vincent Gallo. Que bela música, Brasília!
E que agradecido eu sou, por ser personagem de uma história - a vida - que me permite reinventá-la duas vezes por minuto.
Repito o que digo há dois anos:
o ser humano é um personagem distraído e parcialmente auto-consciente.
Conhecer-se mais é apenas um processo.
Como dizia a Feiticeira, minha colega de profissão,
"não é magia; é tecnologia".
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quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
AH, MEUS VINTE ANOS...
Prezado Fulano Mallandro Shock,
Informamos a abertura da vaga "v216563 - Estagiário na Redação da Revista Playboy" (São Paulo/SP/BR), compatível com um perfil que você solicitou monitorar ou com o seu objetivo profissional.
Clique aqui para visualizar os detalhes desta vaga. Se ela lhe interessar, basta clicar em "Candidatura", e você será levado à página de confirmação da candidatura.
Aproveite para pesquisar e candidatar-se a outras vagas no site. E mantenha sempre atualizados os dados de seu cadastro.
Atenciosamente,
equipe VAGAS.com.br
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terça-feira, 8 de dezembro de 2009
PISCES
Sou pisciano.
Ascendente e júpiter em Touro, lua em Aquário, vênus em Áries, na casa doze, e o rabo do meu dragão sai da doze e cai na seis, junto com...
O fato é que sou pisciano.
A maior verdade que eu já li sobre meu signo foi a seguinte:
existem dois tipos de peixes: os que nadam para baixo e os que nadam para cima.
Agradeço à vida. Agradeço com soco no peito.
Por ter me mostrado as duas direções.
Em toda a sua intensidade, horror, delírio e mais absoluta maravilha.
É isso mesmo... Existem dois tipos de peixes. Os que nadam para baixo e os que nadam para cima.
Tsc, agradeço demais à vida.
Por ter me mostrado as duas direções.
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domingo, 6 de dezembro de 2009
JAYA KRISHNA! कृष्ण जया
Hoje, domingo, fui acordado por uma manifestação hare krishna que rolava debaixo de minha janela.
Devo ser o único morador de São Paulo que encara isso como um presente.
Uma festa para Krishna, o próprio avatar de Vishnu, bem debaixo de minha janela, por trás do alto de minha coroa.
Considero auspicioso.
Eram dez da manhã, Jazzmo ainda não havia levantado. Ficara até às quatro assistindo a Gandhi no dvd, até que não mais suportasse o torpor e desligasse os controles, jogando tudo sobre a cabeceira e enfiando-se por dentre as cobertas.
hehehe.
Apaguei bonito, no meio do filme, e acordei com os seguidores de Krishna debaixo de minha janela.
Segundo crêem os famosos devotos, e a partir do que ensina Sri Prabhupada, Krishna seria a oitava encarnação de Vishnu na Terra, um dos membros da trimurti: Brahma, Shiva, Vishnu.
Em termos cristãos, seria uma manifestação pacífica do espírito santo.
Politicamente, o ideário que cerca as figuras de Vishnu e Krishna foi fundamental para o processo de independência da Índia, em 1947, quando desligou-se oficialmente da metrópole britânica.
Ali, Gandhi, conhecido no mundo como mahatma (maha atman = grande alma), valeu-se dos Vedas para cunhar sua visão e sua prática de resistência pacífica e não-violência.
Nos anos sessenta do século XX, a visão devocional de Vishnu, e, por conseguinte, de Krishna, floresceu no canto ocidental do planeta pelas mãos e pela obra do famoso A.C Bhaktivedanta Swami Prabhupada. Aquele, estampado em todos os livrinhos que seus seguidores distribuem pelas cidades.
Se alguém quiser se filiar, eis o linque:
Sociedade Internacional da Consciência de Krishna (ISKCON)
Moral da história? Fico com o que dizem os Vedas:
"sempre lembrar-se de Krishna; jamais esquecer-se de Krishna".
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sábado, 5 de dezembro de 2009
INTO THE WILD
Dentro de um mês, embarco rumo à Amazônia.
Primeiro um airplane até Manaus, que ainda não conheço, e depois um barco contra a corrente do Solimões, até um povoado no meio da selva.
Dali, uma canoa até o meio dos índios e, então, a pé por dentro da massa verde.
Febre Amarela, não pego mais. Malária, vou descobrir como se faz. Vou alugar de novo Papillon, vou conversar com meu tio-avô, que vive lá e cuida justamente da malária dos brothers silvícolas.
Dizer o quê? Vou levar meu violão e vou levar o gravador que devo comprar na sexta que vem. A meu lado, tia e primas - até que ponto do trajeto, isso é a floresta quem vai dizer.
Quero ver o balé.
Para viajar al Amazonas, las autoridades sanitarias recomiendan vacunarse contra la fiebre amarilla, hepatitis B y tifus. En la selva se puede llegar a contraer la malaria, contra la que no existen vacunas todavía. Sin embargo, con un mínimo de prevención tomando profilaxis y un buen repelente el riesgo de contraerla es mínimo.
El sol en esta latitud es fuerte y es necesario llevar protector solar.
De enero hasta julio, en época de lluvias, llueve unas dos horas diarias. La temperatura ronda los 25-30 grados y la humedad es alta. Para la lluvia, conviene llevar ropa impermeable y botas altas. Recomendamos envolver en plástico impermeable los aparatos electrónicos.
En los paseos por la selva es mejor llevar pantalones y camiseta largos, para prevenir arañazos y picaduras de insectos. Para el resto del día, un pantalón corto, una camiseta y unas chanclas son suficientes.
La linterna resulta imprescindible durante las noches.
Tudo parece tão certo. Não é difícil imaginar-me ali, no meio da selva, em plena rain forest.
O Sting mesmo, hoje em dia, está a minha cara.
Olha ele aí, em meio a outros homens de bom-senso que optaram por um visual menos Ken & Barbie.
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sexta-feira, 4 de dezembro de 2009
quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
TELEFONICA BANDIDA
Quando foi a última vez que a sua linha da Telefonica deu pobrema?
Ontem?
Quando foi a última vez que você conseguiu assistir a um video na internet, sem que a conexão falhasse?
Foi antes de assinar com a Telefonica, certo?
Moro em um prédio em plena Avenida Paulista e aqui não tenho opção: tenho que ser cliente da Telefonica.
É isso mesmo: liberdade é bonito na propaganda.
No meu prédio, não tem cabeamento da NET, o Ajato se recusa a vir instalar o equipamento, alegando que os custos não seriam interessantes para a empresa (!), e a Telefonica ficou como a empresa obrigatória.
Em um ambiente governado por gente decente, honesta, isso não ocorreria.
Mas em São Paulo, território de José Serra, é assim que as coisas são.
Em São Paulo, você é obrigado a aceitar o caos que lhe é imposto. E o caos existe apenas de um certo ponto para baixo. Lá no topo, onde são travadas as negociações de campanha e os financiamentos ao longo da vida, tudo é bastante organizado.
Em São Paulo, não há conflito entre as grandes empresas. É apenas o povo que vive como ratos, pressionados pela grana que movimenta tudo.
O trânsito, impossível. Mas as empresas fabricantes de automóveis vão bem, obrigado.
A liberdade de sentar-se, fumar um cigarro e conversar não existe. Já as empresas fabricantes de cigarros vendem onde querem e financiam campanhas à vontade.
A fumaça do meu cigarro é proibida. Se quero fumar, preciso ir até à rua, onde a poluição chega a tornar o oxigênio visível.
Mas isso não é problema: com um quilo de remédios por mês e com a indústria farmacêutica distribuindo suas drogas por onde quer, o governador crê estar defendendo a saúde da população.
Tente fazer uma ligação para a Telefonica. Tente reclamar sobre a conexão. Tente qualquer tipo de ajuda, suporte ou acompanhamento. Tente.
Nem o próprio equipamento eles instalam. Sabia disso?
É isso mesmo: se você não sabe instalar seu equipamento de telefone e internet, é simples: aguarde meses até que o funcionário da Telefonica venha a sua casa e pague por fora o serviço de instalação.
Ah, mas os funcionários da Telefonica são corruptos também? Não é bem assim. Os funcionários são terceirizados. O que exime a empresa - ao menos segundo sua própria lógica - de qualquer abuso cometido.
Aguarde um desses funcionários. Sentado. Em fevereiro de 2009, pedi a instalação de uma tv a cabo aqui. Hoje, dia 3 de dezembro, a Telefonica ainda não veio instalá-la.
Insisti no pedido algumas vezes, mas acho que não tiveram vontade de me atender.
Não que eu quisesse a tv. Pedi apenas porque o pacote deles me obrigava a assinar um telefone fixo, que eu jamais quis, e o preço só seria "interessante" caso eu assinasse a tv.
Mas nem assim.
Nos últimos três dias, recebi cerca de dez ligações de um número que não conhecia, com prefixo de outra cidade.
Hoje resolvi atender. Era a Telefonica, cobrando o pagamento de uma conta cujo prazo de tolerância ainda não estourou.
Falta uma semana para encerrar-se meu prazo para pagar uma conta, mas a Telefonica está sempre comigo.
Mafiosos operando com o aval de bandidos.
Esta sim, é a realidade contemporânea.
Enquanto isso, o wi-fi fica de lado, já que ameaça os lucros desses sem-vergonha.
E aí, vai votar em quem?
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quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
PLANETA COLIBRI
Sofrer pelos pobremas do mundo é como querer que uma criança com síndrome de down tenha o desempenho de um Stephen Hawkins no colégio.
Não rola porque não há nível.
Aos seis anos de idade, Mozart era incentivado a ir adiante em sua genialidade ao piano.
Se as casas dos amigos dos pais de Wolfie não tivessem um piano, mas sim apenas um playstation II e diversas próteses para o raciocínio e a sensibilidade humana, ninguém nem teria-se dado conta do que rolava na cabeça do austroboy.
Talvez nem rolasse nada, tamanho o nível de distração e o volume de compromissos e obrigações.
Na idade adulta, Wolfie arranjou amigos que cultivavam o conhecimento que o diferenciou pela vida afora.
Até que um dia, os amigos de Wolfie ficaram tão poderosos e unidos que tomaram o mundo para si.
Não, não construíram um mundo de pianos e Stephen Hawkins.
Construíram um quintal para si mesmos.
Um jardim da infância perdida.
Uma espécie de planeta Colibri.
Imagino como seria a música, fossem os professores de Wolfie já retardados e movidos pela idéia de que quanto menos conhecimento e poder passassem adiante, mais superiores seriam em relação a seus aprendizes.
Ainda bem que esse pessoal optou pela política.
Põe a almofada no rosto e diz que está escondido.
O pior é que na Colibri isso funciona.
Pega um aluno, dá um compasso, um esquadro, ensina quinze formas que ele deve repetir ad nauseum, estilizando-as, ocultando-as, renovando-as, e chame o meninim de Niemeyer.
Ninguém vai ver a forma por baixo. Só a pintura a dedo do crianção.
Dizem que esse povo vive muito.
Deve ser a cabeça vazia.
Ou a merenda que tiram dos coleguinhas.
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sábado, 28 de novembro de 2009
TESÃO NO MEIO DO MATO
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Cheguei em Sampa no início deste ano, o de 2009. Cheguei em janeiro e saí à cata de apartamento e emprego.
Consegui o apê no prédio que queria, na avenida que havia escolhido.
Consegui o emprego que sonhara, lidando apenas com arte. Não com música, mas com literatura. Escrever é um esforço, sim, não é puro transe místico, mas preciso confessar que, quando deixei Brasília, não permiti que minha imaginação fabricasse um futuro ainda mais ousado. Então estou vivendo de escrever.
Enquanto cuido de minhas músicas e enquanto estudo assuntos outros, estou vivendo de escrever.
Tenho escrito romances. Daqueles que vendem em bancas de jornal. Na verdade, eu ando traduzindo esses livros. Traduzindo e editando. Se bem que não é exatamente tradução. Se fosse, sem pobrema. Mas agora mesmo, estou me preparando para mais uma enfiada de texto. E estou com o coração na mão.
Explico: eu recebo pelo que produzo. Na teoria, não tenho prazos ou horários. Escrevo o quanto quero e entrego na hora que escolho. O problema é que a coisa acaba não funcionando assim. Meu limite, como os mais espertos já devem ter flagrado, é o limite da conta bancária. É a quantidade de grana que tenho no banco que está definindo o quanto eu devo produzir.
Certo. Nessa busca pelo ponto perfeito, pelo ritmo e pela batida perfeita, acabei descobrindo que sou bastante rápido. Enquanto meus colegas de editora levam meses para traduzir um livro, eu faço o mesmo sem problemas em dez dias.
Hum, mas então qual o pobrema? O pobrema - ou poblema - é que quanto mais fiel eu consigo ser ao texto original, menos gostam minhas chefes. Cheguei a um ponto em que consigo traduzir como se apenas copiasse. O tempo que levo por página é o mesmo tempo que levaria para apenas passar algo a limpo.
Só que aí o texto fica com a mesma cara do texto dos autores americanos, ingleses, irlandeses, australianos etc.
E qual minha surpresa ao descobrir que o texto original não serve? Qual minha surpresa ao descobrir que os saltos interpretativos são o mais apreciado na história? Qual minha surpresa ao descobrir que, quanto mais eu viajo no texto, melhor a coisa vai ficando?
É, com viagem é mais caro.
Até cerca de duas semanas atrás, eu estava bem na fita. Minhas chefes rasgavam-se em elogios e eu sentia como se tudo estivesse resolvido pelos próximos anos, até que eu pudesse dar meus novos saltos. Agora, no entanto, depois de dois livros traduzidos quase ao pé da letra, escrevo mais um com o coração na mão.
Existe coisa mais difícil do que trabalhar contra o que diz um chefe? Tudo bem quando ele diz: "gostei muito. Faça de novo". Mas e quando ele diz algo como "seu texto está dando um trabalho danado para o copidesque"?
Como você faz? Nasce de novo? Tenta inventar do zero?
E se aquilo for apenas um aviso sobre como ela se sente, algo que pode ser transformado em "olha, querido, andei pensando e acho melhor...".
Argh, nem consigo terminar a frase.
A solução que encontrei até aqui foi escrever mais devagar e reler cada parágrafo depois de escrevê-lo.
Já descobri que minhas chefes não estão mesmo preocupadas com prazo. Então toda vez que eu correr para entregar um livro logo vou ouvir que o texto não ficou bom.
Bem, é um dilema. Se o trabalho feito da maneira original já era função de chinês, agora talvez seja algo cambodjano ou vietnamita.
Os livros que escrevo falam de sexo. De amor. De desejo. Você conhece esses livros.
Estou cansado. Estressado, cansado e pobre. Andei com um certo pobrema nas costas, por passar tempo demais escrevendo, e meu trabalho está todo atrasado. Digo: tomando como referência minha conta bancária.
A vida é engraçada. Algo que ontem parecia sua salvação hoje já te faz pensar em como a vida é dura. Sonhei com um emprego assim e agora sonho em poder descansar.
Talvez dê tudo certo. Dentro de uns dez dias de pura e insana ralação, posso estar mais tranqüilo. Ao mesmo tempo, como escrevo aqui correndo, com o coração na mão, um tanto cego pelo comentário de minha chefe, parece que este livro é o primeiro. Parece que acabei de chegar em Sampa e parece que tudo mais uma vez está incerto.
Não gosto dessa incerteza. Ainda não consegui arranjar uma maneira de simplesmente surfar sobre os compromissos mundanos, a fim de realmente viver pelas brechas. Estou tentando aumentar essas brechas, mas confesso que o impedimento tem sido o dinheiro.
Bem, tesão e dinheiro. Muita gente acha que os dois caminham juntos. Confesso que pensar em grana me broxa. E pensar em sexo me faz perder os prazos.
Acho que o escritor que escreve sobre sexo é parecido com a prostituta, que transforma em obrigação o que antes era prazer. Tenho medo de algum dia interromper uma trepada para consertar a concordância da moça. Tenho medo de receber uma cantada igual às dos livros e ter uma síncope; começar a gritar que hoje é sábado e eu não deveria estar trabalhando.
Mas talvez dê tudo certo. Estou exausto, mas talvez dê tudo certo.
E em janeiro, parece confirmado, vou dar um tempo disso tudo.
Passarei o mês na Amazônia.
Vou visitar um tio-avô que é médico dos índios, vou levar uma viola para fazer um som com ele, tio Manoel, devo levar um gravador para o meio do mato, devo passar um tempo entre os índios, conhecer os igarapés, descer e subir o Solimões, conhecer Manaus, aceitar qualquer tipo de chá que me ofereçam e rezar para que, no meio do mato, meu tesão... recrudesça.
Recrudescimento. Palavrinha de profissional. Preciso voltar ao beabá urgente.
Talvez, no meio do mato...
.
Cheguei em Sampa no início deste ano, o de 2009. Cheguei em janeiro e saí à cata de apartamento e emprego.
Consegui o apê no prédio que queria, na avenida que havia escolhido.
Consegui o emprego que sonhara, lidando apenas com arte. Não com música, mas com literatura. Escrever é um esforço, sim, não é puro transe místico, mas preciso confessar que, quando deixei Brasília, não permiti que minha imaginação fabricasse um futuro ainda mais ousado. Então estou vivendo de escrever.
Enquanto cuido de minhas músicas e enquanto estudo assuntos outros, estou vivendo de escrever.
Tenho escrito romances. Daqueles que vendem em bancas de jornal. Na verdade, eu ando traduzindo esses livros. Traduzindo e editando. Se bem que não é exatamente tradução. Se fosse, sem pobrema. Mas agora mesmo, estou me preparando para mais uma enfiada de texto. E estou com o coração na mão.
Explico: eu recebo pelo que produzo. Na teoria, não tenho prazos ou horários. Escrevo o quanto quero e entrego na hora que escolho. O problema é que a coisa acaba não funcionando assim. Meu limite, como os mais espertos já devem ter flagrado, é o limite da conta bancária. É a quantidade de grana que tenho no banco que está definindo o quanto eu devo produzir.
Certo. Nessa busca pelo ponto perfeito, pelo ritmo e pela batida perfeita, acabei descobrindo que sou bastante rápido. Enquanto meus colegas de editora levam meses para traduzir um livro, eu faço o mesmo sem problemas em dez dias.
Hum, mas então qual o pobrema? O pobrema - ou poblema - é que quanto mais fiel eu consigo ser ao texto original, menos gostam minhas chefes. Cheguei a um ponto em que consigo traduzir como se apenas copiasse. O tempo que levo por página é o mesmo tempo que levaria para apenas passar algo a limpo.
Só que aí o texto fica com a mesma cara do texto dos autores americanos, ingleses, irlandeses, australianos etc.
E qual minha surpresa ao descobrir que o texto original não serve? Qual minha surpresa ao descobrir que os saltos interpretativos são o mais apreciado na história? Qual minha surpresa ao descobrir que, quanto mais eu viajo no texto, melhor a coisa vai ficando?
É, com viagem é mais caro.
Até cerca de duas semanas atrás, eu estava bem na fita. Minhas chefes rasgavam-se em elogios e eu sentia como se tudo estivesse resolvido pelos próximos anos, até que eu pudesse dar meus novos saltos. Agora, no entanto, depois de dois livros traduzidos quase ao pé da letra, escrevo mais um com o coração na mão.
Existe coisa mais difícil do que trabalhar contra o que diz um chefe? Tudo bem quando ele diz: "gostei muito. Faça de novo". Mas e quando ele diz algo como "seu texto está dando um trabalho danado para o copidesque"?
Como você faz? Nasce de novo? Tenta inventar do zero?
E se aquilo for apenas um aviso sobre como ela se sente, algo que pode ser transformado em "olha, querido, andei pensando e acho melhor...".
Argh, nem consigo terminar a frase.
A solução que encontrei até aqui foi escrever mais devagar e reler cada parágrafo depois de escrevê-lo.
Já descobri que minhas chefes não estão mesmo preocupadas com prazo. Então toda vez que eu correr para entregar um livro logo vou ouvir que o texto não ficou bom.
Bem, é um dilema. Se o trabalho feito da maneira original já era função de chinês, agora talvez seja algo cambodjano ou vietnamita.
Os livros que escrevo falam de sexo. De amor. De desejo. Você conhece esses livros.
Estou cansado. Estressado, cansado e pobre. Andei com um certo pobrema nas costas, por passar tempo demais escrevendo, e meu trabalho está todo atrasado. Digo: tomando como referência minha conta bancária.
A vida é engraçada. Algo que ontem parecia sua salvação hoje já te faz pensar em como a vida é dura. Sonhei com um emprego assim e agora sonho em poder descansar.
Talvez dê tudo certo. Dentro de uns dez dias de pura e insana ralação, posso estar mais tranqüilo. Ao mesmo tempo, como escrevo aqui correndo, com o coração na mão, um tanto cego pelo comentário de minha chefe, parece que este livro é o primeiro. Parece que acabei de chegar em Sampa e parece que tudo mais uma vez está incerto.
Não gosto dessa incerteza. Ainda não consegui arranjar uma maneira de simplesmente surfar sobre os compromissos mundanos, a fim de realmente viver pelas brechas. Estou tentando aumentar essas brechas, mas confesso que o impedimento tem sido o dinheiro.
Bem, tesão e dinheiro. Muita gente acha que os dois caminham juntos. Confesso que pensar em grana me broxa. E pensar em sexo me faz perder os prazos.
Acho que o escritor que escreve sobre sexo é parecido com a prostituta, que transforma em obrigação o que antes era prazer. Tenho medo de algum dia interromper uma trepada para consertar a concordância da moça. Tenho medo de receber uma cantada igual às dos livros e ter uma síncope; começar a gritar que hoje é sábado e eu não deveria estar trabalhando.
Mas talvez dê tudo certo. Estou exausto, mas talvez dê tudo certo.
E em janeiro, parece confirmado, vou dar um tempo disso tudo.
Passarei o mês na Amazônia.
Vou visitar um tio-avô que é médico dos índios, vou levar uma viola para fazer um som com ele, tio Manoel, devo levar um gravador para o meio do mato, devo passar um tempo entre os índios, conhecer os igarapés, descer e subir o Solimões, conhecer Manaus, aceitar qualquer tipo de chá que me ofereçam e rezar para que, no meio do mato, meu tesão... recrudesça.
Recrudescimento. Palavrinha de profissional. Preciso voltar ao beabá urgente.
Talvez, no meio do mato...
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quinta-feira, 26 de novembro de 2009
EGRÉGORAS: SOBREVIVA
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Hoje resolvi falar de opostos.
O tema não surgiu do nada. Estamos, no mundo, vivendo um momento em que os diversos grupos humanos conseguiram levar adiante suas variadas formas de organização social, política e econômica, e, como imensas comitivas de apresentação, encontram-se no meio do caminho e dão origem ao que se escolheu chamar globalização.
Hoje, não há virtualmente um só ponto na Terra que não esteja ocupado ou pelo menos registrado pelas entidades centrais de controle. Boa parte da Amazônia continua vazia, assim como desertos, ilhas e acidentes geográficos diversos, mas não há coordenada que mantenha-se oculta ou livre do controle de algum país, empresa ou entidade.
Há cerca de alguns dias, líderes mundiais encontraram-se para debater sobre o clima do planeta. O encontro pode ser visto como o coroamento de uma contradição que vai ao fundo do ser humano:
o mesmo ser humano que gosta de crer-se em processo de evolução, que usa o avanço tecnológico para embasar a idéia, e que usa a idéia da superioridade cultural para empreender seus movimentos econômicos tem o cacoete de rejeitar propostas e soluções ousadas para problemas gerais alegando sermos todos animais, incapazes de levar a cabo qualquer intento que pareça idealista.
O discurso do controle se baseia na superioridade. A resposta à razão, por outro lado, se dá pela alegação da irracionalidade. Se isso não parte de uma mentira evidente, pode-se dizer no mínimo que baseia-se sobre a ignorância e a desatenção dos demais.
Vejam: as mesmas figuras que ocupam nosso imaginário há anos, décadas e séculos com o discurso da ciência, da razão e da ordem desistem desse discurso quando suas vantagens materiais mais imediatas parecem ser ameaçadas por alguma tentativa de nivelamento entre os homens. São pessoas que organizaram-se, que lutaram com toda a sua esperteza para assumir o controle das vidas de todos, mas que, diante de um empurrãozinho para a frente, dão o golpe do João-sem-braço e alegam que é tudo uma selva e que cada um deve agir por si mesmo.
Qualquer um que tenha o mínimo de interesse por política e pelos rumos do planeta já deve ter percebido que homem nenhum, sozinho, munido apenas de boas idéias, consegue implementar o que quer que seja. Aqueles que estudam política mais a fundo já devem ter percebido também que esse assunto é gerido por pessoas. Não há influências sobrenaturais, não há um destino que jogue os líderes em caminhos muito diferentes do que imaginaram ou algo assim.
Quem estuda a fundo sabe inclusive que movimentos como o nazismo, o fascismo, o comunismo e mesmo as revoluções burguesas - lideradas por empresários, banqueiros etc - como a americana ou a francesa, que foi realizada pelas mesmas cabeças da americana, partem da idéia de um grupo comportando-se como apenas uma pessoa. De forma coesa, hierarquizada e disciplinada.
De outra forma, desorganizados, banqueiros e empresários - inclusive das comunicações - não teriam dado golpes em reis e não teriam assumido para si o controle das sociedades.
Voltando aos dias de hoje: por ocasião do encontro sobre o clima, o presidente do Brasil fez um apelo humano, desesperado, para que os principais líderes mundiais - os que mais poluem e mais movimentam recursos no planeta - percebessem que os destinos da humanidade estão todos interligados. Foi um apelo para que pensassem nas conseqüências da estreiteza. Um apelo para que percebessem que o lixo emanado dali voltaria ali, mesmo que tivesse sido jogado bem longe. A fim de tornar a imagem clara, nosso presidente declarou que a Terra é redonda. Uma maneira de dizer inclusive que o mundo dá voltas.
Pois bem: não bastasse a indiferença geral diante do problema, as maiores empresas do país, coincidentemente entre elas a maior empresa de comunicação do país (a teórica irradiadora de CONHECIMENTO) preferiu assimilar apenas o tom de piada da constatação do homem. A Terra é redonda, disseram. Ainda bem que o presidente avisou.
Parece-me claro que o planeta Terra sofre de apenas uma mazela: cada ser humano vivo é depositário de uma fração da realidade. Cada pessoa que vive é capaz de reter na consciência uma fração do universo. Ainda assim, está na raiz da vaidade humana, na raiz do ego, o desejo de crer-se dotado de toda a verdade. Mesmo quem não estuda, não pesquisa, não vai atrás do conhecimento, nutre a doce ilusão de sentar-se por 45 minutos diante da tevê e aprender tudo o que existe no mundo.
É inclusive a partir dessa ilusão que certos agentes colocam-se realmente como se fossem iluminados, imparciais e extremamente cultos. Não são. São operários servindo a patrões e reproduzindo o mesmo erro vaidoso. Um mallandro visita um país completamente diferente, depois de anos de aprendizado restrito, e julga-se capaz de "informar" o resto das pessoas. E as pessoas, desesperadas para sairem por um segundo que seja da mais total ignorância, aceitam qualquer afago.
Há manipulação? É evidente. Mas só há porque ambos os lados assim decidiram.
Deixando mais clara a idéia das visões restritas e da mazela única do planeta, vou adiante.
Sentado aqui, olhando naquela direção, eu vejo o prédio em frente. Alguém que esteja na janela em frente vai ver a mim. Não vai ver próprio prédio.
E aí? Qual dos dois viu certo? O que, afinal, existe aqui em frente? O outro prédio ou o meu?
É evidente que existem os dois.
Ontem, assistindo à tevê, ouvi comentários sobre o falecido Aiatolá Komeini. A tevê trazia a aparente imensa contradição do aiatolá. Segundo leu-se em um livro do iraniano, "o vinho e as demais bebidas que embriagam são impuros. Já o ópio e o haxixe, esses não o são".
Reparem que a idéia é no mínimo original. Não há dificuldade em se achincalhar a idéia. Percebam, no entanto, que, aqui, no prédio daqui, no prédio "ocidental", o vinho e as demais bebidas são sinal de status social, enquanto o ópio e o haxixe são caso de polícia.
Qual a diferença?
Qual a metade da bola que é mais importante?
Existe um conceito filosófico e místico chamado egrégora. Uma egrégora é coisa simples de ser explicada.
Imagine que você e mais três amigos estão fechados em uma sala. Depois de algum tempo, o trio começará a emitir calor, cheiros, sons etc. Essas energias, chamemo-nas assim, hão de ficar se acumulando dentro do ambiente.
Agora perceba, sem grande esforço, que há energias em torno de nós que não são necessariamente captadas pelos cinco sentidos. Um exemplo? O raio ultra-violeta. Você já viu algum? E tem dúvidas de que ele existe?
Pois muito bem: agora imagine que você e seus três amigos passam uma semana nessa sala, trocando conceitos e opiniões sobre política, por exemplo. Depois de algum tempo, algum consenso nascerá dali.
Imagine então que esta sala está fechada em relação ao resto do mundo. Há abertura de ar, mas nenhuma informação externa chega ali. Apenas a informação que o porteiro da sala deixa passar. Se há uma guerra lá fora, o porteiro diz que há uma comemoração pela vitória do Flamengo. Se cai granizo, o porteiro diz que é chuva. Enquanto isso, você está dentro da sala, com seus amigos, assimilando o que diz o porteiro e incorporando às suas conversas.
Até que um dia a sala se abre e todo mundo sai dali. Parece-me claro que você sairá da sala com uma certa visão de mundo. E parece claro que precisará negociá-la com o resto do mundo, a fim de conviver em sociedade.
Agora imagine que você tenha passado tanto tempo dentro da sala que os discursos que ouviu sejam tão consistentes que nenhum outro consiga penetrar em você. Vai haver um choque.
Imagine ainda que você saia da sala com idéias tão ousadas que a sociedade não queira ou não aceite mais te incorporar. Haverá um choque.
Aí você pensa: mas eu não vivo em uma sala. Eu vivo no planeta e recebo informações do planeta inteiro.
Será?
Imagine alguém que vive, trabalha e tem amigos em um mesmo bairro determinado. Imagine que essa pessoa não tem tevê a cabo, apenas um canal de tevê, não lê jornais e não viaja pelo planeta. Não é a mesma sala de antes? Invisível, como o raio ultra-violeta, mas, ainda assim, real?
E imagine que esse bairro tenha um administrador, dono de uma empresa que paga os anúncios na tevê local e que assim permite que ela continue transmitindo. É interesse do administrador que você assista àquela tevê, assim como é interesse da tevê que você respeite o administrador. São esses dois agentes que mantêm a sala "em ordem". Ignore ambos e é bem possível que sua mente se abra para a curiosidade sobre a sala ao lado. O que faria você mudar de ótica, de conteúdo e, assim, mudar também o conteúdo de sua própria sala.
Voltemos às egrégoras. Egrégoras são o somatório de todas as energias emanadas por um determinado grupo, dentro de um determinado espaço. Ponha duzentas pessoas dentro de uma sala, aterrorize-as com alguma ameaça externa e repare em como as pessoas passam a se comportar. Repare que a sala vai ganhando ares terríveis. Chega uma hora em que a ansiedade e o desespero é tanto que não será difícil convencer os circunstantes a sair dali quebrando tudo. Basta dizer-lhes que o que os prende na sala não é o medo imposto, mas a ameaça real de quem está fora da sala. Se eles quiserem sair, precisarão aniquilar quem está do lado de fora.
Ora, então você sai da sala imbuído de medo e preconceitos. Se você não conhece o planeta, mas apenas a sala, você lida apenas com a existência das coisas da sala. Se na sala não há um cachorro, quando você se deparar com um não vai poder pensar: é apenas um cachorro. Você vai olhar o bicho e vai encará-lo como um monstro.
O planeta, diferente da mentalidade estreita das pessoas, abriga todos os opostos.
Na verdade, o planeta é o resultado do encontro constante entre os opostos. É a riqueza e a diversidade de elementos da Terra que inclusive possibilita a existência do que chamamos de vida.
E o planeta, assim como qualquer indivíduo isolado, pode ser compreendido através de correlações.
Um exemplo simples: em um certo país muçulmano, um grupo mercenário chamado Taliban foi incentivado, treinado e armado pelos EUA, a fim de fazer frente a seu então rival ou oposto, a URSS.
Diante desse choque de opostos, um dos lados resolveu investir no Taliban. Hoje, encerrada a oposição EUA e URSS, sobrou o Taliban forte e dominante, que agora passou a ser o oposto preferido pelos EUA. Assim como o mais conveniente, já que movimenta a imensa indústria americana de armas - o principal produto de exportação dos EUA. Hoje é fato: sem guerras, os EUA vão à falência. Hoje, o mundo se ampara em um traficante de armas. Esse é o espírito que comanda, esses são os valores que comandam e essa é a egrégora que se forma.
O mundo está tosco? De onde é irradiada a tosqueira? Quais são os valores dominantes, aqueles que lutamos para defender?
Voltando ao cerne: o Taliban tem suas críticas mais fáceis na maneira como encara os costumes. Roupas femininas são o argumento mais usado por alguns para criticar o grupo de mercenários. Sim, porque a questão da ditadura, da repressão, da violação aos direitos humanos não é levada em conta na Arábia Saudita, no Paquistão ou em diversos outros aliados daqueles que alegam defender a liberdade. O problema do Taliban não é esse. Não é a repressão à liberdade. Aos olhos do público, segundo o que é apresentado ao público, não é esse.
Agora percebam: de um lado do planeta, você cria uma sociedade repressora, que tenta controlar um dos mais preciosos bens do planeta, que são os encantos femininos. Faz isso, supostamente, a fim de libertá-las da sanha de controle do homem. Para que as mulheres vivam em paz, eles as escondem.
Do lado de cá, por outro caminho, a oportunidade de virar um objeto sexual virou questão de honra. Na sala de cá, a repressão é ao status de objeto descartado. Que seja a mulher um objeto, mas que seja um objeto amado. Que receba de fora a auto-estima que não é capaz de nutrir por si mesma. Sim, é isso o que fazemos aqui: convencemos a mulher de que é um bibelô. Mesmo isso é tão radical que hoje, diante da chance de fazerem virtualmente o que quiserem, mulheres estão se dividindo em dois grupos radicais: as que aceitam ser objeto de bom-grado e as que resistem a isso, migrando cada vez mais à postura masculina (ou machista) que enxergam como a única alternativa. Cada vez mais dinâmicas, cada vez menos atentas a seu lado imaterial. Viraram ganhadoras de dinheiro. Bichos na selva do mais esperto.
Aqui, tanta foi a manipulação sobre as mulheres ao longo dos séculos, que o jogo virou e não se sabe mais o que se está buscando.
Em termos mundiais, de um lado, a questão torna-se explícita no Taliban. Do outro lado, é a Uniban.
Um esconde demais, outro mostra tudo.
Parece jogo de palavras? Assim como Obama e Osama? Pois é, certas lógicas podem não ser tão evidentes mesmo.
Taliban e Uniban. Um reprime, outro cria um ambiente tão depravado e destrutivo que uma concentração de jovens dentro de uma sala acaba explodindo como vimos nos jornais. Centenas de jovens pensando apenas em sexo. Uma menina movida a sexo e ao desejo de sentir-se importante. O resultado? Todo mundo viu.
O fenômeno da Uniban, inclusive, não foi peça única. Na mesma faculdade, semanas antes, outra jovem foi espancada, arrancada de dentro do carro, já que recusou-se a participar de uma manifestação.
Outro caso idêntico foi o da menina Eloá: centenas de pessoas sem mais o que fazer, paradas no meio da rua, esperando fortemente que alguma tragédia acontecesse. A mídia toda transmitindo em tempo real, a fim de obviamente não perder o "momento crucial". Ou seja: o tiro. Uma polícia exaustivamente treinada para um mundo cão. No Rio, inclusive, o símbolo das operações especiais da polícia é uma caveira atravessada por um punhal. Esse é o clima que se cria. Essa é a egrégora. Hoje, no Rio de Janeiro, a força "do bem" veste-se de negro e grita "caveira!".
E ali, a Eloá. Além de tudo o que cito, inclua aí uma menina sem perspectivas que, quase voluntariamente, adentrou a casa do assassino, pais sem qualquer coisa na cabeça, um pai que já era procurado pela polícia e um menino perturbado que foi aceito no seio da família. Junte isso tudo, ponha em uma panela de pressão e você cria um pequeno universo, com situações próprias e valores próprios. Não é de se espantar que, no meio desse circo dos horrores, a amiga da vítima tenha voltado ao lugar do crime, apenas para receber seu próprio tiro.
Voltou por quê? Porque a situação levava a isso. Conduzia a isso. Egrégora. Dentro daquele microcosmo, a lógica geral dizia que a menina voltasse ao apartamento e sim, fosse baleada.
Alguém que estava vendo tevê naquele momento percebeu que TODOS (inclusive eu) viram um tiro que não ocorreu? Um tiro que teoricamente levou a polícia a arrombar a casa e sair atirando? Pois é: aquele primeiro tiro não houve. Mas todo mundo viu. Agora pensem na força de centenas de pessoas (milhões, pela tevê) torcendo para que a ação se desenrolasse de uma vez. Será que isso, esse desejo sombrio todo, não é capaz de gerar a impressão de um tiro?
Será que o desejo não leva à impressão?
Pesquisem sobre egrégoras. Assistam ao filme "Fim dos dias". E fiquem já com a dica do spoiler: a receita é manter o estado de espírito constante.
Não é complicado encontrar o meio-termo no estilo de vida do ser humano. Não é difícil encontrar o ponto em que todas as salas, todas as sociedades, sejam capazes de conviver e trocar informações. Mas para que isso ocorra, é preciso que cada um seja capaz de olhar além da sala. Se fizer isso, vai passar a se detestar por ter perdido tanto tempo. Ao mesmo tempo, a brutal expansão de consciência que essa abertura geraria seria tão violenta que o novo viajante não seria capaz de convencer-se a perder tempo combatendo quem quer que fosse. Sairia para brincar e azar do porteiro antigo.
A questão é que o porteiro sabe de sua função. E por mais que ele diga que, lá fora, é cada um por si, ele é parte de um grupo de porteiros que circula livremente e troca a guarda com seus companheiros. Todos os porteiros a fim de uma mesma coisa: controle sobre si e sobre os outros. Esse porteiro pensa que controlar os outros vai lhe garantir, por comparação, uma posição superior. Não sabe, no entanto, que perde a vida trabalhando para que seus superiores mantenham todos presos em salas.
Não há diferença entre o preso e o carcereiro. Estão ambos encerrados por grades.
E enquanto isso, o planeta vai na espiral descendente. E ao longo do movimento, o desespero aumenta, assim como a tentação de dizer que a culpa é de Fulano ou Ciclano.
Em um ponto assim, o que é mais conveniente do que um inimigo comum?
Não se enganem: além de sua própria consciência, só o que há é o ego dos outros. Duvide de quem lhe afaga a cabeça e diz protegê-lo dos monstros. Não há monstros aqui. Só há ignorância e seu filho mais velho, o conhecido sofrimento.
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Hoje resolvi falar de opostos.
O tema não surgiu do nada. Estamos, no mundo, vivendo um momento em que os diversos grupos humanos conseguiram levar adiante suas variadas formas de organização social, política e econômica, e, como imensas comitivas de apresentação, encontram-se no meio do caminho e dão origem ao que se escolheu chamar globalização.
Hoje, não há virtualmente um só ponto na Terra que não esteja ocupado ou pelo menos registrado pelas entidades centrais de controle. Boa parte da Amazônia continua vazia, assim como desertos, ilhas e acidentes geográficos diversos, mas não há coordenada que mantenha-se oculta ou livre do controle de algum país, empresa ou entidade.
Há cerca de alguns dias, líderes mundiais encontraram-se para debater sobre o clima do planeta. O encontro pode ser visto como o coroamento de uma contradição que vai ao fundo do ser humano:
o mesmo ser humano que gosta de crer-se em processo de evolução, que usa o avanço tecnológico para embasar a idéia, e que usa a idéia da superioridade cultural para empreender seus movimentos econômicos tem o cacoete de rejeitar propostas e soluções ousadas para problemas gerais alegando sermos todos animais, incapazes de levar a cabo qualquer intento que pareça idealista.
O discurso do controle se baseia na superioridade. A resposta à razão, por outro lado, se dá pela alegação da irracionalidade. Se isso não parte de uma mentira evidente, pode-se dizer no mínimo que baseia-se sobre a ignorância e a desatenção dos demais.
Vejam: as mesmas figuras que ocupam nosso imaginário há anos, décadas e séculos com o discurso da ciência, da razão e da ordem desistem desse discurso quando suas vantagens materiais mais imediatas parecem ser ameaçadas por alguma tentativa de nivelamento entre os homens. São pessoas que organizaram-se, que lutaram com toda a sua esperteza para assumir o controle das vidas de todos, mas que, diante de um empurrãozinho para a frente, dão o golpe do João-sem-braço e alegam que é tudo uma selva e que cada um deve agir por si mesmo.
Qualquer um que tenha o mínimo de interesse por política e pelos rumos do planeta já deve ter percebido que homem nenhum, sozinho, munido apenas de boas idéias, consegue implementar o que quer que seja. Aqueles que estudam política mais a fundo já devem ter percebido também que esse assunto é gerido por pessoas. Não há influências sobrenaturais, não há um destino que jogue os líderes em caminhos muito diferentes do que imaginaram ou algo assim.
Quem estuda a fundo sabe inclusive que movimentos como o nazismo, o fascismo, o comunismo e mesmo as revoluções burguesas - lideradas por empresários, banqueiros etc - como a americana ou a francesa, que foi realizada pelas mesmas cabeças da americana, partem da idéia de um grupo comportando-se como apenas uma pessoa. De forma coesa, hierarquizada e disciplinada.
De outra forma, desorganizados, banqueiros e empresários - inclusive das comunicações - não teriam dado golpes em reis e não teriam assumido para si o controle das sociedades.
Voltando aos dias de hoje: por ocasião do encontro sobre o clima, o presidente do Brasil fez um apelo humano, desesperado, para que os principais líderes mundiais - os que mais poluem e mais movimentam recursos no planeta - percebessem que os destinos da humanidade estão todos interligados. Foi um apelo para que pensassem nas conseqüências da estreiteza. Um apelo para que percebessem que o lixo emanado dali voltaria ali, mesmo que tivesse sido jogado bem longe. A fim de tornar a imagem clara, nosso presidente declarou que a Terra é redonda. Uma maneira de dizer inclusive que o mundo dá voltas.
Pois bem: não bastasse a indiferença geral diante do problema, as maiores empresas do país, coincidentemente entre elas a maior empresa de comunicação do país (a teórica irradiadora de CONHECIMENTO) preferiu assimilar apenas o tom de piada da constatação do homem. A Terra é redonda, disseram. Ainda bem que o presidente avisou.
Parece-me claro que o planeta Terra sofre de apenas uma mazela: cada ser humano vivo é depositário de uma fração da realidade. Cada pessoa que vive é capaz de reter na consciência uma fração do universo. Ainda assim, está na raiz da vaidade humana, na raiz do ego, o desejo de crer-se dotado de toda a verdade. Mesmo quem não estuda, não pesquisa, não vai atrás do conhecimento, nutre a doce ilusão de sentar-se por 45 minutos diante da tevê e aprender tudo o que existe no mundo.
É inclusive a partir dessa ilusão que certos agentes colocam-se realmente como se fossem iluminados, imparciais e extremamente cultos. Não são. São operários servindo a patrões e reproduzindo o mesmo erro vaidoso. Um mallandro visita um país completamente diferente, depois de anos de aprendizado restrito, e julga-se capaz de "informar" o resto das pessoas. E as pessoas, desesperadas para sairem por um segundo que seja da mais total ignorância, aceitam qualquer afago.
Há manipulação? É evidente. Mas só há porque ambos os lados assim decidiram.
Deixando mais clara a idéia das visões restritas e da mazela única do planeta, vou adiante.
Sentado aqui, olhando naquela direção, eu vejo o prédio em frente. Alguém que esteja na janela em frente vai ver a mim. Não vai ver próprio prédio.
E aí? Qual dos dois viu certo? O que, afinal, existe aqui em frente? O outro prédio ou o meu?
É evidente que existem os dois.
Ontem, assistindo à tevê, ouvi comentários sobre o falecido Aiatolá Komeini. A tevê trazia a aparente imensa contradição do aiatolá. Segundo leu-se em um livro do iraniano, "o vinho e as demais bebidas que embriagam são impuros. Já o ópio e o haxixe, esses não o são".
Reparem que a idéia é no mínimo original. Não há dificuldade em se achincalhar a idéia. Percebam, no entanto, que, aqui, no prédio daqui, no prédio "ocidental", o vinho e as demais bebidas são sinal de status social, enquanto o ópio e o haxixe são caso de polícia.
Qual a diferença?
Qual a metade da bola que é mais importante?
Existe um conceito filosófico e místico chamado egrégora. Uma egrégora é coisa simples de ser explicada.
Imagine que você e mais três amigos estão fechados em uma sala. Depois de algum tempo, o trio começará a emitir calor, cheiros, sons etc. Essas energias, chamemo-nas assim, hão de ficar se acumulando dentro do ambiente.
Agora perceba, sem grande esforço, que há energias em torno de nós que não são necessariamente captadas pelos cinco sentidos. Um exemplo? O raio ultra-violeta. Você já viu algum? E tem dúvidas de que ele existe?
Pois muito bem: agora imagine que você e seus três amigos passam uma semana nessa sala, trocando conceitos e opiniões sobre política, por exemplo. Depois de algum tempo, algum consenso nascerá dali.
Imagine então que esta sala está fechada em relação ao resto do mundo. Há abertura de ar, mas nenhuma informação externa chega ali. Apenas a informação que o porteiro da sala deixa passar. Se há uma guerra lá fora, o porteiro diz que há uma comemoração pela vitória do Flamengo. Se cai granizo, o porteiro diz que é chuva. Enquanto isso, você está dentro da sala, com seus amigos, assimilando o que diz o porteiro e incorporando às suas conversas.
Até que um dia a sala se abre e todo mundo sai dali. Parece-me claro que você sairá da sala com uma certa visão de mundo. E parece claro que precisará negociá-la com o resto do mundo, a fim de conviver em sociedade.
Agora imagine que você tenha passado tanto tempo dentro da sala que os discursos que ouviu sejam tão consistentes que nenhum outro consiga penetrar em você. Vai haver um choque.
Imagine ainda que você saia da sala com idéias tão ousadas que a sociedade não queira ou não aceite mais te incorporar. Haverá um choque.
Aí você pensa: mas eu não vivo em uma sala. Eu vivo no planeta e recebo informações do planeta inteiro.
Será?
Imagine alguém que vive, trabalha e tem amigos em um mesmo bairro determinado. Imagine que essa pessoa não tem tevê a cabo, apenas um canal de tevê, não lê jornais e não viaja pelo planeta. Não é a mesma sala de antes? Invisível, como o raio ultra-violeta, mas, ainda assim, real?
E imagine que esse bairro tenha um administrador, dono de uma empresa que paga os anúncios na tevê local e que assim permite que ela continue transmitindo. É interesse do administrador que você assista àquela tevê, assim como é interesse da tevê que você respeite o administrador. São esses dois agentes que mantêm a sala "em ordem". Ignore ambos e é bem possível que sua mente se abra para a curiosidade sobre a sala ao lado. O que faria você mudar de ótica, de conteúdo e, assim, mudar também o conteúdo de sua própria sala.
Voltemos às egrégoras. Egrégoras são o somatório de todas as energias emanadas por um determinado grupo, dentro de um determinado espaço. Ponha duzentas pessoas dentro de uma sala, aterrorize-as com alguma ameaça externa e repare em como as pessoas passam a se comportar. Repare que a sala vai ganhando ares terríveis. Chega uma hora em que a ansiedade e o desespero é tanto que não será difícil convencer os circunstantes a sair dali quebrando tudo. Basta dizer-lhes que o que os prende na sala não é o medo imposto, mas a ameaça real de quem está fora da sala. Se eles quiserem sair, precisarão aniquilar quem está do lado de fora.
Ora, então você sai da sala imbuído de medo e preconceitos. Se você não conhece o planeta, mas apenas a sala, você lida apenas com a existência das coisas da sala. Se na sala não há um cachorro, quando você se deparar com um não vai poder pensar: é apenas um cachorro. Você vai olhar o bicho e vai encará-lo como um monstro.
O planeta, diferente da mentalidade estreita das pessoas, abriga todos os opostos.
Na verdade, o planeta é o resultado do encontro constante entre os opostos. É a riqueza e a diversidade de elementos da Terra que inclusive possibilita a existência do que chamamos de vida.
E o planeta, assim como qualquer indivíduo isolado, pode ser compreendido através de correlações.
Um exemplo simples: em um certo país muçulmano, um grupo mercenário chamado Taliban foi incentivado, treinado e armado pelos EUA, a fim de fazer frente a seu então rival ou oposto, a URSS.
Diante desse choque de opostos, um dos lados resolveu investir no Taliban. Hoje, encerrada a oposição EUA e URSS, sobrou o Taliban forte e dominante, que agora passou a ser o oposto preferido pelos EUA. Assim como o mais conveniente, já que movimenta a imensa indústria americana de armas - o principal produto de exportação dos EUA. Hoje é fato: sem guerras, os EUA vão à falência. Hoje, o mundo se ampara em um traficante de armas. Esse é o espírito que comanda, esses são os valores que comandam e essa é a egrégora que se forma.
O mundo está tosco? De onde é irradiada a tosqueira? Quais são os valores dominantes, aqueles que lutamos para defender?
Voltando ao cerne: o Taliban tem suas críticas mais fáceis na maneira como encara os costumes. Roupas femininas são o argumento mais usado por alguns para criticar o grupo de mercenários. Sim, porque a questão da ditadura, da repressão, da violação aos direitos humanos não é levada em conta na Arábia Saudita, no Paquistão ou em diversos outros aliados daqueles que alegam defender a liberdade. O problema do Taliban não é esse. Não é a repressão à liberdade. Aos olhos do público, segundo o que é apresentado ao público, não é esse.
Agora percebam: de um lado do planeta, você cria uma sociedade repressora, que tenta controlar um dos mais preciosos bens do planeta, que são os encantos femininos. Faz isso, supostamente, a fim de libertá-las da sanha de controle do homem. Para que as mulheres vivam em paz, eles as escondem.
Do lado de cá, por outro caminho, a oportunidade de virar um objeto sexual virou questão de honra. Na sala de cá, a repressão é ao status de objeto descartado. Que seja a mulher um objeto, mas que seja um objeto amado. Que receba de fora a auto-estima que não é capaz de nutrir por si mesma. Sim, é isso o que fazemos aqui: convencemos a mulher de que é um bibelô. Mesmo isso é tão radical que hoje, diante da chance de fazerem virtualmente o que quiserem, mulheres estão se dividindo em dois grupos radicais: as que aceitam ser objeto de bom-grado e as que resistem a isso, migrando cada vez mais à postura masculina (ou machista) que enxergam como a única alternativa. Cada vez mais dinâmicas, cada vez menos atentas a seu lado imaterial. Viraram ganhadoras de dinheiro. Bichos na selva do mais esperto.
Aqui, tanta foi a manipulação sobre as mulheres ao longo dos séculos, que o jogo virou e não se sabe mais o que se está buscando.
Em termos mundiais, de um lado, a questão torna-se explícita no Taliban. Do outro lado, é a Uniban.
Um esconde demais, outro mostra tudo.
Parece jogo de palavras? Assim como Obama e Osama? Pois é, certas lógicas podem não ser tão evidentes mesmo.
Taliban e Uniban. Um reprime, outro cria um ambiente tão depravado e destrutivo que uma concentração de jovens dentro de uma sala acaba explodindo como vimos nos jornais. Centenas de jovens pensando apenas em sexo. Uma menina movida a sexo e ao desejo de sentir-se importante. O resultado? Todo mundo viu.
O fenômeno da Uniban, inclusive, não foi peça única. Na mesma faculdade, semanas antes, outra jovem foi espancada, arrancada de dentro do carro, já que recusou-se a participar de uma manifestação.
Outro caso idêntico foi o da menina Eloá: centenas de pessoas sem mais o que fazer, paradas no meio da rua, esperando fortemente que alguma tragédia acontecesse. A mídia toda transmitindo em tempo real, a fim de obviamente não perder o "momento crucial". Ou seja: o tiro. Uma polícia exaustivamente treinada para um mundo cão. No Rio, inclusive, o símbolo das operações especiais da polícia é uma caveira atravessada por um punhal. Esse é o clima que se cria. Essa é a egrégora. Hoje, no Rio de Janeiro, a força "do bem" veste-se de negro e grita "caveira!".
E ali, a Eloá. Além de tudo o que cito, inclua aí uma menina sem perspectivas que, quase voluntariamente, adentrou a casa do assassino, pais sem qualquer coisa na cabeça, um pai que já era procurado pela polícia e um menino perturbado que foi aceito no seio da família. Junte isso tudo, ponha em uma panela de pressão e você cria um pequeno universo, com situações próprias e valores próprios. Não é de se espantar que, no meio desse circo dos horrores, a amiga da vítima tenha voltado ao lugar do crime, apenas para receber seu próprio tiro.
Voltou por quê? Porque a situação levava a isso. Conduzia a isso. Egrégora. Dentro daquele microcosmo, a lógica geral dizia que a menina voltasse ao apartamento e sim, fosse baleada.
Alguém que estava vendo tevê naquele momento percebeu que TODOS (inclusive eu) viram um tiro que não ocorreu? Um tiro que teoricamente levou a polícia a arrombar a casa e sair atirando? Pois é: aquele primeiro tiro não houve. Mas todo mundo viu. Agora pensem na força de centenas de pessoas (milhões, pela tevê) torcendo para que a ação se desenrolasse de uma vez. Será que isso, esse desejo sombrio todo, não é capaz de gerar a impressão de um tiro?
Será que o desejo não leva à impressão?
Pesquisem sobre egrégoras. Assistam ao filme "Fim dos dias". E fiquem já com a dica do spoiler: a receita é manter o estado de espírito constante.
Não é complicado encontrar o meio-termo no estilo de vida do ser humano. Não é difícil encontrar o ponto em que todas as salas, todas as sociedades, sejam capazes de conviver e trocar informações. Mas para que isso ocorra, é preciso que cada um seja capaz de olhar além da sala. Se fizer isso, vai passar a se detestar por ter perdido tanto tempo. Ao mesmo tempo, a brutal expansão de consciência que essa abertura geraria seria tão violenta que o novo viajante não seria capaz de convencer-se a perder tempo combatendo quem quer que fosse. Sairia para brincar e azar do porteiro antigo.
A questão é que o porteiro sabe de sua função. E por mais que ele diga que, lá fora, é cada um por si, ele é parte de um grupo de porteiros que circula livremente e troca a guarda com seus companheiros. Todos os porteiros a fim de uma mesma coisa: controle sobre si e sobre os outros. Esse porteiro pensa que controlar os outros vai lhe garantir, por comparação, uma posição superior. Não sabe, no entanto, que perde a vida trabalhando para que seus superiores mantenham todos presos em salas.
Não há diferença entre o preso e o carcereiro. Estão ambos encerrados por grades.
E enquanto isso, o planeta vai na espiral descendente. E ao longo do movimento, o desespero aumenta, assim como a tentação de dizer que a culpa é de Fulano ou Ciclano.
Em um ponto assim, o que é mais conveniente do que um inimigo comum?
Não se enganem: além de sua própria consciência, só o que há é o ego dos outros. Duvide de quem lhe afaga a cabeça e diz protegê-lo dos monstros. Não há monstros aqui. Só há ignorância e seu filho mais velho, o conhecido sofrimento.
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